Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Serranas viram-na emvida
Baleizão a viu morrer
Foi no dia 19 de Maio de Maio de 1954, em plena época da ceifa do trigo, no Monte do Olival, Baleizão.
Catarina Efigénia Sabino Eufémia e mais treze outras ceifeiras foram reclamar com o feitor da propriedade onde trabalhavam para obter um aumento de 2 escudos pela jorna. Os homens da ceifa foram, em princípio, contrários à constituição do grupo das peticionárias, mas acabaram por não hostilizar a acção destas.
As catorze mulheres foram suficientes para atemorizar o feitor que foi a Beja chamar o proprietário e a guarda republicana.
Catarina tinha sido escolhida pelas companheiras para apresentar as suas reivindicações. A uma pergunta do tenente Carrajola, Catarina terá respondido que só queriam "trabalho e pão". Como resposta, uma bofetada que a fez cair ao chão. Ao levantar-se, terá dito: "Já agora mate-me." O tenente da guarda disparou três balas que lhe estilhaçaram as vértebras.
De acordo com o relatório da autópsia, Catarina foi atingida por "três balas, à queima-roupa, pelas costas, actuando da esquerda para a direita, de baixo para cima e ligeiramente de trás para a frente, com o cano da arma encostada ao corpo da vítima. O agressor deveria estar atrás e à esquerda em relação à vítima".
Assim mesmo: à queima-roupa, pelas costas, como é típico dos cobardes. Catarina foi assassinada e enterrada às escondidas pelo regime, com medo da reacção do povo. O assasino morreu calmamente dez anos depois, sem ter sido sujeito a qualquer julgamento ou ter sofrido qualquer sanção. Era assim a ditadura que alguns negam ter existido. Tenho dó deles.
Retrato de Catarina Eufémia
Da medonha saudade da medusa
que medeia entre nós e o passado
dessa palavra polvo da recusa
de um povo desgraçado.
Da palavra saudade a mais bonita
a mais prenha de pranto a mais novelo
da língua portuguesa fiz a fita encarnada
que ponho no cabelo.
Trança de trigo roxo
Catarina morrendo alpendurada
do alto de uma foice.
Soror Saudade Viva assassinada
pelas balas do sol
na culatra da noite.
Meu amor. Minha espiga. Meu herói
Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher
de corpo inteiro como ninguém foi
de pedra e alma como ninguém quer.
José Carlos Ary dos Santos
2 comentários:
deixei há tempos versão minha do "Cantar Alentejano" no anacruses
http://anacruses.blogspot.com/2007/02/cantar-entre-alentejndiano.html
Duas figuras emblemáticas de um tempo que ninguém quer ver repetido.
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