quarta-feira, abril 30, 2008

O Dólar Lama


Nunca tive muita simpatia pelos políticos chineses. Apesar de, como grande parte da juventude da minha geração, ter comprado e lido o famoso “livro vermelho” do Mao, nunca senti qualquer atracção pelo maoísmo nem pelos maoístas e pelas suas “revoluções a todo o vapor”, considero que a chamada “revolução cultural” – que de revolução só teve o nome – constituiu um período negro da história da China, com as suas dezenas de milhares de mortos e uma espécie de genocídio cultural e, para mim, a política chinesa actual reúne o pior de dois sistemas: um socialismo completamente abastardado na sua essência e o capitalismo mais selvagem.

Deixei, há muito, de ter qualquer tipo de reverência pelo Dalai Lama, pela sua obra escrita e pelo que ele representa. Não compreendo como é que se pode atribuir qualquer credibilidade a alguém que, enquanto exerceu o poder político, tratava mais de 90% do seu povo como uma mera mercadoria livremente transaccionável pelos detentores da riqueza. Também não percebo como se pôde atribuir o Nobel da Paz a um urubu com penas de pavão, mas como o mesmo prémio foi atribuído a um facínora como Henry Kissinger já tenho de considerar tudo normal, até um “porco a andar de bicicleta” ou um elefante a “saltitar levemente de nenúfar em nenúfar”.

Faz parte do conhecimento comum que, no Tibete, os “monges” têm travado, ao longo do tempo, ferozes batalhas pelo poder, atitude que não tem paralelo noutros países de similar cultura no sudeste asiático. Considerar como “lutadores pela liberdade” um bando de assassinos que pilhou e queimou centenas de estabelecimentos apenas porque pertenciam a pacatos cidadãos chineses, dos quais várias dezenas foram barbaramente chacinados pelo "hediondo crime" de serem chineses, equivale a considerar como “lutador pela liberdade” um Pinochet ou um Videla. Cada qual fica com os heróis que merece.

Não sei se o Tibete tem razões históricas para reclamar a sua independência ou não. Mas, mesmo aceitando que as tenha, apoiar o regresso ao poder teocrático do Dalai Lama seria o mesmo que pugnar pelo regresso da Europa ao tempo dos Estados Pontifícios, com as leis cívicas de cada país a serem substituídas pelo Direito Canónico e os Tribunais pela Inquisição.

Por tudo isso e mais algumas coisas, tenho evitado referir-me à questão do Tibete. Mas, no meio do alarido ao redor da tocha olímpica, acho que anda muita gente a querer fazer lavagens ao cérebro, em exercícios descarados de hipocrisia e de uma ainda mais descarada manipulação. Aqui está um exemplo claro do que tem sido o comportamento da maioria dos órgãos de comunicação ocidentais, mas há dezenas de outros, se nos dermos ao trabalho de procurar.

Como refere Simon Barnes na sua coluna do Times do passado dia 11, “talvez os ocidentais pensem que há qualquer coisa de errado com as pessoas chinesas em si mesmas”. Se for assim, acho mesmo que “perdemos o fio à meada”.

terça-feira, abril 29, 2008

A opção militar


Guerra com a Síria? Paz com a Síria?

Uma grande operação militar contra o Hamas e a Faixa de Gaza? Um cessar fogo com o Hamas?

Os nossos meios de comunicação discutem estas questões de uma forma desapaixonada, como se fossem opções equivalentes. Como uma pessoa num salão de exposições a escolher entre dois carros. Este é bom e este também é bom. Então, qual se deve comprar?

E ninguém grita: a guerra é o cúmulo da estupidez!

A análise é do jornalista e activista israelita Uri Avnery e pode ser lida no original em inglês ou, para quem preferir, numa tradução para castelhano.

segunda-feira, abril 28, 2008

Prevenção e Segurança no Trabalho


Hoje é o Dia Mundial da Segurança e da Saúde no Trabalho, criado por Resolução da OIT (Organização Internacional do Trabalho) de 1996; este ano, entre nós, é celebrado como o Dia Nacional de Prevenção e Segurança no Trabalho.

Apesar das medidas que têm sido tomadas em muitos países do mundo, os acidentes de trabalho e os novos casos de doenças profissionais não param de aumentar, estimando-se que ocorram anualmente, em todo o mundo, 270 milhões de acidentes de trabalho (não mortais) e 160 milhões de novos casos de doenças profissionais.

É imperioso que todos - entidades empregadoras e trabalhadores - tomem consciência da dimensão do problema e assumam uma atitude e um comportamento adequados de PREVENÇÃO e SEGURANÇA, com vista à minimização permanente dos riscos nos locais de trabalho.

O uso de capacetes protectores em várias actividades de risco, desde as minas à construção civil, de meios de segurança por parte de quem tem de subir a andaimes, telhados ou terraços, de óculos adequados para quem trabalha em ambientes propícios a danos oculares (soldadores, rebarbadores, etc.), de máscaras por parte de quem trabalha com produtos que emanam gases, fumos ou poeiras prejudiciais à saúde (pintores de automóveis ou outros, cortadores de relva, varredores de chãos, recolectores de lixo e outros), de ventilação eficaz, de protectores para os ouvidos em situações de ruído assinalável, de luvas e calçado próprio, são tudo medidas que podem fazer diminuir a “factura” dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.

Todos nós, mesmo aqueles que trabalham em profissões de menor risco, podemos contribuir com o nosso esforço para um mundo mais são, adoptando posturas corporais correctas, eliminando ruídos desnecessários, mantendo limpos os locais de trabalho e os espaços públicos que utilizamos (não esquecendo que os donos de animais domésticos são obrigados por lei a apanhar os excrementos dos seus bichinhos, o que a grande maioria não faz).

Devemos, também, ter sempre presente que o Seguro de Acidentes de Trabalho é obrigatório e que, embora não restitua um membro amputado ou dilacerado, pagas as despesas dos tratamentos, proporciona a reabilitação até onde ela for possível e garante pensões de reforma. Se todos, ao adjudicarmos uma obra no nosso condomínio ou na nossa residência, exigirmos a exibição de uma apólice válida, já estaremos a dar um grande passo em frente.

domingo, abril 27, 2008

Pequena fábula imoral Era uma vez nos Estados Unidos, país da abundância, onde bondosos filantropos acorreram em auxílio dos pobres (não demasiado, mas bastante pobres, ainda assim), para lhes oferecer ajuda para comprarem uma casa. Esses benfeitores emprestavam dinheiro, quase sem contrapartidas, àqueles que o não tinham. Os pobres apenas teriam que reembolsá-lo em suaves prestações, da forma e no momento em que pudessem, ao mesmo tempo que desfrutavam, de imediato, da sua nova casa e do seu jardinzinho, recompensa inesperada após uma longa via de trabalho. Mas tudo era demasiado bonito para ser verdade! E o generoso doador não era mais do que um gatuno. Esta fábula moderna, da autoria do jornalista francês Denis Sieffert, pode ser lida na íntegra, aqui.

sábado, abril 26, 2008

Pergunta Será realmente a face do universo a face da Medusa, esta geral destruição confusa, este criar perverso, ou será a máscara, álgida e estrelada, onde os cometas passam, turva de treva, rútila de nada, e onde olhos se espedaçam? Alexei Bueno Feliz 45º aniversário, Alexei!

sexta-feira, abril 25, 2008

O Futuro Isto vai meus amigos isto vai um passo atrás são sempre dois em frente e um povo verdadeiro não se trai não quer gente mais gente que outra gente Isto vai meus amigos isto vai o que é preciso é ter sempre presente que o presente é um tempo que se vai e o futuro é o tempo resistente Depois da tempestade há a bonança que é verde como a cor que tem a esperança quando a água de Abril sobre nós cai. O que é preciso é termos confiança se fizermos de maio a nossa lança isto vai meus amigos isto vai. José Carlos Ary dos Santos

quinta-feira, abril 24, 2008

Não (me) importo Não me importo de aceitar o desafio Não me importo de não saber que fazer Não me importo se me sai ao arrepio Não me importo se me fizer entender Não me importo pois tenho amigos de Abril Não me importo dos cadáveres adiados Não me importo somos não sei quantos mil Não me importo de ter milhões de aliados Não me importo de passar a amigos meus Sejam crentes ou agnósticos ou ateus… Jardim de Luz CANTIGUEIRO Coisa de Vidas O VENTO CONTRA A CARA ATREVER(ME)OUTRA VEZ
Corpos sob Ocupação Carne, carnal, corpos… Corpos humanos. Corpos masculinos, corpos femininos… corpos ocupados, carne ocupada, conhecimento carnal da Ocupação. O Corpo, a Conduta, o Veículo… Bombardeia, arresta, detém, encarcera, acorrenta: constringe o espaço. Depois, dirige o teu ataque pessoal contra o “outro”, essa “besta vivente” - espanca, açoita, golpeia, fustiga, fere, queima, rasga, esmaga, sodomiza, viola, mija-lhe, defeca em cima dele, dispara, mata: o Corpo. O corpo. O ponto Central. Carne da carne. Escava no pus da Carne… Testemunho lancinante da poetisa e sobrevivente iraquiana Layla Anwar, para ler no seu blogue An Arab Woman Blues - Reflections in a sealed bottle.... Este e todos os outros.

quarta-feira, abril 23, 2008

Requiem por um povo desprezado Por uma daquelas coincidências em que a história não é fértil, William Shakespeare nasceu e faleceu no mesmo dia do mesmo mês. Com efeito, quando nasceu em 23 de Abril de 1564, vigorava em todo o mundo ocidental o calendário juliano; como o calendário gregoriano foi promulgado pelo Papa Gregório XIII em 1582, apenas alguns países católicos o adoptaram de imediato, enquanto a Grã-Bretanha e outros países protestantes começaram a utilizá-lo só no século XVIII. A Grã-Bretanha adoptou-o em 1752, pelo que o grande escritor faleceu em 23 de Abril de 1616, segundo o calendário então em vigor no seu país. Também por uma coincidência, mas desta vez uma daquelas em que os nossos políticos são useiros e vezeiros, o dia 23 de Abril de 2008 ficará na história cá do burgo como o dia do desprezo pela capacidade intelectual de todo um povo, inapto para entender os meandros de uma Constituição morta e ressuscitada com outro nome. E não venham dizer-me que a nossa Constituição também não foi referendada (e não podia sê-lo, pois é ela que consagra o estatuto do referendo), pois quem podia e quis votar em 1975 (e foram muitos mais do que actualmente é hábito), fizeram-no exclusivamente para escolher quem iria elaborar e aprovar a Constituição. Ser ou não ser respeitado, ser ou não ser ouvido, ser ou não ser um povo livre, ser ou não ser..., eis a questão: Ser ou não ser, eis a questão. Será mais nobre em espírito viver Sofrendo os golpes e as frechadas da afrontosa sorte Ou armas tomar contra um mar de penas. Dar-lhes um fim: morrer, dormir... Só isso e, por tal sono, dizer que acabaram Penas do coração e os milhões de choques naturais Herdados com a carne? Será final A desejar ardentemente... Morrer, dormir; Dormir, sonhar talvez... Mas há um contra, Pois nesse mortal sonho outros podem vir, Libertos já do mortal abraço da vida... Deve ser um intervalo... É o respeito Que de tal longa vida faz calamidade Pois quem pode suportar do tempo azorrague e chufas, Os erros do tirano, ultrajes do orgulho, As angústias de amor desprezado, a lei tardia, A insolência das repartições e o coice destinado Pelos inúteis aos meritórios pacientes? Para quê se pode aquietar-se, acomodar-se, Com um simples punhal? Quem suportará, Suando e resmungando, vida de fadigas Senão quem teme o horror de qualquer coisa após a morte, País desconhecido, a descobrir, cujas fronteiras Não há quem volte a atravessar e nos intriga E nos faz continuar a suportar os nossos males Em vez de fugir para outros que desconhecemos?... Assim a todos nos faz covardes nossa consciência, Assim o grito natural do ânimo mais resoluto Se afoga na pálida sombra do pensar E as empresas de mor peso e alto fim, Tal vendo mudam o seu rumo errando E nada conseguindo! Sossega agora... Ofélia gentil! Ninfa, em tuas orações Sejam sempre lembrados meus pecados. (Hamlet - tradução de José Blanc de Portugal, Editorial Presença, 3ª. ed., 1997)* *Pedido “emprestado” aqui

terça-feira, abril 22, 2008

A arma decisiva da elite dominante


…Só há duas formas possíveis de evitarmos ter um mundo de 10 mil milhões de pessoas. Ou a actual taxa de natalidade desce rapidamente, ou a actual taxa de mortalidade tem de subir. Não há outra forma. Há, claro, muitas maneiras de subir as taxas de mortalidade. Numa era termonuclear, a guerra pode consegui-lo de forma rápida e decisiva. A fome e as doenças são a tradicional forma da natureza regular o crescimento populacional, e nenhuma delas desapareceu de cena… Em termos simples: o crescimento excessivo da população é o maior obstáculo ao avanço económico e social das sociedades em vias de desenvolvimento.” - Discurso de Robert McNamara, perante o Clube de Roma, 2 de Outubro de 1979

A sobrepopulação e o rápido crescimento demográfico do México são, hoje em dia, uma das maiores ameaças à segurança nacional dos Estados Unidos. A não ser que a fronteira EUA-México seja selada, ficaremos com mexicanos até ao pescoço para os quais não arranjamos empregos.” - Robert McNamara, na época, presidente do Banco Mundial, 19 de Março de 1982

As propostas genocidas veladas de McNamara foram feitas há trinta anos, dando eco ao medo das ‘grandes massas’ por parte de ricos e privilegiados quando ‘sobrepopulação’ era o tema de que se falava. Por isso não mudou muita coisa, pois não? Estamos mais uma vez a ouvir as mesmas mensagens serem difundidas pelas elites dominantes e pelos seus profissionais da persuasão, os 'spin doctors'. Os prantos de medo de McNamara de estar cheio de mexicanos até ao pescoço são comparáveis ao que se passa na Europa, só que agora são africanos.

A análise de William Bowles, que pode ser lida no original ou em tradução portuguesa de Alexandre Leite para a Tlaxcala.

segunda-feira, abril 21, 2008

Serviços não confiáveis – reclamação Hartford, 12 de Fevereiro de 1891. Caros senhores, Haverá dia em que os senhores me farão atingir as raias da irritação graças à maldita e cabeçuda forma de interromper o fornecimento do seu maldito gás sem qualquer aviso aos malditos usuários. Por um triz, a metade dos moradores desta casa não se asfixiou várias vezes na cama e a outra metade não explodiu devido a esse idiota (para não dizer criminoso) hábito dos senhores. Hoje, isso ocorreu mais uma vez. Os senhores não têm um telefone? Seu, S. L. Clemens (Mark Twain)
Alcoólicas É crua a vida. Alça de tripa e metal. Nela despenco: pedra mórula ferida. É crua e dura a vida. Como um naco de víbora. Como-a no livor da língua Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me No estreito-pouco Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida Tua unha plúmbea, meu casaco rosso. E perambulamos de coturno pela rua Rubras, góticas, altas de corpo e copos. A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos. E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima Olho d'água, bebida. A Vida é líquida. (Alcoólicas - I) Hilda Hilst* *Poetisa brasileira

domingo, abril 20, 2008

Quem é o relativista moral?

ou

A cruz e a espada


Eu sou guiado por Deus para uma missão. Deus dir-me-ia : “George, vai e combate aqueles terroristas no Afeganistão”. E eu fui. E depois Deus dir-me-ia: “George, vai e acaba com a tirania no Iraque”. E eu fui.
Bush em Sharm el-Sheikh, Agosto de 2003

Eu acredito que Deus fala através de mim. Sem isso, eu não poderia fazer o meu trabalho.
Bush na visita à comunidade Amish de Lancarter Coury, Pensilvânia, 9 de Julho de 2004

Eu penso que é importante que as pessoas entendam que uma cultura de vida é no nosso interesse nacional.
Bush em entrevista televiviva à EWTN, 12 de Abril de 2008

Nós damo-vos as boas vindas com as antigas palavras recomendadas por Santo Agostinho: Pax tecum.
Bush nas boas vindas a Bento XVI, 15 de Abril de 2008

Num mundo onde alguns invocam o nome de Deus para justificar actos de terrorismo, assassínio e ódio, nós precisamos da vossa mensagem de que Deus é amos.
Idem, ibidem

Num mundo em que alguns já não acreditam que podemos distinguir entre certo e errado, nós precisamos da vossa mensagem para rejeitar esta ditadura do relativismo.
Bush na Casa Branca, no 81º aniversário do Papa, 16 de Abril de 2008

A busca da América pela liberdade tem sido guiada pela convicção de que os princípios que governam a vida social e política estão intimamente ligados a uma ordem moral baseada na autoridade de Deus, o Criador.
Bento XVI na Casa Branca, 16 de Abril de 2008

Deve ser por isso que os Founding Fathers estabeleceram a separação entre a religião e o estado.
lino no the sound of silence, 20 de Abril de 2008

sábado, abril 19, 2008

O último poema Assim eu quereria o meu último poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação. Manuel Bandeira

sexta-feira, abril 18, 2008

Ingenuidades... Pensava eu, na minha ingenuidade quase sexagenária, que as farmacêuticas (pelo menos as grandes) estavam sujeitas a um código deontológico bastante sólido, considerando o risco que os seus produtos representam para a saúde. Imaginava eu, na minha candura martirizada por décadas de atentados à minha boa fé, que a FDA, apesar das frequentes queixas de falta de meios, exercia um controlo eficaz sobre os produtores de medicamentos da, até ver, maior potência económica mundial. Estava eu convencido, pois, de que um medicamento produzido por uma multinacional estado-unidense ou, ao menos, sob a sua supervisão técnica, era relativamente seguro, ou pelo menos mais seguro, do que os produzidos por um qualquer laboratório da África do Sul, da China ou da Índia. Estava, mas é mais prudente deixar de estar. Primeiro foi a reputação da Lilly que andou pelas ruas da amargura, com a denúncia de que o Prozac, também conhecido como “pílula da felicidade”, não tinha mais efeitos benéficos do que um vulgar placebo. Agora é a integridade da Merck que é posta em causa. Esta multinacional farmacêutica é produtora de vários medicamentos líderes de vendas, entre os quais o Vioxx, medicamento largamente utilizado para aliviar as dores da artrite devido a ser inofensivo para o estômago do doente, que teve de retirar do mercado em 2004, após o aparecimento de provas que o ligavam a ataques cardíacos. No último Outono, a Merck acordou pagar o montante de quatro mil e oitocentos e cinquenta milhões de dólares para pôr termo a dezenas de milhares de processos intentados por antigos pacientes ou pelas suas famílias. A edição de anteontem do JAMA (The Journal of the American Medical Association), um jornal médico líder, publicou um estudo, liderado por dois especialistas que foram peritos da acusação em vários processos relacionados com o Vioxx, no qual se revela que a Merck redigiu dezenas de estudos de pesquisa para este medicamento, conseguindo depois obter o reconhecimento e a assinatura de médicos prestigiados antes de os relatórios serem publicados. O artigo, baseado em documentos vindos a lume durante os processos e aos quais os dois especialistas tiveram livre acesso como peritos, fornece um detalhado panorama da prática de “escrita fantasma” nos artigos de investigação médica que depois são publicados em jornais académicos. A “escrita fantasma” (ghostwriting em inglês), consiste em alguém, sem credenciais científicas adequadas, elaborar o rascunho de um artigo de investigação, o qual depois é subscrito por especialistas que pouco ou nenhum contributo deram para o mesmo. No caso das farmacêuticas, os “redactores fantasma” são empregados das empresas. Parece que a prática está bastante disseminada no meio farmacêutico, o que, para além de provocar sérios danos à credibilidade da investigação científica como um todo, coloca em causa a vida de centenas de milhões de doentes em todo o mundo, o que é muito mais grave. Embora alguns dos tais médicos prestigiados já tenham vindo dizer que as afirmações são falsas, esperemos que a verdade seja devidamente apurada e, se for caso disso, os responsáveis sejam exemplarmente punidos. A justiça estado-unidense é algo complexa mas, em situações semelhantes, não costuma brincar em serviço. Basta ver os anos de prisão a que foram condenados os responsáveis pela falência da Enron. Informação mais pormenorizada pode ser lida aqui, onde também se encontra a ligação para o estudo publicado no JAMA.
O Colocador de Pronomes Aldrovando Cantagalo veio ao mundo em virtude dum erro de gramática. Durante sessenta anos de vida terrena pererecou como um peru em cima da gramática. E morreu, afinal, vítima dum novo erro de gramática. Mártir da gramática, fique este documento da sua vida como pedra angular para uma futura e bem merecida canonização. Vale a pena despender alguns minutos para ler na íntegra este saboroso texto de Monteiro Lobato, o criador do Sítio do Picapau Amarelo, entre muitas outras coisa boas.

quinta-feira, abril 17, 2008

Massacre de Eldorado dos Carajás Foi no dia 17 de Abril de 1996 que a Polícia Militar do Estado do Pará assassinou 19 camponeses do Movimento dos Sem Terra, no município de Eldorado dos Carajás, no sul do Estado do Pará, no Brasil. A partir de então, o dia 17 de Abril de cada ano converteu-se numa jornada mundial de luta camponesa. A propósito da jornada deste ano, Marina dos Santos, 33 anos, membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil, organização a que se juntou quando tinha apenas 15 anos, ao integrar-se, com o seu pai, num acampamento do MST, deu uma entrevista exclusiva ao jornal digital Adital, que pode ser lida na íntegra aqui.

quarta-feira, abril 16, 2008

O que (não) é o jantar?

Alguns especialistas vinham há muito tempo a chamar a atenção para o problema, mas os poderosos apelidaram-nos de fanáticos, encolheram os ombros e assobiaram para o lado.

O contínuo aumento do preço dos cereais já tinha provocado uma greve em Itália por causa do preço da pasta, motins no México contra o aumento do preço do milho, base da tortilha, o prato tradicional dos mais pobres e protestos em vários países - Guiné, Mauritânia, Marrocos, Senegal, Uzbequistão e Iémen, entre outros - mas a União Europeia e os Estados Unidos continuaram a subsidiar alegremente as culturas destinadas aos biocombustíveis, enquanto em países em desenvolvimento se assistia à destruição da floresta para culturas intensivas de soja, palma oleaginosa ou cana de açúcar, todas destinadas à produção de combustíveis.

Na última semana de Março tinha sido o alarme mundial por causa do aumento exponencial do preço do arroz, com grandes produtores (Vietname, Índia, Egipto, Cambodja) a limitarem ou interromperem as suas exportações com vista a salvaguardarem algumas reservas para os seus cidadãos.

Depois surgiram os motins em vários países, quer por causa dos cereais quer por causa dos óleos alimentares, da Indonésia ao Egipto, passando pelo Haiti, onde se verificaram várias mortes e houve notícia de pessoas que apenas tinham para comer biscoitos feitos de terra e óleo alimentar. A China decretou o congelamento dos preços dos óleos de cozinhar, dos cereais, da carne, do leite e dos ovos, e a presidente das Filipinas deu ordens aos investigadores governamentais para localizarem os açambarcadores, a fim de serem punidos.

Este fim de semana foi a reunião dos ministros das finanças dos países ricos, com os dirigentes do Banco Mundial e do FMI a acordarem para a dura realidade que é a fome que grassa por todo o mundo e põe ainda mais em risco o desenvolvimento físico e intelectual de centenas de milhões de crianças.

Ontem, sessenta países, apoiados pelo Banco Mundial e pela maioria das agências da ONU, apelaram a mudanças radicais na agricultura mundial para evitar uma crescente escassez de comida em algumas regiões, a escalada dos preços e o aumento dos problemas ambientais. O Banco Mundial estima que pelo menos 33 países estão actualmente em risco de desestabilização política e de conflitos internos devido à inflação do preço da comida.

No fim do século passado considerava-se que, se nada fosse feito, seria inevitável uma guerra global por causa da água: que se saiba, ninguém se incomodou muito com isso, talvez porque os decisores, nessa altura, já não andarão por cá. Confrontados com uma grave crise financeira a nível mundial, serão os dirigentes capazes de fazer face a uma crise muito mais grave, que é a fome de quase metade da humanidade?

Nota: o título desta posta não pretende fazer humor negro. Cá em casa, na sequência do acidente sofrido pela minha companheira em Agosto passado e dando cumprimento a anteriores recomendações médicas, o jantar passou a ser sopa, um copo de tinto e fruta.
Para já, apenas por opção porque, felizmente, ainda faço parte da metade da humanidade que pode ter várias refeições quentes por dia
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terça-feira, abril 15, 2008

Twilight Zone / Taxi Driver Isto aconteceu depois do carro ter sido oficialmente confiscado ao seu dono pelas forças de segurança israelitas, que o transferiram para a custódia de uma base militar. Isto passou-se depois de soldados israelitas terem disparado, sem qualquer motivo, contra a viatura, quando os membros de uma família palestina - incluindo um bebé de três meses - viajavam no seu interior, de regresso de um encontro familiar. Esta é mais uma cena arrepiante da vida quotidiana nos territórios ocupados, contada por Gideon Levy, jornalista israelita e antigo porta-voz de Shimon Peres, nas páginas do diário Haaretz. Para quem preferir, tem aqui uma tradução para castelhano.

segunda-feira, abril 14, 2008

Dinheiro, poder e sexo É velha como a história conhecida da espécie humana a relação entre dinheiro, poder e sexo. Com efeito, já na fase primitiva dos nossos antepassados recoletores e caçadores, os homens competiam entre si para ver quem recolhia a maior quantidade de “dinheiro” da altura (frutos e presas) para assim terem mais influência e melhor conquistarem as mulheres da tribo. Em fases civilizacionais mais avançadas, a posse de mais meios de troca (dinheiro ou mercadorias, incluindo os escravos e os servos da gleba) e, portanto, de mais riqueza, conduzia iniludivelmente a mais poder e ao desfrute de mais sexo. E na sociedade contemporânea, tal realidade mantêm-se. Recentemente, um estudo científico publicado no jornal, sujeito a revisão por pares, NeuroReport (acesso limitado a assinantes), no passado dia 26 de Março, concluiu que o sexo e o risco financeiro estão ligados à mesma área cerebral. Com efeito, imagens de ressonância magnética cerebrais revelaram que, quando a homens jovens eram mostradas imagens eróticas, eles eram mais propensos a fazer especulações financeiras mais ousadas do que quando lhes eram mostradas imagens aterradoras – como cobras – ou neutrais – como, por exemplo, um agrafador, e que as imagens excitantes iluminavam a mesma parte do cérebro que brilha quando se assumem riscos financeiros – o nucleus accumbens, que se situa próximo da base do cérebro e que tem um papel central naquilo que cada um sente como prazer. O estudo, conduzido por Camelia Kuhnen, professora de finanças na Northwestern University, em conjunto com o psicólogo de Stanford, Brian Knutson, e outros cientistas, foi realizado na Stanford University e envolveu 15 jovens heterossexuais do sexo masculino que fizeram mais de 50 apostas cada um durante as ressonâncias magnéticas. O facto de apenas terem sido observados homens ter-se-á devido a uma maior dificuldade em encontrar imagens eróticas que “entusiasmassem” tantas mulheres heterossexuais diferentes como acontece com os homens heterossexuais. Apesar da amostra algo reduzida, o estudo veio confirmar resultados anteriores. De qualquer modo, não deixa de ter piada imaginar que o Sílvio Berlusconi terá construído o seu império ao ver filmes pornográficos da Cicciolina, que o grande especulador George Soros terá feito fortuna a acompanhar as aventuras eróticas de Martina Navratilova com Judy Nelson, ou que Warren Buffet terá acumulado a sua imensa fortuna olhando para as fotografias ousadas de Marilyn Monroe. Já os novos bilionários do Google, do YouTube, do MySpace ou do Facebook, provavelmente tiveram as suas brilhantes ideias a verem e reverem o cruzar de pernas da Sharon Stone em Instinto Fatal. Dos portugueses, mais vale não fazer palpites. O único que ouso fazer é sobre o Berardo que, muito provavelmente, comprou em primeiro lugar as telas mais ousadas da sua colecção com os primeiros trocados, enriquecendo, depois, a olhar para elas.

domingo, abril 13, 2008

O Significado das Palavras Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram. Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininterruptamente, como uma única palavra infindável e, por isso, sem significado, porque é o fim que confere o significado às palavras. Samuel Beckett, in 'Textos para Nada' Retirado daqui

sábado, abril 12, 2008

O Empolar dos Conflitos A maior parte dos conflitos são forjados, baseados em falsas suspeições ou exageram coisas sem importância. Umas vezes, a ira vem até nós, outras somos nós que vamos ao seu encontro. Nunca devemos invocar a ira e, mesmo quando ela surge, devemos afastá-la. Ninguém diz para si mesmo: «Já fiz ou poderei vir a fazer o que me está agora a causar ira»; ninguém tem em conta a intenção do autor, mas apenas o acto em si. Ora, é o autor que se deve ter em conta: teve ele intenção de fazer o que fez ou fê-lo sem querer, foi coagido ou estava enganado, seguiu o ódio ou procurou lucrar com o seu acto, fê-lo por sua conta ou prestou um serviço a alguém? A idade de quem errou e a sua situação devem ser ponderadas, para que saibamos se devemos suportar e perdoar a sua ofensa com benevolência ou com humildade. Coloquemo-nos no lugar daquele que nos suscita ira: então, percebemos que o que nos torna iracundos é uma má avaliação de nós mesmos e não queremos sofrer algo que nós próprios queremos fazer. Ninguém faz uma pausa: ora, a pausa é o maior remédio para a ira, ela permite que o fervor inicial diminua e que a névoa que obscurece a mente se dissipe ou se torne menos densa. Alguns impulsos que te agitavam por uma hora, não direi por um dia, desaparecerão totalmente; se sentirmos que este recurso não sortiu efeito, isso prova, pelo menos, que já estamos a obedecer à razão e não à ira. Cada vez que quiseres conhecer alguma coisa, confia-a ao tempo: é difícil discernir algo que esteja em movimento. Séneca, in 'Da Ira' Retirado daqui

sexta-feira, abril 11, 2008

Camisinhas” da Amazónia Vinte anos após o a assassinato de Chico Mendes, Xapuri, a cidade do estado Do Acre, bem no coração da Amazónia, que viu o Chico nascer, crescer, lutar e morrer à mão de fazendeiros, voltou a ser notícia, desta vez por razões bem melhores. Embora “fazer amor” possa não parecer a forma mais óbvia de salvar a maior floresta tropical do planeta – e de combater a ameaça da SIDA, de acordo com o governo brasileiro pode ser uma arma efectiva na batalha para silenciar as motoserras na Amazónia. Na tarde da passada segunda feira, 7 de Abril e Dia Mundial da Saúde, a ministra do ambiente, Marina Silva, acompanhada de representantes do Ministério da Saúde, do Governador do Estado, de Senadores e de todo um rol de individualidades e activistas, inaugurou a fábrica Natex, num investimento de cerca 31 milhões de reais, para uma fábrica de preservativos de látex de seringueiras nativas de Xapuri. O facto de o método de extracção do látex ser manual permitirá o desenvolvimento sustentável da floresta, gerando 150 empregos directos e envolvendo cerca a 550 famílias da Reserva Extrativista Chico Mendes, a quem proporcionará um rendimento mensal superior a 400 reais (acima do salário mínimo do Brasil). Além da protecção da floresta tropical, o governo espera que a fábrica, com capacidade de produção de 100 milhões de unidades por ano, reduza a dependência do Brasil relativamente aos preservativos importados da Ásia, já que em 2007 houve uma distribuição gratuita de 120 milhões de unidades como parte de uma intensa campanha para diminuir as taxas de infecção com o vírus da SIDA. É caso para dizer: sexo seguro, Amazónia com futuro!

quinta-feira, abril 10, 2008

Amai-vos... Amai-vos um ao outro, mas não façais do amor um grilhão. Que haja, antes, um mar ondulante entre as praias de vossa alma. Enchei a taça um do outro, mas não bebais da mesma taça. Dai do vosso pão um ao outro, mas não comais do mesmo pedaço. Cantai e dançai juntos, e sede alegres, mas deixai cada um de vós estar sozinho. Assim como as cordas da lira são separadas e, no entanto, vibram na mesma harmonia. Dai vosso coração, mas não o confieis à guarda um do outro. Pois somente a mão da Vida pode conter vosso coração. E vivei juntos, mas não vos aconchegueis demasiadamente. Pois as colunas do templo erguem-se separadamente. E o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro. Gibran Kahlil Gibran

quarta-feira, abril 09, 2008

9 de Abril Há cinco anos, muitos de nós acordámos para ver a estátua de Saddam Hussein, em Bagdade, a ser derrubada. Os média devoraram essa imagem. Segundo afirmou George Bush, foi um feito comparável à queda do muro de Berlim. O Iraque era livre, escreveram ou disseram a maior parte dos especialistas. Os Estados Unidos tinham demonstrando que os seus detractores estavam errados. Bagdade tinha caído com uma perda irrisória de vidas estado-unidenses. Um Iraque democrático acabava de aparecer no horizonte. O que viram não era real. A estátua de Saddam no foi demolida pelos iraquianos. O evento foi organizado e bem ensaiado pelos militares dos Estados Unidos. A análise é de Malcom Lagauche, escritor e jornalista estado-unidense.

terça-feira, abril 08, 2008

In Memoriam

















(Imagem: Pablo Picasso - A morte do toureiro- 1933)

Não há, na arte, nem passado nem futuro. A arte que não estiver no presente jamais será arte.

Não, a pintura não é feita para decorar os apartamentos. É um instrumento de guerra ofensiva e defensiva contra o inimigo.

Pablo Picasso*

*no 35º aniversário da sua morte

segunda-feira, abril 07, 2008

E se simplificássemos tudo isto? Quais são exactamente as regras que regem o direito à secessão e, em geral, àquilo que se chama de auto-determinação? Alguns dizem-nos que estão um pouco confusos. E, na verdade, a acreditarmos nos grandes meios de comunicação... Na Ásia, os Tibetanos têm o direito. Mas não os Iraquianos nem os Afegãos. No Médio Oriente, os Israelitas têm o direito. Mas não os Palestinos nem os Curdos. Na África, os generais mafiosos do Congo Oriental têm o direito. Mas não o Sahara Ocidental. Na América Latina, as províncias ricas (e de direita) da Bolívia e da Venezuela têm o direito. Mas já não o têm os índios do Chile, do México, etc... Nos Balcãs, os Albaneses do Kosovo têm o direito. Mas não os Sérvios do Kosovo nem os da Bósnia. Na Europa ocidental, os Flamengos teriam o direito, mas não os Irlandeses do Norte ou os Bascos. Complicado, na verdade. E se simplificássemos tudo isto? Apenas teriam direito à auto-determinação aqueles que estão “connosco”. Os outros, não. E, já que estamos com a mão na massa, substituamos, também, a palavra “democrata” por “connosco” e a palavra “terrorista" por “contra nós”. Aí está! A política, quando se quer, é simples. Texto original de Michel Collon Tradução minha

domingo, abril 06, 2008

Encruzilhada Pode haver um ponto de partida. Um epicentro de onde soe alguma palavra exata. Como o encaixe de duas bocas. Se via de passagem ou gozo de fuga por derrocadas, desertos, que acolha e multiplique saídas, estiagens, emergências. Hora de partir. Pura fantasia. Um corpo que empurra o vento, que ilumina a luz, amarrota o mar, coberto de pó. Que possa dobrar, passo a passo, o risco do caminho. Ronald Polito* *poeta mineiro

sábado, abril 05, 2008

Vestígios Estranha pulsão, esta: derramar no caderno porções de alma. A mão, captando sinais invisíveis. Lenta, no formigueiro em marcha. Absolutamente só, enquanto todos perseguem a sagrada hora do trabalho e dos compromissos bancários. E depois, palavras escondidas em oculto caderno, papel rasgado, para que delas não sobrem vestígios. Ana Cecília de Souza Bastos* *poetisa brasileira

sexta-feira, abril 04, 2008

EU TENHO UM SONHO No processo de conquista do nosso legítimo lugar, nós não devemos ser culpados de acções iníquas. Não vamos procurar satisfazer a nossa sede de liberdade bebendo da chávena da amargura e do ódio. Nós temos constantemente de conduzir a nossa luta num patamar elevado de dignidade e disciplina. Nós não devemos permitir que o nosso protesto criativo degenere em violência física. E uma vez e outra nós temos de subir às majestosas alturas de contrapor à força física a força da alma. A nova e maravilhosa combatividade que se tem entranhado na comunidade Negra não deve levar-nos a uma desconfiança para com todas as pessoas brancas, já que muitos dos nossos irmãos brancos, como se comprova pela presença deles aqui hoje, já compreenderam que o destino deles está ligado ao nosso destino. E já perceberam que a sua liberdade está inextrincavelmente ligada à nossa liberdade. Nós não podemos caminhar sozinhos. No dia em que se cumprem 40 sobre o assassinato de Martin Luther King e quando passam quase 45 anos sobre o seu discurso I Have a Dream (do qual retirei o trecho acima), pronunciado no dia 28 de Agosto de 1963 nos degraus do Lincoln Memorial em Washington, D.C., como parte da Marcha de Washington pelo Emprego e pela Liberdade e que constituiu um momento decisivo na história do Movimento Americano pelos Direitos Civis, discurso esse feito em frente a uma plateia de mais de duzentas mil pessoas que apoiavam a causa e que é considerado um dos maiores na história e foi eleito o melhor discurso estado-unidense do século XX numa pesquisa feita no ano de 1999, que bom seria que o governo dos Estados Unidos o lesse, nem que fosse uma só vez, com a atenção suficiente para entender a sua mensagem.

quinta-feira, abril 03, 2008

"Havaianas"


14 anos e alguns milhares de milhões de euros depois, o Grande Colisor de Hádrons, construído no Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear e com data de inauguração prevista inicialmente para Novembro de 2007, parece que estará pronto para começar a operar no verão deste ano com vista a recriar as condições e energias verificadas um bilionésimo de segundo após o Big Bang, com todas as consequências que daí poderão advir em termos de conhecimento.

De positrões, electrões, protões, câmaras de vácuo, acelerações de partículas, teoria das cordas, teoria dos campos e outras coisas do género não percebo mais do que o cidadão leigo medianamente informado, mas tenho, habitualmente, uma boa dose de confiança nos especialistas do ramo que, todos juntos, devem saber razoavelmente aquilo que andam a fazer. E no CERN já fizeram muitas coisas úteis, entre as quais a criação da World Wide Web.

Mas há sempre uns “maduros” apostados em colocar umas areias na engrenagem, e estes parece que calçam "havaianas". Walter Wagner - residente no Havai e que terá estudado física e feito investigação de raios cósmicos em Berkeley - e Luis Sancho - que se intitula investigador em “teoria do tempo” e reside em Espanha, estão convencidos de que a actividade do LHC talvez possa provocar um buraco negro que engolirá a Terra e, possivelmente, todo o Universo.

Portanto, não estiveram com meias medidas e, literalmente, pediram a um Juiz para Salvar o Mundo, metendo um processo no Tribunal Federal de Honolulu com vista a impedir o CERN de operar o acelerador até que apresente um relatório sobre a segurança e a avaliação ambiental. Claro que há vários relatórios elaborados, mas os queixosos ainda não estão convencidos, pelo que o “programa segue no próximo dia 16 de Junho”, no meio do Pacífico.

quarta-feira, abril 02, 2008

Dos ventos Não há, nos ventos, a liberdade da morte, embora sejam implacáveis e jamais perdoem as folhas secas. Todos os ventos têm nome mas não se conhece nenhum de perto, embora se agarrem a você e desorganizem a harmonia. Os ventos não têm forma mas sabemos todas as suas aspirações e os seus amores com o mar e as árvores. Os ventos não têm a liberdade da morte diluídos na essência do que nunca aconteceu Álvaro Pacheco* *poeta brasileiro

terça-feira, abril 01, 2008

A Nostalgia da Europa Na Idade Média, a unidade europeia repousava na religião comum. Nos Tempos Modernos, ela cedeu o lugar à cultura (à criação cultural) que se tornou na realização dos valores supremos pelos quais os Europeus se reconhecem, se definem, se identificam. Ora, hoje, a cultura cede, por sua vez, o lugar. Mas, a quê e a quem? Qual é o domínio onde se realizaram valores supremos susceptíveis de unir a Europa? As conquistas técnicas? O mercado? A política com o ideal de democracia, com o princípio da tolerância? Mas, essa tolerância, que já não protege nenhuma criação rica nem nenhum pensamento forte, não se tornará oca e inútil? Ou então, será que podemos entender a demissão da cultura como uma espécie de libertação à qual nos devemos abandonar com euforia? Não sei. A única coisa que julgo saber é que a cultura já cedeu o seu lugar. Assim, a imagem da identidade europeia afasta-se do passado. Europeu: aquele que tem a nostalgia da Europa. Milan Kundera, in "A Arte do Romance"