O Dólar Lama
Nunca tive muita simpatia pelos políticos chineses. Apesar de, como grande parte da juventude da minha geração, ter comprado e lido o famoso “livro vermelho” do Mao, nunca senti qualquer atracção pelo maoísmo nem pelos maoístas e pelas suas “revoluções a todo o vapor”, considero que a chamada “revolução cultural” – que de revolução só teve o nome – constituiu um período negro da história da China, com as suas dezenas de milhares de mortos e uma espécie de genocídio cultural e, para mim, a política chinesa actual reúne o pior de dois sistemas: um socialismo completamente abastardado na sua essência e o capitalismo mais selvagem.
Deixei, há muito, de ter qualquer tipo de reverência pelo Dalai Lama, pela sua obra escrita e pelo que ele representa. Não compreendo como é que se pode atribuir qualquer credibilidade a alguém que, enquanto exerceu o poder político, tratava mais de 90% do seu povo como uma mera mercadoria livremente transaccionável pelos detentores da riqueza. Também não percebo como se pôde atribuir o Nobel da Paz a um urubu com penas de pavão, mas como o mesmo prémio foi atribuído a um facínora como Henry Kissinger já tenho de considerar tudo normal, até um “porco a andar de bicicleta” ou um elefante a “saltitar levemente de nenúfar em nenúfar”.
Faz parte do conhecimento comum que, no Tibete, os “monges” têm travado, ao longo do tempo, ferozes batalhas pelo poder, atitude que não tem paralelo noutros países de similar cultura no sudeste asiático. Considerar como “lutadores pela liberdade” um bando de assassinos que pilhou e queimou centenas de estabelecimentos apenas porque pertenciam a pacatos cidadãos chineses, dos quais várias dezenas foram barbaramente chacinados pelo "hediondo crime" de serem chineses, equivale a considerar como “lutador pela liberdade” um Pinochet ou um Videla. Cada qual fica com os heróis que merece.
Não sei se o Tibete tem razões históricas para reclamar a sua independência ou não. Mas, mesmo aceitando que as tenha, apoiar o regresso ao poder teocrático do Dalai Lama seria o mesmo que pugnar pelo regresso da Europa ao tempo dos Estados Pontifícios, com as leis cívicas de cada país a serem substituídas pelo Direito Canónico e os Tribunais pela Inquisição.
Por tudo isso e mais algumas coisas, tenho evitado referir-me à questão do Tibete. Mas, no meio do alarido ao redor da tocha olímpica, acho que anda muita gente a querer fazer lavagens ao cérebro, em exercícios descarados de hipocrisia e de uma ainda mais descarada manipulação. Aqui está um exemplo claro do que tem sido o comportamento da maioria dos órgãos de comunicação ocidentais, mas há dezenas de outros, se nos dermos ao trabalho de procurar.
Como refere Simon Barnes na sua coluna do Times do passado dia 11, “talvez os ocidentais pensem que há qualquer coisa de errado com as pessoas chinesas em si mesmas”. Se for assim, acho mesmo que “perdemos o fio à meada”.
1 comentário:
Diz também, o artigo, que nunca soubemos "arrumar" a China nas nossas cabeças... pois é... e agora parece-me que no meio disto tudo, de informação retorcida e verdades contadas a menos de meio e contos acrescentado de muitos pontos: "perdemos o fia à meada"!
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