domingo, dezembro 31, 2006

Mais 365 dias 365 dias é muito tempo e muitas coisas aconteceram neste nosso planeta. Muitos milhões de seres humanos morreram: devido às guerras, às calamidades naturais, à fome e às condições de vida sub-humanas, a doenças ainda sem cura e às leis inexoráveis da vida. Muitos êxitos foram alcançados, muitos propósitos e promessas ficaram por cumprir, inúmeros desejos e ambições por realizar. O bem-estar e o progresso da humanidade continuaram a ser dificultados pela ganância de alguns, pelos senhores da guerra e da consciência alheia, pelas limitações ao combate às doenças sexualmente transmissíveis, pelos entraves à investigação científica, pela recusa do reconhecimento da igualdade entre todos, independentemente do sexo, raça, etnia ou religião. Para os mais desfavorecidos, para aqueles que vêem no novo ano ameaças de desemprego, de fome, de miséria e de morte, para os que quase não têm forças para prosseguir e estão à beira da desistência, aqui lhes deixo a Jornada Não fiques para trás, ó companheiro, é de aço esta fúria que nos leva. Pra não te perderes no nevoeiro, segues os nossos corações na treva. Vozes ao alto! Vozes ao alto! Unidos como os dedos da mão havemos de chegar ao fim da estrada, ao sol desta canção. Aqueles que se percam no caminho, que importa! Chegarão no nosso brado. Porque nenhum de nós anda sozinho, e até mortos vão a nosso lado. Vozes ao alto! Vozes ao alto! Unidos como os dedos da mão havemos de chegar ao fim da estrada, ao sol desta canção. (poema de José Gomes Ferreira; música de Fernando Lopes Graça - Canções Heróicas, Canções Regionais Portuguesas)

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Para que não a memória não se apague Mais um ano está a terminar. Mais um ditador morreu sem ter sido responsabilizado pelos milhares de mortos e desaparecidos que deviam pesar-lhe na consciência. Se é que a tinha. Atraiçoou e matou quem nele confiara. Fez tábua rasa da Constituição do país que o viu nascer. Torturou e matou milhares e milhares de concidadãos seus. Fez-se nomear senador vitalício para escapar às sanções. Beneficiou da cumplicidade de muitas das ditas democracias ocidentais. Espoliou o seu país de milhões de dólares para seu próprio proveito. Encenou uma macabra dança de demência senil para não se submeter aos tribunais. E até simulou um pretenso arrependimento na hora da morte. Mas o povo do Chile não esquecerá o carrasco que foi Augusto Pinochet. Do grande poeta José Carlos Ary dos Santos, aqui fica uma singela homenagem aos que pereceram vítimas da sua sanha sanguinária. Homenagem ao povo do Chile Foram não sei quantos mil operários trabalhadores mulheres ardinas pedreiros jovens poetas cantores camponeses e mineiros foram não sei quantos mil que tombaram pelo Chile morrendo de corpo inteiro Nas suas almas abertas traziam o sol da esperança e nas duas mãos desertas uma pátria ainda criança Gritavam Neruda Allende davam vivas ao Partido que é a chama que se acende no Povo jamais vencido – o Povo nunca se rende mesmo quando morre unido Foram não sei quantos mil operários trabalhadores mulheres ardinas pedreiros jovens poetas cantores camponeses e mineiros foram não sei quantos mil que tombaram pelo Chile morrendo de corpo inteiro. Alguns traziam no rosto um ricto de fogo e dor fogo vivo fogo posto pelas mãos do opressor. Outros traziam os olhos rasos de silêncio e água maré-viva de quem passa Uma vida à beira-mágoa. Foram não sei quantos mil operários trabalhadores mulheres ardinas pedreiros jovens poetas cantores camponeses e mineiros foram não sei quantos mil que tombaram pelo Chile morrendo de corpo inteiro. Mas não termina em si próprio quem morre de pé. Vencido é aquele que tentar separar o povo unido. Por isso os que ontem caíram levantam de novo a voz. Mortos são os que traíram e vivos ficamos nós. Foram não sei quantos mil operários trabalhadores mulheres ardinas pedreiros jovens poetas cantores camponeses e mineiros foram não sei quantos mil que nasceram para o Chile morrendo de corpo inteiro. José Carlos Ary dos Santos

quarta-feira, dezembro 27, 2006

A morte do Presidente Acidental Morreu o ex-"Presidente Acidental" dos Estados Unidos. Gerald Ford foi, até agora, o único a acupar a Presidência daquele país sem ter sido eleito para a Presidência ou, sequer, para a Vice-Presidência. Com efeito, foi chamado à Vice-Presidência em 1973, após a demissão de Spiro Agnew na sequência da descoberta do seu envolvimento em negócios ilícitos, subindo à Presidência em 1974, para substituir Richard Nixon, que se demitiu em resultado do escândalo Watergate. Em 1976 ainda concorreu à Presidência como candidato do partido republicano, tendo sido derrotado pelo opositor democrata, Jimmy Carter. Apesar de, no discurso da tomada de posse, ter afirmado que "o nosso longo pesadelo nacional acabou", pode deixar ou não gratas recordações aos seus compatriotas. Mas há um povo que o recordará pelos piores motivos - o povo timorense. Na verdade, sem o apoio de Gerald Ford o ditador Suharto não teria, no dia 7 de Dezembro de 1975, invadido Timor Leste, que se tornara independente 9 dias antes. Ocupação que se prolongou por 24 anos e conduziu ao extermínio de cerca de um terço da ex-colónia portuguesa. Será caso para perguntar: por que razão rirá o homem?

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Natal também é amizade No Natal quase só se fala de família e de amor. Mas a importância da amizade nunca deve ser esquecida, mormente nesta quadra festiva. Por isso, meus amigos, liguem o "som do silêncio", ouçam uma música suave e relaxante se vos aprouver e deliciem-se com este maravilhoso poema do grande poeta carioca:
Amigos Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles. A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade. E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências… A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar. Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos. Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure. E às vezes, quando os procuro, noto que eles não tem noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida. Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado. Se todos eles morrerem, eu desabo! Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles. E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo. Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles. Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer… Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos! A gente não faz amigos, reconhece-os.
Vinícius de Moraes

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Laicidade e liberdade espiritual Muitos crentes, das mais variadas confissões religiosas, sentem arrepios quando ouvem falar de laicidade. Ainda recordo os ataques de que foi alvo o Dr. Mário Soares, quando, há muitos anos e em circunstâncias que não vêm agora a propósito, se declarou “laico, republicano e socialista”. Não por se declarar “republicano”, o que legitimaria o desagrado dos monárquicos, ou “socialista”, o que poderia justificar o desacordo dos não socialistas. Mas por se afirmar “laico”, num país de longa tradição cristã. Ora a laicidade, como deve ser entendida na sua essência, não se destina a proscrever as religiões, a eliminar o sagrado ou a proibir os locais de culto. Pode ser-se crente e laico, como eu o sou, ou ser ateu e inimigo do laicismo. Com efeito, laicismo e laicidade derivam da palavra grega λαικος, que significa “pertencente ao povo”, “que é do povo” (povo considerado no sentido lato e não apenas no sentido estrito de eleitorado, pois para isso há o vocábulo δέμος). E é para velar pelo bem do povo que serve a laicidade: para manter o religião afastada dos poderes do Estado a fim de que todos os cidadãos possam viver cada um a sua liberdade espiritual em igualdade de direitos e sem discriminações, independentemente do tipo de culto que praticam ou de não praticarem culto algum. Por conseguinte, a laicidade, longe de prejudicar a religiosidade, defende-a das interferências do Estado. Não cabe ao Estado dizer o que é ou não religião, se umas são melhores ou piores do que as outras nem fazer qualquer discriminação dos seus cidadãos por motivos religiosos. Se ser a favor da laicidade significa que:

Um Estado não deve ordenar os membros do clero, como acontece na China;

Os membros do clero não devem ser funcionários do Estado, pagos pelo erário público, como acontece na Alemanha;

As organizações religiosas não devem ter benefícios (fiscais e outros) que são negados a outras pessoas colectivas que se dedicam a actividades similares, como se verifica nos Estados Unidos;

O Estado, ao legislar, não deve ter subjacentes princípios religiosos, como acontece em tantos países do mundo;

A abertura de locais de culto, desde que a expensas dos crentes e em locais adequados à sua edificação, deve ser permitida;

A esfera privada, de que faz parte a liberdade espiritual, não deve ser confundida com o individual, já que aquela inclui a dimensão colectiva das associações religiosas ou filosóficas formadas por pessoas que escolhem a mesma opção espiritual;

O Estado, na sua legitimidade democrática, deve ter mão firme sobre aqueles que utilizam a religião, ou a negação dela, para cometerem atentados contra a liberdade espiritual dos outros ou contra as regras democráticas,

então, todos deveríamos ser a favor da laicidade. Penso, mesmo, que quem defende a democracia só pode considerar-se laico.

quarta-feira, dezembro 20, 2006

20 de Dezembro de 1996 Após mais de dois anos de luta contra uma mielodisplasia (uma doença rara e grave da medula óssea, morre, de pneumonia, o grande Carl Edward Sagan. Deixou, finalmente, o seu planeta natal e rumou, sozinho, para as estrelas que perscrutara durante a maior parte de sua vida. Astrónomo renomado, foi sobretudo como grande divulgador da ciência que ficou mundialmente conhecido. Autor de livros, muitos livros, foi sobretudo através da Televisão que se popularizou. Quem, com mais de 35 anos, não se lembra da fabulosa série Cosmos, apresentada pelo Carl Sagan ? Ainda só havia a Televisão Pública, mas dava-nos esta série fantástica, as noites de ópera com João de Freitas Branco e muitas outras preciosidades. Há 10 anos a ciência, e em particular a astronomia, ficou mais pobre. Apagou-se uma estrela que brilhou muito... muito intensamente. Mas o seu legado jamais se apagará.

domingo, dezembro 17, 2006

Tomar, 17 de Dezembro de 1906 Nasce Fernando Lopes Graça, um dos maiores vultos da cultura portuguesa do século XX, se não de sempre. Mas que tem sido votado ao esquecimento, ou propositadamente ou por omissão. Mesmo agora, num país tão atreito a efemérides, chega a notícia do lançamento de uma caixa de 10 discos, editada em colaboração com a RTP, alegadamente a nossa televisão de serviço público. E onde pode ser adquirida? Pois! Ou na FNAC, uma multinacional estrangeira que nada tem feito pela cultura do nosso país, ou através de correio electrónico. Para quem, como eu, não gosta de ser explorado pela FNAC (não neste caso, em que o preço parece ser fixo) ou vive numa casa em que as caixas de correio não comportam uma tal encomenda e em que os CTT, monopolistas e também dito serviço público, só estão abertos quando os utentes estão a trabalhar, como adquirir a tal caixa? Para que o futuro não esqueça, fica a homenagem de um modesto cidadão, por sorte concidadão do grande Fernando Lopes Graça: "ACORDAI Homens que dormis A embalar a dor Dos silêncios vis Vinde no clamor Das almas viris Arrancar a flor Que dorme na raiz" José Gomes Ferreira/Fernando Lopes Graça (Heróicas)

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Dever de cidadania e... até já! Hoje, durante a manhã, fui por duas vezes tentar entregar duas assinaturas (a da minha mulher e a minha) na sede do Movimento Cidadania e Reponsabilidade pelo Sim, mas bati com o nariz na porta. Felizmente, possuo um envelope de correio azul para as enviar já amanhã. É que, num mundo onde o casa/descasa é uma constante, vamos celebrar, na próxima semana, os 30 anos do nosso casamento. Com muitas alegrias e algumas tristezas, tudo livremente partilhado. Por isso, vou estar de férias durante uma semana, longe da minha residência habitual e sem acesso à internete. Então, até ao dia 17.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

O respeito que os políticos me merecem Confesso que não tinha qualquer admiração ou particular respeito por Paula Teixeira da Cruz, dirigente do PPD/PSD e presidente da Assembleia Municipal de Lisboa. Não porque conheça a senhora de qualquer lado ou tenha algum motivo específico para tal atitude. Mas, simplesmente, porque é essa a minha posição face à grande maioria dos nossos políticos e, já agora, dos da estranja, também. Políticos merecedores de admiração são, infelizmente, muito raros. Há algumas semanas fiquei surpreendido, não com a notícia da criação do Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim em si mesma, mas com o nome de um dos fundadores que me pareceu, assim de relance e numa breve notícia de telejornal, chamar-se Paula Teixeira da Cruz. Seria possível? Uma senhora que, para além de dirigente de topo de um partido que nunca se mostrou muito favorável à despenalização da IVG e casada com um dos mais proeminentes membros do Opus Dei cá do burgo que, além do mais, é presidente do maior banco privado do país? Apesar de estar convicto de ter lido que a senhora era agnóstica, seria obra. A confirmação veio através da página do Movimento. É mesmo ela! O que leva uma pessoa como a dra. Paula a sair da sua cómoda situação para dar a cara por uma causa tão delicada como esta? Não chega acreditar e defender a causa. No seu caso, julgo que foi precisa coragem, muita coragem para o fazer. Mais um político a acrescentar à minha reduzida lista daqueles que merecem admiração e respeito. É pena eu não ser eleitor no concelho de Lisboa, apesar de cá passar cinquenta por cento do meu tempo. Nunca votei nem tenciono votar no partido que ela representa, mas poderia, talvez, dar-lhe o meu voto nas autárquicas. Quem sabe se um dia não se candidata por Loures?

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Ser pelo direito à vida também pode significar votar sim Muitos argumentos têm sido apresentados a favor e contra a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas. Uns quase anedóticos, outros muito maus, alguns convincentes e logicamente sustentáveis. De um lado e do outro. Como não sou filósofo, não me sinto capacitado para aqui esgrimir apoios ou contestações, nem considero que este seja o espaço indicado para tal. Por outro lado, embora seja crente, católico praticante e com alguns conhecimentos de teologia, não creio que tenha o direito de impor a ninguém a perspectiva da religião que professo, porque considero que os seus ditames se aplicam apenas aos crentes. Nesta questão como em muitas outras. A minha posição a respeito do próximo referendo não se fundamentará, portanto, em quaisquer argumentos de ordem religiosa. Os grandes especialistas em ética, a nível mundial, não discutem que haja vida humana a partir do momento da concepção, pois, certamente, há. Como a há num óvulo, num espermatozóide ou numa simples célula, embora num estádio de desenvolvimento menos avançado. O que discutem é se a vida do embrião e do feto até uma determinada etapa do seu crescimento têm o mesmo valor e são titulares dos mesmos direitos que são atribuídos aos seres humanos já nascidos ou aos fetos mais desenvolvidos sendo, portanto, titulares de direitos que cumpra aos estados salvaguardar. Alguns defendem que sim, muitos outros defendem que não. Desde os mais radicais de ambos os lados, até aos que sustentam que sim embora considerem que, em determinadas circunstâncias, a interrupção voluntária da gravidez será eticamente aceitável. Pela minha parte, a análise dos vários argumentos em confronto levou-me a uma conclusão: se nos abstrairmos daquilo a que as várias religiões cristãs chamam o princípio da “dignidade humana”, até para bastante além das 10 semanas o feto humano não tem interesses que devam ser salvaguardados pelo estado, dado que não lhe é infligida dor nem lhe são cerceados quaisquer direitos já adquiridos. Em conformidade com tal conclusão, no próximo dia 11 de Fevereiro de 2007 estarei, salvo impedimento ponderoso, na minha assembleia de voto para exercer o meu dever de cidadania e votar SIM.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

The Sound of Silence Hello darkness, my old friend, I've come to talk with you again, Because a vision softly creeping, Left its seeds while i was sleeping, And the vision that was planted in my brain Still remains Within the sound of silence. In restless dreams i walked alone Narrow streets of cobblestone, 'neath the halo of a street lamp, I turned my collar to the cold and damp When my eyes were stabbed by the flash of a neon light That split the night And touched the sound of silence. And in the naked light i saw Ten thousand people, maybe more. People talking without speaking, People hearing without listening, People writing songs that voices never share And no one dare Disturb the sound of silence. 'fools' said i, 'you do not know Silence like a cancer grows. Hear my words that i might teach you, Take my arms that i might reach to you.' But my words like silent as raindrops fell, And echoed In the wells of silence And the people bowed and prayed To the neon god they made. And the sign flashed out its warning, And the words that it was forming. And the sign said, 'the words of the prophets Are written on the subway walls And tenement halls.' Whispered in the sound of silence Paul Simon