quinta-feira, maio 31, 2007

Song of Myself


Walt Whitman, nascido em Long Island, Estados Unidos, a 31 de Maio de 1819, foi um poeta, ensaísta, jornalista e humanista estado-unidense.

Considerado por muitos especialistas estrangeiros o maior poeta dos Estados Unidos, é visto como o primeiro poeta urbano.

Em 1855 publicou, pela primeira vez e a expensas próprias, a sua obra prima Leaves of Grass. Esta obra veria, até à sua morte (em 1882), mais 8 edições, todas com novos poemas relativamente à edição anterior.

A sua influência é notória, quer em poetas dos Estados Unidos quer noutros poetas cimeiros do mundo ocidental. Ernst Staedler, Eszra Pound, Pablo Neruda, Jorge Luís Borges, Frederico Garcia Lorca, Allen Ginsberg, Bob Dylan, são alguns deles. E Fernando Pessoa que, pela pena de Álvaro de Campos, lhe dedicou um extenso poema.

Charlie Chaplin considerou-o uma fonte de inspiração para os seus filmes, podendo ver-se em “Tempos Modernos” imagens da sua poesia.

Mais recentemente, tornou-se mundialmente conhecido a partir de citações suas insertas no enredo do “Clube dos Poetas Mortos”.

A sua vasta obra está praticamente toda disponível, para acesso livre, em inglês. Do poema “Song of Myself”, encontrei uma tradução que me pareceu bem conseguida, da qual escolhi o trecho

NESTE MOMENTO TERNO E PENSATIVO

Neste momento terno e pensativo
Aqui sentado a sós
Sinto que existem noutras terras outros homens
Ternos e pensativos,
Sinto que posso dar uma espiada
Por cima e avistá-los
Na França, Espanha, Itália e Alemanha
Ou mais longe ainda
No Japão, China ou Rússia,
Falando outros dialetos,
E sinto que se me fosse possível
Conhecer esses homens
Eu poderia bem ligar-me a eles
Como acontece com homens de minha terra,
Ah e sei que poderíamos
Ser irmãos ou amantes
E que com eles eu estaria feliz.

Walt Whitman

(tradução de Eduardo Francisco Alves Geir Campos)

quarta-feira, maio 30, 2007

Le Loup Moraliste


François Marie Arouet, falecido a 30 de Maio de 1778 com 83 anos de idade e mais conhecido pelo pseudónimo de Voltaire, foi um poeta, ensaísta, dramaturgo, filósofo e historiador francês e uma das figuras cimeiras do Iluminismo.

Autor de vasta obra, celebrizou-se pelos seus escritos literários e, sobretudo, filosóficos, defendendo denodadamente a introdução de várias reformas em França, como a liberdade de imprensa, um sistema de justiça imparcial, a tolerância religiosa, um sistema de impostos proporcionais e a redução dos privilégios da nobreza e do clero.

Tanto pela sua vida como pela sua obra, é, além de uma referência histórica incontornável, uma figura fundadora daquilo a que poderemos chamar Modernidade. De facto, entre a literatura, a filosofia e a ciência, fazendo do humor e da ironia as armas críticas da razão, Voltaire foi construindo, ao longo de grande parte do século XVIII, as bases de um mundo novo que ainda é, em grande parte, o nosso.

Da sua vasta obra poética, escolhi O Lobo Moralista:

Le Loup Moraliste

Un loup, à ce que dit l’histoire,
Voulut donner un jour des leçons à son fils,
Et lui graver dans la mémoire,
Pour être honnête loup, de beaux et bons avis.
Mon fils, lui disait-il, dans ce désert sauvage,
A l’ombre des forêts vous passerez vos jours;
Vous pourrez cependant avec de petits ours
Goûter les doux plaisirs qu’on permet à votre âge.
Contentez-vous du peu que j’amasse pour vous,
Point de larcin; menez une innocente vie;
Point de mauvaise compagnie;
Choisissez pour amis les plus honnêtes loups;
Ne vous démentez point, soyez toujours le même;
Ne satisfaites point vos appétits gloutons:
Mon fils, jeûnez plutôt l’avent et le carême,
Que de sucer le sang des malheureux moutons;
Car enfin quelle barbarie!
Quels crimes ont commis ces innocents agneaux?
Au reste, vous savez qu’il y va de la vie:
D’énormes chiens défendent les troupeaux.
Hélas! je m’en souviens, un jour votre grand-père
Pour apaiser sa faim entra dans un hameau.
Dès qu’on s’en aperçut: « O bête carnassière!
Au loup! » s’écria-t-on; l’un s’arme d’un hoyau,
L’autre prend une fourche; et mon père eut beau faire,
Hélas! il y laissa sa peau:
De sa témérité ce fut là le salaire.
Sois sage à ses dépens, ne suis que la vertu,
Et ne sois point battant, de peur d’être battu.
Si tu m’aimes, déteste un crime que j’abhorre.
Le petit vit alors dans la gueule du loup
De la laine, et du sang qui dégouttait encore:
Il se mit à rire à ce coup.
« Comment, petit fripon, dit le loup en colère,
Comment, vous riez des avis
Que vous donne ici votre père!
Tu seras un vaurien, va, je te le prédis:
Quoi! se moquer déjà d’un conseil salutaire! »
L’autre répondit en riant:
« Votre exemple est un bon garant:
Mon père, je ferai ce que je vous vois faire. »
Tel un prédicateur sortant d’un bon repas
Monte dévotement en chaire,
Et vient, bien fourré, gros, et gras,
Prêcher contre la bonne chère.

Voltaire

terça-feira, maio 29, 2007

Platero y yo


Juan Ramón Jiménez Mantecón, nascido em Huelva, a 23 de Dezembro de 1881, e falecido em Porto Rico, a 29 de Maio de 1958, foi um poeta espanhol, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1956.

Filho de um casal que se dedicava, com bastante sucesso, ao comércio de vinhos, publicou os seus primeiros livros aos 18 anos (em 1900); mas a morte do seu pai nesse mesmo ano e a consequente ruína da família causaram-lhe uma enorme preocupação que, devido ao seu carácter hipersensível, lhe provocou o internamento durante 4 anos, por depressão, no sanatório de Bordéus, em 1901.

Platero y yo, terminado em 1914, tornou-se a obra mais popular do poeta, um poema escrito em excelente prosa, na qual descreve o ambiente e a vida da gente simples da sua pequena aldeia da Andaluzia, e também a afeição que o une ao burrito Platero, que umas vezes lhe serve de confidente e outras é o verdadeiro sujeito da acção. Ambos, jovem e burro, percorrem as ruas da aldeia e os campos em seu redor, trocando impressões e imaginando aventuras, ou cruzando-se com alguns dos seus conterrâneos (a filha do carvoeiro que entoa uma canção de embalar, os meninos pobres que brincam, o padeiro que vai entregar o pão ao meio-dia). Recordo-me de o ter lido na adolescência, na sua versão original, e do modo como me marcou e a tantas pessoas da minha idade.

Em 1936 viu-se forçado a abandonar Espanha, devido à guerra civil, tendo partido para a sua segunda pátria, Porto Rico. Em 1946 esteve novamente hospitalizado, durante oito meses, com outra crise depressiva. Em 1956 a Academia Sueca premiou-o com o Nobel de Literatura, quando se encontrava ainda exilado em Porto Rico, onde trabalhava como Professor da Universidade local.

Três dias depois, faleceu a sua esposa. O poeta nunca recuperou dessa perda e permaneceu em Porto Rico, tendo o Presidente da Universidade de Porto Rico ido receber o prémio em seu nome. Morreria dois anos mais tarde, na mesma clínica onde tinha falecido a esposa.

Primavera

Abril, sin tu asistencia clara, fuera
invierno de caídos esplendores;
mas aunque abril no te abra a ti sus flores,
tú siempre exaltarás la primavera.

Eres la primavera verdadera;
rosa de los caminos interiores,
brisa de los secretos corredores,
lumbre de la recóndita ladera.

¡Qué paz, cuando en la tarde misteriosa,
abrazados los dos, sea tu risa
el surtidor de nuestra sola fuente!

Mi corazón recojerá tu rosa,
sobre mis ojos se echará tu brisa,
tu luz se dormirá sobre mi frente...

Juan Ramón Jiménez

segunda-feira, maio 28, 2007

The Last Rose of Summer


Thomas Moore, nascido em Dublin, na Irlanda, a 28 Maio de 1779 e falecido em Sloperton, Inglaterra, a 25 de Fevereiro de 1852, foi um grande poeta irlandês, recordado sobretudo pela letra de The Last Rose of Summer.

De origem católica, estudou no Trinity College de Dublin, que, recentemente, tinha permitido a entrada a estudantes católicos e, depois, estudou Direito no "Middle Temple", de Londres

Tendo alcançado a fama como poeta, tradutor, cantor e compositor de baladas, Moore foi, na sua juventude, monge durante 12 anos, sendo também licenciado em Musicologia, Teologia e Filosofia, tendo sido, ainda, Professor de Psicologia.

Personagem de enorme êxito social em Londres, foi nomeado representante do Almirantado Britânico nas Bermudas, a partir de onde viajou pelo Canadá e pelos Estados Unidos. De regresso a Londres, casou com a actriz Elisabeth Dyke, em 1811.

Homem de gostos caros, apesar de ganhar muito dinheiro com a escrita cedo contraiu grandes dívidas, agravadas por um desfalque de 6 mil libras (valor astronómico na época) feito pelo homem que tinha contratado para o representar nas Bermudas.

Em 1819 viu-se obrigado a abandonar a Inglaterra, tendo ido viver para Paris até 1822, data em que conseguiu acabar o pagamento da dívida. Parte desse tempo passou-o com Lord Byron, de quem foi testamenteiro literário e biógrafo.

Acabou por se establecer em Sloperton Cottage, Bromham, Wiltshire, Inglaterra, tranformando-se num poeta de enorme êxito, além de romancista e biógrafo.

Thomas Moore representa todo o prestígio da poesia nacional da Irlanda, sendo considerado o Poeta Nacional irlandês. Muitos compositores escreveram para os seus poemas, incluindo Robert Schumann, Hector Berlioz, Charles Ives, William Bolcom, e Lori Laitman.

The Last Rose of Summer

TIS the last rose of summer,
Left blooming alone ;
All her lovely companions
Are faded and gone ;
No flower of her kindred,
No rose-bud is nigh,
To reflect back her blushes,
Or give sigh for sigh.

I'll not leave thee, thou lone one !
To pine on the stem ;
Since the lovely are sleeping,
Go sleep thou with them.
Thus kindly I scatter
Thy leaves o'er the bed,
Where thy mates of the garden
Lie scentless and dead.

So soon may I follow,
When friendships decay,
And from Love's shining circle
The gems drop away.
When true hearts lie wither'd,
And fond ones are flown,
Oh ! who would inhabit
This bleak world alone?

Thomas Moore

domingo, maio 27, 2007

Serenidad Aquí, a la sombra de los pinos viejos, descanso al repechar de la vereda, quiero, mientras murmura el agua leda, meditar la razón de tus consejos. Transida el alma está de amargos dejos. Sendero de dulzor o ruta aceda, ¿quién hay, humano que decirnos pueda la dicha o el dolor que aguardan lejos? De sol, silencio y soledad cercado, huidera la pasión, la razón quieta, lo más puro del alma se destila; y el hombre, de sí mismo enajenado, siente latir el ansia más secreta y oye cantar el bronce de su esquila. Henrique de Mesa* *Enrique de Mesa Rosales, falecido em Madrid a 27 de Maio e 1929, foi um poeta e crítico teatral espanhol, pertencente à Generação de 98.

sábado, maio 26, 2007

O palhaço de Kierkegaard e a crise climática Depois dos alarmantes relatórios do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) o pior que nos pode acontecer é deixar as coisas correrem como estão. Então iríamos alegremente ao encontro de nosso próprio fim. Tal atitude me faz lembrar o conhecido aforismo de Sören Kierkegaard (1813-1855), famoso filósofo dinamarquês, sobre o clown, um palhaço de circo. O fato, conta ele, é que estava ocorrendo um incêndio nas cortinas do fundo do teatro. O diretor enviou então o palhaço que já estava pronto para entrar em cena, avisar a toda a platéia do fato. Suplicava que acorressem para apagar as chamas. Como se tratava de um palhaço, todos imaginavam que era apenas um truque para fazer rir as pessoas. E estas riam que riam. Quanto mais o palhaço conclamava a todos, mais esses riam. Pôs-se sério e começou a gritar: "o fogo está queimando as cortinas, vai queimar todo o teatro e vocês vão queimar junto". Todos acharam tudo isso muito engraçado, pois diziam que ele estava cumprindo esplendidamente seu papel. O fato é que o fogo consumiu o palco e todo o teatro com as pessoas dentro. Termina Kiergegaard: "Assim, suponho eu, é a forma pela qual o mundo vai acabar no meio da hilariedade geral dos gozadores e galhofeiros que pensam que tudo, enfim, não passa de mera gozação". Estas palavras de Kierkegaard se aplicam perfeitamente a muitos cientistas, empresários, bispos e até a gente do povo que pensam ser o aquecimento global uma grande enganação ou um alarme desnecessário. Dizem que o fenômeno é, em grande parte, natural e que a Terra tem condições por si mesma de encontrar o equilíbrio ótimo para a vida. E vivem como os ricos do Titanic, rindo e se afundando. Por outro lado, muitos são os que tomam as advertências a sério, Estados e grandes instituições, também entre nós. Sabem que se começarem agora, com apenas 2% do PIB mundial poderão equilibrar o clima global e continuar a aventura planetária com perspectivas de esperança. O fato inegável é que estamos face a um problema global. Não afeta apenas este ou aquele ecossistema ou região mas seu conjunto, a biosfera e o inteiro Planeta. Somos todos interdependentes e as ações de todos afetam a todos para o bem ou para o mal. Tardiamente, só a partir dos anos 70 do século passado, ficou-nos claro que a Terra é um superorganismo vivo, Gaia, que regula os elementos físicos, químicos, geológicos e biológicos de tal forma que se torna benevolente para todas as formas de vida, especialmente, da nossa. Mas agora, dada a intervenção prolongada e persistente do processo produtivo mundial, ela chegou a um ponto em que não consegue sozinha se auto-regular. Precisa de nossa intervenção que vai muito além de apenas preservá-la e cuidá-la. Temos que efetivamente resgatá-la e curá-la. Pois, em termos cósmicos, é um planeta já velho, com recursos limitados e dificuldades de auto-regeneração. Como somos o principal agente desestabilizador, pode acontecer que ela não nos considere mais benevolentemente e queira continuar sem nós. A dinâmica do processo de produção e consumo ilimitados não consegue manter o equilíbrio do planeta. Somos obrigados a mudar, na linha do que sugere a Carta da Terra: assumir um modo sustentável de vida. Este somente se alcançará mediante a cooperação mundial e a percepção espiritual de que o planeta é Terra-mátria, prolongamento de nossa própria existência terrenal. Publicado no site do autor em 18/05/2007 e aqui afixado com a sua autorização.

sexta-feira, maio 25, 2007

Ralph Waldo Emerson


Ralph Waldo Emerson, nascido a 25 de Maio de 1803, em Boston, foi um famoso escritor, filósofo e poeta estado-unidense.

Como filósofo, foi o impulsionador do Transcendentalismo, um movimento de novas ideias na literatura, religião, cultura e filosofia, surgido nos Estados Unidos nos finais da década de trinta do século XIX.

Ralph Waldo Emerson viajou pela Europa em 1833, onde encontrou John Stuart Mill, Samuel Taylor Coleridge, William Wordsworth e Thomas Carlyle, tendo estabelecido, com este último, uma profunda amizade.

De volta aos Estados Unidos, começou a desenvolver a sua filosofia "transcendentalista", exposta em obras como Natureza, Ensaios e Sociedade e solidão, inicialmente como um protesto contra o estado em que a cultura e a sociedade estado-unidense se encontravam na época e, em particular, contra o intelectualismo de Harvard e a doutrina da Igreja Unitária ensinada na Harvard Divinity School.

Influenciado pelo idealismo Kantiano, pelo criticismo bíblico de Herder e Schleiermacher e pelo cepticismo de Hume, o Transcendentalismo reuniu, para além de Ralph Waldo Emerson, nomes como Henry David Thoreau, Margaret Fuller, Amos Bronson Alcott, Frederic Henry Hedge e Theodore Parker.

Mas Ralph Waldo Emerson deixou, também, uma vasta obra ensaística e poética, da qual seleccionei o poema Fate:

That you are fair or wise is vain,
Or strong, or rich, or generous;
You must have also the untaught strain
That sheds beauty on the rose.
There is a melody born of melody,
Which melts the world into a sea.
Toil could never compass it,
Art its height could never hit,
It came never out of wit,
But a music music-born
Well may Jove and Juno scorn.
Thy beauty, if it lack the fire
Which drives me mad with sweet desire,
What boots it? what the soldier's mail,
Unless he conquer and prevail?
What all the goods thy pride which lift,
If thou pine for another's gift?
Alas! that one is born in blight,
Victim of perpetual slight;-
When thou lookest in his face,
Thy heart saith, Brother! go thy ways!
None shall ask thee what thou doest,
Or care a rush for what thou knowest,
Or listen when thou repliest,
Or remember where thou liest,
Or how thy supper is sodden,-
And another is born
To make the sun forgotten.
Surely he carries a talisman
Under his tongue;
Broad are his shoulders, and strong,
And his eye is scornful,
Threatening, and young.
I hold it of little matter,
Whether your jewel be of pure water,
A rose diamond or a white,-
But whether it dazzle me with light.
I care not how you are drest,
In the coarsest, or in the best,
Nor whether your name is base or brave,
Nor tor the fashion of your behavior,-
But whether you charm me,
Bid my bread feed, and my fire warm me,
And dress up nature in your favor.
One thing is forever good,
That one thing is success,-
Dear to the Eumenides,
And to all the heavenly brood.
Who bides at home, nor looks abroad,
Carries the eagles, and masters the sword.

Ralph Waldo Emerson

quinta-feira, maio 24, 2007

Abraço "obsceno"


A Senhora sorridente que se vê em primeiro plano na fotografia da esquerda chama-se Nilofer Bakhtiar e era Ministra do Turismo do Paquistão, teoricamente uma democracia laica. Era, porque resignou no passado Domingo, 20 de Maio, acusada de “obscenidade” por clérigos islâmicos fundamentalistas.

E qual foi o “pecado” da Senhora? Deixou-se fotografar no mês passado, em França, vestindo roupas de pára-quedista, brilhantes e coloridas, e abraçou o instrutor (foto da direita) após um salto de pára-quedas conjunto com vista à recolha de fundos para as crianças vítimas do terramoto ocorrido em 2005 no Paquistão.

As imagens provocaram a fúria dos clérigos, em Islamabad, que acusaram a Ministra de ter posado numa atitude obscena e violadora das normas morais islâmicas.

Quando as imagens foram publicadas num jornal local, em Abril, um tribunal religioso, criado pelos clérigos numa mesquita radical de Islamabad, emitiu uma fatwa contra ela e instou o Governo a puni-la e demiti-la do Ministério. A Ministra não conseguiu obter o apoio dos seus colegas de Gabinete, que acabaram por se submeter às exigências dos fundamentalistas.

A senhora Bakhtiar já tinha sido afastada, no início deste mês, da presidência da ala feminina da Liga Muçulmana Paquistanesa. Apesar de ter dito a um Comité do Senado que a sua vida corria perigo e milhares de paquistaneses terem condenado a campanha fundamentalista de que está a ser alvo, o Governo não tomou quaisquer medidas contra os clérigos que querem instaurar a sharia no país.

quarta-feira, maio 23, 2007

Trecentésimo Aniversário


Carolus Linnaeus, em português Carlos Lineu, nascido há 300 anos, no dia 23 de Maio de 1707, na Suécia, foi um botânico, zoólogo e médico sueco, considerado o pai da moderna taxionomia, a ciência que trata da classificação científica dos organismos.

Desde cedo manifestou grande interesse pela Botânica, o que impressionou um médico da sua cidade natal que convenceu os pais a mandá-lo estudar na Universidade de Lund, donde foi transferido para a Universidade de Uppsala um ano depois.

Durante os estudos, Lineu convenceu-se de que os estames e pistilos das flores seriam as bases para a classificação das plantas e escreveu um curto estudo sobre o assunto que lhe granjeou o cargo de professor adjunto. Em 1732, a Academia de Ciências de Uppsala financiou a sua expedição para explorar a Lapónia, então praticamente desconhecida. O resultado foi o livro Flora Lapónica, publicado em 1737.

Lineu deu aos taxa nomes que, pessoalmente, lhe pareceram do senso comum (julgo que virá daí a expressão vulgar de lineu), por exemplo, os seres humanos são Homo Sapiens, ao Chimpanzé chamou Homo troglodytes (homem das cavernas) e ao conjunto dos mamíferos deu o nome Mammalia, porque possuem glândulas mamárias, já que uma das definições dos mamíferos é que eles amamentam os seus filhotes (de todas as diferenças entre os mamíferos e outros animais, Lineu deve ter escolhido esta em virtude das suas ideias sobre a importância da maternidade, pois fez campanha contra a prática de amas de leite, declarando que mesmo os aristocratas deveriam ter orgulho de amamentar os próprios filhos.).

Na totalidade, Lineu descreveu cerca de 4.400 espécies de animais e 7.700 espécies de plantas, e escreveu milhares de cartas, cerca de 200 dissertações e oito dezenas de livros. Foi, também, importante no desenvolvimento da escala Celsius da temperatura, invertendo a escala que Anders Celsius havia proposto, que tinha o 0° como ponto de ebulição da água e o 100° como o ponto de fusão.

No sítio do Coimbra Herbarium estão disponíveis três artigos muito interessantes sobre Carlos Lineu.

terça-feira, maio 22, 2007

O voluntário


Cecil Day-Lewis, nascido a 27 de Abril de 1904, na Irlanda, e falecido a 22 de Maio de 1972, na Inglaterra, foi um poeta anglo-irlandês, nomeado Poeta Laureado Inglês entre 1967 e 1972 (data da morte). Foi, também, um fecundo escritor de romances de mistério, ao estilo de Ellery Queen, tendo publicado quase duas dezenas, assinados com o nome de Nicholas Blake.

Na sua juventude professou ideais socialistas e foi membro do Partido Comunista Inglês entre 1935 e 1938, razão pela qual a sua poesia dos primeiros tempos está marcada pelo didactismo e pela preocupação com temas sociais. Participou como voluntário numa Brigada Internacional de apoio ao Exército Republicano durante a Guerra Civil Espanhola, tendo escrito uma Ode à Brigada Internacional, The Volunteer:

Tell them in England, if they ask,
What brought us to these wars,
To this plateau beneath the night's
Grave manifold of stars -
It was not fraud or foolishness,
Glory, revenge, or pay:
We came because our open eyes
Could see no other way
.

Mas, a partir dos finais da década de 1930 foi ficando gradualmente desiludido, até publicar a sua autobiografia – Buried Day(1960) – na qual renuncia às suas perspectivas socialistas.

Ensinou nas Universidades de Cambridge e Oxford, onde foi Professor de Poesia. Além de Poeta Laureado, Day-Lewis foi também Presidente do Arts Council Literature Panel, Vice-Presidente da Royal Society of Literature, Membro Honorário da American Academy of Arts and Letters, Membro da Irish Academy of Letters e professor de retórica no Gresham College, de Londres.

Da sua vasta obra, seleccionei o poema A Hard Frost:

A frost came in the night and stole my world
And left this changeling for it - a precocious
Image of spring, too brilliant to be true:
White lilac on the window-pane, each grass-blade
Furred like a catkin, maydrift loading the hedge.
The elms behind the house are elms no longer
But blossomers in crystal, stems of the mist
That hangs yet in the valley below, amorphous
As the blind tissue whence creation formed.

The sun looks out and the fields blaze with diamonds
Mockery spring, to lend this bridal gear
For a few hours to a raw country maid,
Then leave her all disconsolate with old fairings
Of aconite and snowdrop! No, not here
Amid this flounce and filigree of death
Is the real transformation scene in progress,
But deep below where frost
Worrying the stiff clods unclenches their
Grip on the seed and lets
the future breathe.

Cecil Day-Lewis

segunda-feira, maio 21, 2007

Angelitos negros Andrés Eloy Blanco, nascido a 6 de Agosto de 1897, em Cumaná, Venezuela e falecido 21 de Maio de 1955, no México, onde tivera de exilar-se, foi um advogado, escritor, humorista, poeta e político venezuelano. Um dos exemplos da sua poesia de intervenção social é o famoso poema "Angelitos Negros", publicado na obra póstuma Juanbimbada, que reuniu poemas dispersos de distintas fases da vida do autor. Este poema pode considerar-se como um hino contra a discriminação racial. Foi popularizado em todo o mundo de língua castelhana através de um bolero interpretado pelo conhecido cantor cubano Antonio Machín e por muitos outros cantores da América latina. No bolero, o poema está bastante reduzido, para o adequar à extensão da obra musical. Mas a versão completa, tal como foi publicada no livro Juanbimbada, aqui fica: Píntame angelitos negros Ah mundo! La Negra Juana, la mano que le pasó! Se le murió su negrito, sí señor. —Ay, compadrito del alma, tan sano que estaba el negro! Yo no le acataba el pliegue, yo no le acataba el hueso; como yo me enflaquecía, lo medía con mi cuerpo, se me iba poniendo flaco como yo me iba poniendo. Se me murió mi negrito; Dios lo tendrá dispuesto; ya lo tendrá colocao como angelito del Cielo. —Desengáñese, comadre, que no hay angelitos negros. Pintor de santos de alcoba, pintor sin tierra en el pecho, que cuando pintas tus santos no te acuerdas de tu pueblo, que cuando pintas tus Vírgenes pintas angelitos bellos, pero nunca te acordaste de pintar un ángel negro. Pintor nacido en mi tierra, con el pincel extranjero, pintor que sigues el rumbo de tantos pintores viejos, aunque la Virgen sea blanca, píntame angelitos negros. No hay pintor que pintara angelitos de mi pueblo. Yo quiero angelitos blancos con angelitos morenos. Ángel de buena familia no basta para mi cielo. Si queda un pintor de santos, si queda un pintor de cielos, que haga el cielo de mi tierra, con los tonos de mi pueblo, con su ángel de perla fina, con su ángel de medio pelo, con sus ángeles catires, con sus ángeles morenos, con sus angelitos blancos, con sus angelitos indios, con sus angelitos negros, que vayan comiendo mango por las barriadas del cielo. Si al cielo voy algún día, tengo que hallarte en el cielo, angelitico del diablo, serafín cucurusero. Si sabes pintar tu tierra, así has de pintar tu cielo, con su sol que tuesta blancos, con su sol que suda negros, porque para eso lo tienes calientito y de los buenos. Aunque la Virgen sea blanca, píntame angelitos negros. No hay una iglesia de rumbo, no hay una iglesia de pueblo, donde hayan dejado entrar al cuadro angelitos negros. Y entonces, ¿adónde van, angelitos de mi pueblo, zamuritos de Guaribe, torditos de Barlovento? Pintor que pintas tu tierra, si quieres pintar tu cielo, cuando pintas angelitos acuérdate de tu pueblo y al lado del ángel rubio y junto al ángel trigueño, aunque la Virgen sea blanca, píntame angelitos negros. Andrés Eloy Blanco (La Juanbimbada)

domingo, maio 20, 2007

Opção Terra A marca registrada da Igreja da libertação com sua correspondente reflexão reside na opção preferencial pelos pobres, contra a pobreza e em favor da vida. Nos últimos anos começou-se a perceber que a mesma lógica que explora as pessoas, outros países e a natureza, explora também a Terra como um todo, em vista do consumo e da acumulação em nível planetário. Daí a urgência de se inserir na opção pelo pobres o grande pobre que é a Terra. A opção hoje não é tanto pelo desenvolvimento, ainda que sustentável, nem pelos ecossistemas em si, mas pela Terra. Ela é a condição prévia para qualquer outra realidade. Ela tem que ser preservada. O relatório do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) que envolveu 2500 cientistas de 130 países, revelou dois dados estarrecedores: primeiro: o aquecimento global é irreversível e já estamos dentro dele; a Terra busca um novo equilíbrio; segundo, o aquecimento é um fenômeno natural mas que após a revolução industrial foi enormemente acelerado pelas atividades humanas a ponto de a Terra não conseguir mais auto-regular-se a si mesma. Segundo James Lovelock, em A vingança de Gaia (2007) anualmente se jogam na atmosfera cerca de 27 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, que condensadas, equivaleriam a uma montanha de um 1,5 quilômetros de altura com uma base de 19 quilômetros de extensão. É o efeito estufa que pode elevar a temperatura global, consoante o Painel, ainda neste século, entre 1,8 a 6,4 graus Celsius. Com as medidas que possivelmente serão tomadas, a elevação de 3 graus é tida como a mais provável mas inevitável. As consequências serão incontroláveis, os oceanos subirão entre 18 a 59 cm, inundando cidades litorâneas como o Rio de Janeiro, haverá devastação fantástica da biodiversidade e milhões de pessoas correm risco de desaparecer. Jacques Chirac, presidente da França, face a tais dados, disse com acerto:"chegou a hora de uma revolução no verdadeiro sentido da palavra: uma revolução das consciências, da economia e da ação política". Efetivamente, como não podemos parar a roda do aquecimento, podemos, pelo menos, desacelerá-la mediante duas estratégias básicas: adaptar-se às mudanças; quem não se adapta, corre risco de morrer; minorar as consequências deletérias permitindo sobrevida à Gaia, aos organismos vivos, especialmente, aos humanos. Aos três famosos erres: reduzir , reutilizar e reciclar , há de se acrescentar um quarto: rearborizar todo o planeta, porquanto são as plantas que capturam o dióxido de carbono e reduzem consideravelmente o aquecimento global. Esse quarto erre é fundamental para a preservação da Amazônia. Suas florestas húmidas são as grande reguladoras do clima terrestre. O desafio é como combinar desenvolvimento com a manutenção da floresta em pé. Não podemos desmatar no nível que se estava fazendo. Mas nem de longe somos os campeões do desmatamento, como revelou recentemente E.E.Moraes em seu livro Quando o Amazonas corria para o Pacífico (2007). A África mantém só 7,8% de sua cobertura florestal, a Ásia, 5,6%, a América Central 9,7% e a Europa que mais nos acusa apenas 0,3%. O Brasil conserva ainda 69,4% de suas florestas primitivas e 80% da floresta amazônica. Isso não desculpa nossos níveis de desmatamento nem é motivo de orgulho mas representa um desafio à nossa responsabilidade global para o bem do clima de todo o Planeta. Leonardo Boff Publicado no site do autor em 02/03/2007 e aqui afixado com a sua autorização.

sábado, maio 19, 2007

Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Serranas viram-na emvida
Baleizão a viu morrer


Foi no dia 19 de Maio de Maio de 1954, em plena época da ceifa do trigo, no Monte do Olival, Baleizão.

Catarina Efigénia Sabino Eufémia e mais treze outras ceifeiras foram reclamar com o feitor da propriedade onde trabalhavam para obter um aumento de 2 escudos pela jorna. Os homens da ceifa foram, em princípio, contrários à constituição do grupo das peticionárias, mas acabaram por não hostilizar a acção destas.

As catorze mulheres foram suficientes para atemorizar o feitor que foi a Beja chamar o proprietário e a guarda republicana.

Catarina tinha sido escolhida pelas companheiras para apresentar as suas reivindicações. A uma pergunta do tenente Carrajola, Catarina terá respondido que só queriam "trabalho e pão". Como resposta, uma bofetada que a fez cair ao chão. Ao levantar-se, terá dito: "Já agora mate-me." O tenente da guarda disparou três balas que lhe estilhaçaram as vértebras.

De acordo com o relatório da autópsia, Catarina foi atingida por "três balas, à queima-roupa, pelas costas, actuando da esquerda para a direita, de baixo para cima e ligeiramente de trás para a frente, com o cano da arma encostada ao corpo da vítima. O agressor deveria estar atrás e à esquerda em relação à vítima".

Assim mesmo: à queima-roupa, pelas costas, como é típico dos cobardes. Catarina foi assassinada e enterrada às escondidas pelo regime, com medo da reacção do povo. O assasino morreu calmamente dez anos depois, sem ter sido sujeito a qualquer julgamento ou ter sofrido qualquer sanção. Era assim a ditadura que alguns negam ter existido. Tenho dó deles.

Retrato de Catarina Eufémia

Da medonha saudade da medusa
que medeia entre nós e o passado
dessa palavra polvo da recusa
de um povo desgraçado.

Da palavra saudade a mais bonita
a mais prenha de pranto a mais novelo
da língua portuguesa fiz a fita encarnada
que ponho no cabelo.

Trança de trigo roxo
Catarina morrendo alpendurada
do alto de uma foice.
Soror Saudade Viva assassinada
pelas balas do sol
na culatra da noite.

Meu amor. Minha espiga. Meu herói
Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher
de corpo inteiro como ninguém foi
de pedra e alma como ninguém quer.

José Carlos Ary dos Santos

sexta-feira, maio 18, 2007

O poeta dos desesperados


Ian Kevin Curtis, falecido a 18 de Maio de 1980, com apenas 23 anos de idade, foi co-fundador, letrista e vocalista de uma banda de culto, os Joy Division.

Nascido em Manchester, a 15 de Julho de 1956, em 1976 juntou-se a Bernard Summer e Peter Hook numa banda que viria a chamar-se Warsaw e cujo nome foi mudado para Joy Division no início de 1978, para evitar confusões com um grupo “punk” londrino de nome Warsaw Park, entretanto surgido.

Ian Curtis sofria de epilepsia e, como vocalista dos Joy Division, desenvolveu um estilo de dança em palco muito pessoal, uma espécie de reminiscência dos ataques epilépticos que sofria, às vezes mesmo durante os espectáculos. A semelhança era tanta que o público tinha dúvidas se se tratava de uma encenação ou de um verdadeiro ataque.

Com fortes influências literárias dos escritores William Burroughs e J.G. Ballard e dos cantores Jim Morrison, Iggy Pop e David Bowie, Ian era uma pessoa bastante reflexiva, todo ele poesia, e demonstrava-o nas sua letras, tais como She’s Lost Control, em que fala de uma amiga que também sofria de epilepsia. O tom depressivo e seco de muitas das suas canções, como Disorder, The day of the lords, Love will tear us apart e muitas outras, levaram os seus fãs e mesmo a sua mulher, Deborah, a acreditar que estava a cantar a sua própria vida.

Em Março de 1980 os Joy Division gravaram o seu segundo álbum de estúdio, Closer, com o estado clínico de Ian já muito agravado. No dia 17 de Maio pediu à mulher que o deixasse sozinho em casa, bebeu uma garrafa de whisky, viu um filme de Werner Herzog, escreveu uma carta à mulher, pôs a tocar o álbum The Idiot, de Iggy Pop e, na madrugada de 18 de Maio, suicidou-se, pendurando-se de uma corda na cozinha.

Desespero, melancolia, angústia, dor e mistério, combinados e apresentados ao público de maneira poética e emocionante, deram origem a um mito que foi um dos mais enigmáticos músicos da sua época.

Com a sua morte e apenas com dois álbuns de estúdio gravados, terminava, também, a carreira de um dos mais influentes grupos de todos os tempos, precisamente quando estava prestes a atingir o seu auge. Os Joy Division são considerados por muitos os percursores do rock gótico. Apesar de não se vestirem ao “estilo gótico”, este género musical estava a nascer nessa altura e ainda não era associado a nenhum tipo de imagem específica.

A banda, e especialmente Ian Curtis, tem servido de inspiração para um vasto conjunto de músicos: Radiohed, Doves, U2, Smashung Pumpkins, Maniac Street Preachers, Trent Reznor (dos Nine Inch Nails), Robert Smith (dos The Cure) e John Frusciante (dos Red Hot Chili Peppers).

Os membros dos Joy Division tinham-se comprometido a mudar o nome da banda caso um deles a abandonasse. Mantendo esse compromisso, logo após a sua morte os três restantes músicos criaram o grupo New Order, que continuou o trabalho que vinham a desenvolver e ainda se mantém em actividade.

O filme Control: The Ian Curtis Film, dirigido por Anton Corbijn e baseado na biografia publicada pela viúva, Deborah Curtis, em 1996, estreou ontem à noite no Festival de Cannes 2007, com aplauso geral da crítica.

Love Will Tear Us Apart

When the routine bites hard
and ambitions are low
And resentment rides high
but emotions won't grow
And we're changing our ways,
taking different roads
Then love will tear us apart again

Why is the bedroom so cold?
You’ve turned away on your side
Is my timing that flawed?
Our respect run so dry
Yet there's still this appeal
That we've kept through our lives
But love will tear us apart again

You cry out in your sleep,
All my failings exposed
There’s taste in my mouth
As desperation takes hold
Just that something so good
Just can't function no more
When love will tear us apart again.

Ian Curtis

quinta-feira, maio 17, 2007

Cantares Galegos


Hoje é feriado na Galiza, região onde se comemora o Dia das Letras Galegas. Este Dia foi instituído em 17 de Maio de 1963, quando se comemorou o centenário da publicação, em Havana, do primeiro exemplar da obra poética Cantares Galegos, da autoria de Rosalía de Castro.

Nascida em Santiago de Compostela a 21 de Fevereiro de 1837 e falecida em Padrón (Corunha) a 15 de Julho de 1885, Rosalía de Castro, escritora e poetisa em língua galega e castelhana, é considerada a fundadora da moderna literatura galega.

Com efeito, apesar de também ter escrito várias obras em castelhano, Rosalía de Castro foi importantíssima para o “Rexurdimento” (Renascimento), etapa cultural da história da Galiza que se desenvolveu ao longo do século XIX e que teve como característica principal a revitalização da língua galega como veículo de expressão social e cultural, após o período de ostracismo a que foi votada e que é chamado de “séculos negros”.

Com o advento do Romantismo na Península Ibérica, reaviva-se o espírito regional e a identidade própria das regiões espanholas. Na Galiza, confrontam-se a língua castelhana, urbana e favorecida pela burguesia dominante, e a língua galega, considerada rural e camponesa, sem utilização literária e sujeita a uma enorme diglossia.

A partir de 1840, há grupos de intelectuais que vêem a Galiza como uma região atrasada que só é possível fazer avançar através da assunção política da consciência nacional, dando origem a um movimento regionalista dirigido a partir da Universidade de Santiago de Compostela. Em 1846, surgiu uma revolta contra o poder central, o levantamento de Solís, que culminou com o fuzilamento de um grupo de revoltosos, conhecidos como os mártires de Carral, e com o despertar da consciência linguística.

Para esse despertar foram fundamentais obras como Proezas da Galiza, de Fernandez Neira e a Gaita Galega (1853), de Juan Manuel Pintos, bem como a criação dos Jogos Florais da Corunha (1861), mas foi efectivamente Rosalía de Castro, com Cantares Galegos (1863), quem deu o grande impulso para o desenvolvimento que a literatura galega tem conhecido no último século e meio. E esse desenvolvimento é muito importante para a cultura portuguesa, dado haver uma grande afinidade entre o galego e o português antigo, bem como com o português popular falado no Alto Minho.

Dos Cantares, um poema na sua versão original:

Cada estrela, o seu diamante;
cada nube, branca pruma;
triste a lúa marcha diante.

Diante marcha crarexando
veigas, prados, montes, ríos,
onde o día vai faltando.

Falta o día e noite escura
baixa, baixa, pouco a pouco,
por montañas de verdura.

De verdor e de follaxe,
salpicada de fontiñas
baixo a sombra do ramaxe.

Do ramaxe donde cantan
paxariños piadores,
que ca aurora se levantan.

Que ca noite se adormecen
para que canten os grilos
que cas sombras aparecen.

Rasalía de Castro (Cantares Galegos - Havana, 17 de Maio de 1863)

quarta-feira, maio 16, 2007

Branquinho da Fonseca


António José Branquinho da Fonseca, nascido em Mortágua em 1905 e falecido em Lisboa a 16 de Maio de 1974, foi um poeta, dramaturgo e ficcionista português, filho do célebre e polémico escritor Tomás da Fonseca, sendo um dos escritores mais surpreendentes da geração de 1930, uma geração que, segundo David Mourão-Ferreira, foi marcada por «uma plêiade de grandes narradores», de que fizeram parte José Régio, Branquinho, Miguel Torga, Vitorino Nemésio, Tomaz de Figueiredo, Domingos Monteiro e José Rodrigues Miguéis.

Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi co-editor da Tríptico, revista de arte, poesia e crítica (Coimbra, 1924-25), fundou e dirigiu, com José Régio e João Gaspar Simões, a Presença, folha de arte e crítica (1927-30), tendo saído em 1930 para, com Miguel Torga, fundar a revista literária Sinal (1930). Colaborou, ainda, com a Manifesto (1936) e a Litoral (1944)

Em 1943 foi nomeado Conservador do Museu-Biblioteca Conde de Castro Guimarães, em Cascais, onde lançou a experiência das bibliotecas itinerantes. Essa experiência foi aproveitada pela Gulbenkian, que o convidou para organizar e dirigir o Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação, a partir de 1958, tendo sido o seu primeiro director, até à data da sua morte

Assinando os seus textos com o seu nome ou sob o pseudónimo de António Madeira, publicou obras de poesia, teatro, contos, novelas e romances. Foi no género narrativo que mais se distinguiu, sobretudo com a novela O Barão (1942). Destacou-se pela sua capacidade de conciliar o quotidiano e o fantástico e pela intensidade psicológica das suas personagens.

A Câmara Municipal de Cascais atribui um Prémio de Literatura Fantástica com o seu nome existindo, igualmente, O Prémio Branquinho da Fonseca – EXPRESSO/Gulbenkian, uma iniciativa conjunta da Fundação Calouste Gulbenkian e do Jornal Expresso, que tem como objectivo incentivar o aparecimento de jovens escritores de literatura infantil e juvenil.

Sonho da Rosa

Se me recordas entristeço e faço
porque o teu vulto sensual me esqueça
e o teu olhar, a tua boca, e essa
graça de graça que tu pões no passo.

Sonho-fumo esgarçando-se no espaço -
nas mãos em concha amparo-te a cabeça,
e sem que a minha boca desfaleça
beijo-te a boca e cinge-te o meu braço.

Já, no jardim deserto da tristeza,
vens aos meus olhos como a luz acesa
que uma penumbra dolorida apaga...

Vai-se extinguindo o meu desejo... Olha:
tu foste a rosa que ao abrir se esfolha,
nuvem perdida que no céu divaga...

Branquinho da Fonseca (in Poemas – 1926)

terça-feira, maio 15, 2007

Obviamente, demito-o!


A 15 de Maio de 1906, em Brogueira, Torres Novas, nasceu Humberto da Silva Delgado que foi, durante a maior parte da sua vida, um homem do regime que viria a afrontar e mandaria a PIDE assassiná-lo.

Cedo ingressou na carreira militar, frequentando o Colégio Militar entre 1917 e 1922 e, posteriormente, a Escola do Exército, onde se formou em Artilharia em 1925. Em 2 de Fevereiro de 1926, quando frequentava a Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas, foi ferido a tiro ao oferecer resistência a uma revolta radical liderada por sargentos e civis. Participou no golpe militar de 28 de Maio de 1926 que depôs o regime republicano.

No mesmo ano optou pela carreira da Aeronáutica, concluindo, em 1928, o curso de oficial piloto aviador. Em Fevereiro de 1927 bateu-se no Largo do Rato em defesa do regime saído do 28 de Maio de 1926. Foi integrado no Grupo Independente de Aviação de Bombardeamento e bateu o recorde de duração de voo sobre território português.

Em 1936 concluiu o curso do Estado Maior e em 1938-39 integrou a Missão Militar às Colónias, para estudo do dispositivo de defesa de Angola e Moçambique em caso de uma nova guerra. Em 1942 foi nomeado representante do Ar para as negociações com a Inglaterra para a cedência de bases nos Açores, tendo supervisionado a adaptação da Base das Lajes às exigências da Royal Air Force. Em 1943 participou na fase final das negociações, que decorreram em Lisboa.

Devido à eficiência demonstrada, que permitiu à Royal Air Force instalar-se nos Açores antes do previsto e sem necessidade de inspecção prévia, o Rei Jorge VI de Inglaterra outorgou-lhe a Ordem do Império Britânico, salientando que arriscara a sua carreira e o seu futuro pela causa dos Aliados e da liberdade.

Em 1944 foi nomeado director do Secretariado de Aviação Civil. Em 1945 fundou os Transportes Aéreos Portugueses, criou a primeira carreira regular da TAP (Lisboa-Madrid) e concretizou um sonho antigo, de ligação aérea regular com Angola e Moçambique, a chamada "Linha Imperial", inaugurada em 31 de Dezembro de 1946.

Entre 1947 e 1950, foi representante de Portugal na Organização Internacional da Aviação Civil, em Montreal, Canadá. Em 1951 foi comandante do Regimento de Artilharia de Costa, chefiou a Missão Militar à Alemanha, no quadro da NATO, e foi procurador à Câmara Corporativa para questões aeronáuticas. Nessa qualidade contribuiu decisivamente, com um parecer de sua autoria, para a fusão das aeronáuticas naval e militar, isto é, a criação da Força Aérea Portuguesa.

Em 1952 foi nomeado adido militar na Embaixada de Portugal em Washington e membro do comité dos Representantes Militares da NATO, trabalhando cinco anos no Pentágono. Promovido a general com 47 anos, foi o mais novo oficial daquela patente e passou de adido a Chefe da Missão Militar. Em 1956 o Governo Americano concedeu-lhe o grau de oficial da Legião de Mérito.

Ao regressar a Portugal, foi nomeado Director-Geral da Aeronáutica Militar, o que representou uma despromoção na sua carreira, por razões políticas, facto que marcou uma viragem profunda na sua vida.

Pouco depois apresentaria a sua candidatura à Presidência da República, pela Oposição, em 1958, e fez tremer o velho ditador e os seus lacaios. Perguntado, durante a campanha, o que faria de Salazar se fosse eleito, respondeu com a frase que dá título a esta posta: "obviamente, demito-o!"

Em 1959 foi suspenso e demitido das Forças Armadas e refugiou-se na Embaixada do Brasil, país onde acabou por se exilar. Em 1961 assumiu a responsabilidade pelo assalto ao "Santa Maria" e em 1962 participou na Revolta de Beja e foi julgado à revelia como implicado no assalto ao "Santa Maria". Em 13 de Fevereiro de 1965, juntamente com a sua secretária, foi assassinado a tiro por um comando da PIDE liderado por Rosa Casaco, na fronteira Espanhola, em Villanueva del Fresno, nos arredores de Olivença., tendo sido nomeado, em 1990, a título póstumo, Marechal da Força Aérea.

Este é um testemunho para que não se esqueça que Portugal foi "desgovernado" por uma ditadura durante 48 anos, a qual perseguiu, prendeu, torturou e matou muitos dos seus opositores, atingindo, mesmo, alguns dos que estavam destinados a ser seus "filhos diletos".

segunda-feira, maio 14, 2007

Feliz aniversário


David Byrne, nascido a 14 de Maio de 1952, em Dumbarton, na Escócia, completa hoje 55 anos de idade.

Conhecido sobretudo por ter sido o fundador e líder dos Talking Heads, banda de culto surgida em Nova Iorque no dia 8 de Setembro de 1974 entre os movimentos “punk” e “new wave”, que ganhou grande notoriedade por fundir o “rock” com inúmeros ritmos, inclusive os africanos, é um artista multifacetado.

Além dos oito álbuns como guitarrista e vocalista dos Talking Heads, David Byrne gravou mais uma dezena em nome individual, compôs para o coreógrafo Twyla Tharp e para o dramaturgo Robert Wilson e ganhou um Óscar com a banda sonora do filme “O Último Imperador” (de 1987, realizado por Bernardo Bertolucci). Dirigiu, também, o filme “True Stories” (de 1986) e produziu diversos álbuns de música caribenha e brasileira ,nomeadamente “Rei Momo” (de 1989) e um vídeo documentário sobre o candomblé chamado “The House of Life” (também de 1989).

Os Talking Heads extinguiram-se em 1991, mas a sua mistura de “punk”, “rock”, “pop”, “funk”, intelectualismo, e no final da carreira, “world music”, continua a influenciar a música actual (Radiohead, Red Hot Chili Peppers, Simply Red, Perpetual Groove, The String Cheese Incident, Arcade Fire).

Quanto ao aniversariante, prossegue o seu trabalho a escrever músicas, letras e livros, a fazer fotografia e a colaborar com inúmeros outros artistas. Do vasto conjunto de canções dos Talking Heads, aqui fica a letra de Mind, do álbum de 1978 Fear of Music:

Time won't change you
Money won't change you
I haven't got the faintest idea
Everything seems to be up in the air at this time

I need something you change your mind

Drugs won't change you
Religion won't change you

Science won't change you
Looks like I can't change you
I try to talk to you, to make things clear
but you're not even listening to me...
And it comes directly from my heart to you...

I need something to change your mind.

domingo, maio 13, 2007

A Lei Áurea


Regressado de um curto período de férias no Brasil, não posso deixar de assinalar o aniversário da Lei Áurea, assinada em 13 de Maio de 1888, a qual extinguiu, oficialmente, a escravatura no Brasil, último país do Ocidente a erradicar tal prática. A Lei, cujo original se pode ver na imagem ao lado, foi assinada pela Princesa Regente Dona Isabel, filha do Imperador Dom Pedro II.

Antes da chegada dos portugueses, a escravatura já era largamente praticada no Brasil. Entre as tribos índias, a escravatura era infligida aos prisioneiros capturados nas guerras tribais. E esta não era a única forma de obter escravos, pois os índios reduziam também à escravatura os fugitivos de outras tribos a quem davam refúgio. Entre as tribos antropófagas, os escravos eram frequentemente devorados durante os rituais.

Com a chegada dos portugueses, os índios passaram a vender muitos dos seus prisioneiros em troca de mercadorias. E assim, através da compra e do aprisionamento dos indígenas e, mais tarde, por via da importação de escravos das colónias africanas através do chamado tráfico negreiro, o trabalho escravo foi, durante quase quatro séculos, utilizado na agricultura (cultivo da cana de açúcar, do tabaco, do café e do algodão), na extracção e transporte de madeira e na extracção do minério, com elevados proventos para a metrópole.

A abolição da escravatura no Brasil processou-se de forma gradual e decorreu de toda uma situação formada com a sucessão do processo histórico, sendo ocasionada por uma série de pressões exercidas tanto por factores externos como internos.

Entre os factores internos destaca-se a acção dos grupos abolicionistas, compostos por indivíduos oriundos de diversos estratos da sociedade que defendiam o fim imediato do trabalho escravo, e dos partidários da emancipação, que eram favoráveis a uma abolição lenta e gradual dessa relação de trabalho. Além da acção dos grupos abolicionistas, deve destacar-se a actuação de resistência das maiores vítimas do processo de escravidão, visto que os escravos não eram passivos e resistiam à dominação das mais diversas maneiras, como fugas, revoltas, assassinatos, suicídios, entre outros métodos.

Entre os factores externos, podem destacar-se as pressões exercidas pelo Império Britânico sobre o governo brasileiro. A Inglaterra vivia, nessa altura, o auge da Revolução Industrial. O processo de industrialização exigia a ampliação dos mercados consumidores a fim de se obter a venda da produção crescente. O Brasil era um dos grandes parceiros comerciais ingleses, mas a relação de trabalho esclavagista não garantia aos trabalhadores que dela foram alvo poder de compra. Além disso, o governo inglês já abolira a escravatura em todos os seus territórios. Em 1845, o parlamento inglês aprovou a chamada Lei Bill Aberdeen (Aberdeen Act), que concedia à Marinha Real Britânica poderes de apreensão de qualquer navio envolvido no tráfico negreiro, em qualquer parte do mundo. Como consequência da pressão inglesa, em 1850 o tráfico negreiro foi oficialmente extinto com a Lei Eusébio de Queirós. Com o fim da principal fonte de obtenção de escravos, o preço destes subiu significativamente, uma vez que ocorreu uma diminuição da oferta. Em 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre, que garantia a liberdade aos filhos de escravos. Nove anos depois, iniciou-se uma campanha abolicionista estimulada por intelectuais e políticos, como José do Patrocínio e Joaquim Nabuco. O sistema esclavagista enfraqueceu-se ainda mais com a Lei dos Sexagenários (1885), que libertou todos os escravos com mais de 60 anos de idade, até que, em 13 de Maio de 1888, a Lei Áurea extinguiu oficialmente a escravatura no país.

Tanto os índios como os escravos africanos foram elementos essenciais para a formação, não somente da população, mas também da cultura brasileira. A diversidade étnica actual decorre do processo de miscigenação entre os colonos europeus, os indígenas e os africanos. A cultura brasileira, por sua vez, apresenta fortes traços tanto da cultura indígena como da cultura africana Desde a culinária à língua portuguesa, é impossível não perceber a influência da cultura dos povos que foram escravizados no Brasil.

sexta-feira, maio 11, 2007

Auto-retrato Provinciano que nunca soube Escolher bem uma gravata; Pernambucano a quem repugna A faca do pernambucano; Poeta ruim que na arte da prosa Envelheceu na infância da arte, E até mesmo escrevendo crônicas Ficou cronista de província; Arquiteto falhado, músico Falhado (engoliu um dia Um piano, mas o teclado Ficou de fora); sem família, Religião ou filosofia; Mal tendo a inquietação de espírito Que vem do sobrenatural, E em matéria de profissão Um tísico profissional. Manuel Bandeira
Reinvenção A vida só é possível reinventada. Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas... Ah! tudo bolhas que vem de fundas piscinas de ilusionismo... — mais nada. Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada. Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços. Projeto-me por espaços cheios da tua Figura. Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura. Não te encontro, não te alcanço... Só — no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva. Só — na treva, fico: recebida e dada. Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada. Cecília Meireles (afixado em Nova Iguaçu - Rio de Janeiro)

quarta-feira, maio 09, 2007

Hino à Alegria


Johann Christoph Friedrich von Schiller, falecido a 9 de Maio de 1805, em Weimar), mais conhecido como Friedrich Schiller, foi um poeta, dramaturgo, filósofo e historiador alemão que, juntamente com Goethe, foi um dos líderes do movimento literário romântico alemão Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto).

Uma de suas mais famosas poesias, a "An die Freude" (Ode à Alegria) inspirou Ludwig van Beethoven a escrever a sua Nona Sinfonia. O compositor teve contacto com o poema em 1792 e, ao lê-lo, ficou impressionado com a exaltação da fraternidade humana: após 32 anos, Ludwig van Beethoven deu por finalizada a sua última e mais conhecida sinfonia.

Aqui fica uma tradução do poema, tal como é cantado na Nona sinfonia:

Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais prazeroso
E mais alegre!

Alegre, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam
Ali onde teu doce vôo se detém.
Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se connosco!
Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,
Uma única em todo o mundo.
Mas aquele que falhou nisso
Que fique chorando sozinho!
Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem o seu rasto de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até à morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim que se ergue diante de Deus!

Alegremente, como seus sóis corram
Através do esplêndido espaço celeste
Se expressem, irmãos, em seus caminhos,
Alegremente como o herói diante da vitória.

Alegre, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Abracem-se milhões!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.
Milhões se deprimem diante Dele?
Mundo, você percebe o seu Criador?
Procure-o mais acima do céu estrelado!
Sobre as estrelas onde Ele mora.
Écloga A noite liga o olhar das corujas no anfiteatro das trevas. É onde o choro dos primogênitos rasga a flor dos corpos com seus gumes entuarados. Ali os anjos futuros conclamam-se em rumores. É onde os defuntos apascentam a entremostrar-se aos eleitos. Da terra o rosto se espraia virginal e inviolável. Rezadeiras nuas invocam a súbita magia dos ventos. É onde cosmonautas etéreos aderem à argila e aos remansos. As unhas dos vendavais reclinam-se em bonanças. As seivas pulsam, enroscam-se em aurículos e ventrículos de barro. Ali, todas as ausências se investem de soberanias. É onde as fúrias se convertem em imunidades brancas. O firme verde ovaciona a amplidão de seu reino. Os lívidos braços rurais se cruzam e se fertilizam. É onde as camadas dos tempos consagram as divindades do azul. E os mugidos todos se enlaçam à madura memória das coisas. Joanyr de Oliveira (afixado em São Lourenço - Minas Gerais)

terça-feira, maio 08, 2007

Bento XVI e a utopia Brasil Dentro de pouco estará no Brasil o Papa Bento XVI. Todos estão ansiosos pela mensagem que nos irá trazer. Sabemos que todo o ponto de vista é a vista de um ponto, mesmo por mais oficial que este seja. Ele permite a visão de certas realidades, mas também encobre outras, pela própria natureza do ponto de vista. Normalmente predomina no Vaticano o ponto de vista institucional. Neste ganha centralidade o poder sagrado, a disciplina e a ordem, necessárias a um organismo mundial como é a Igreja Católica romana. E junto vem a obediência e a vontade de adesão cordial. Mas vigora também o lado da comunidade cristã e a vida concreta dos fiéis. Aqui se crê no dinamismo intrínseco dos processos orgânicos nos quais surgem desafios que demandam respostas por parte da fé. Estas pressupõem liberdade e criatividade para que sejam adequadas e também contemporâneas. Trata-se, portanto, de um processo que vai além da lógica da disciplina e da ordem. Poderá Bento XVI assumir os dois pontos de vista e produzir um discurso de sabedoria? Isso não é impossível porque o extraordinário na Igreja Católica é que ela se entende edificada sobre duas pilastras, a de Pedro e a de Paulo. Pedro representa a instituição, o poder das chaves, a ordem, a disciplina, numa palavra, a continuidade. Paulo significa a criatividade e a coragem para o novo, numa palavra, a ruptura. A base petrina e paulina são igualmente importantes. Sabedoria é orquestrar estas duas energias de tal forma que o novo possa acontecer sem ameaçar a continuidade, ao contrário enriquecendo-a. Há momentos em que deve prevalecer a continuidade, há outros em que deve vigorar a novidade. Qual destas perspectivas irá Bento XVI privilegiar em sua vinda ao Brasil? Na minha modesta avaliação, estamos urgentemente precisando da dimensão paulina, do carisma inovador para fazer frente aos graves problemas internos e externos que a Igreja Católica enfrenta. Internos, a emigração crescente de católicos para outras igrejas de caráter popular e carismático, derivada possivelmente da própria estrutura centralizada da Igreja. Temos 125 milhões de católicos que demandariam. pelo menos, 100 mil padres e existem apenas 18 mil, muitos deles estrangeiros. Cria-se necessariamente um vácuo que é preenchido por outras igrejas. Externos, é a profunda desigualdade que estigmatiza nossa sociedade. Como a fé articulada com a justiça ajuda nas transformações necessárias? Oxalá o Papa estimule esta linha de atuação. Se, das muitas palavras que o Papa nos disser, reforçar esta que nos vem de um mestre, marxista e ateu ético, Oscar Niemeyer, o criador de Brasília, estaríamos mais que atendidos:" o fundamental é reconhecer que a vida é injusta e só de mãos dadas, como irmãos e irmãs, podemos vivê-la melhor". Estas palavras resumem a mensagem de amor de Jesus. Fazemos nossas as palavras de outro mestre também marxista e ateu ético, Darcy Ribeiro, nosso maior antropólogo, por ocasião da vinda de João Paulo II ao Brasil: "Venha a nós, Pastor das Gentes, para juntos construirmos o singelo paraíso em que todos comam todo dia, morem decentemente, estudem o primário completo, sejam tratados nas dores maiores, tenham um emprego permanente, por humilde que seja e não morram no desamparo na velhice. Ouça, Santo Padre, o clamor do povo que o aclama. Bendiga esta católica cristandade neolatina de ultramar, vestida das carnes morenas de negros e de índios. É o Povo de Deus que só pede a utopia: o singelo paraíso terreal do Espírito Santo". Leonardo Boff Publicado no site do autor em 4 de Maio de 2007 e aqui afixado com a sua autorização
A imposição do poema Dissimulado, o poema se impõe: aceso o coração, iluminada a rua, o poema dá as caras nas frestas da janela, põe as manguinhas de fora, cospe no prato e, atrevido, vai realizando, meio tonto, meio sonso, sua esfinge de cal, sua natureza de vento, sua estrutura de nada. Inútil, o poema compõe disfarces: armada a cilada, preparado o bote, o poema primeiro dorme, descansa seu corpo de éter, sua alquimia, na primeira pedra, ao menor descuido, para depois, ágil e confiante, estabelecer-se inteiro na superfície rasa do papel vencido. João Carlos Taveira (afixado em São Lourenço - Minas Gerais)

segunda-feira, maio 07, 2007

MANHÃ DE SOL com AZULEJOS Tudo se veste da cor de teu vestido azul Tudo - menos a dona do vestido: meus olhos te passeiam nua pela grama do campo de golfe Uma curva e eis-nos diante de meu coração Não amiga não temas meu coração; é apenas um chapéu surrado que humildemente estendo para colher um pouco de tua alegria de tua graça distraída de teu dia. Francisco Alvim 1968 - Sol dos cegos
O trem de ferro Passa o rio passa a ponte passa o sol e passa o vento passa o cavalo no pasto passa boi passa boiada passa o cachorro sarnento de todos e de ninguém passa a moça na janela meninos jogando bola meninos vendendo frutas mendigos pedindo esmola já passaram mais de cem. O que passa neste trecho passa no trecho que vem. O trem passa sempre cheio: mudança que vai, que vem. Ninguém está satisfeito onde está e com o que tem. Passa a vida e passa o trem... Maria Braga Horta (afixado em São Lourenço - Minsa Gerais)

domingo, maio 06, 2007

Tagore


Rabíndranáth Thákhur, conhecido no mundo ocidental como Tagore e nascido a 6 de Maio de 1861 em Calcutá, Índia, foi um poeta, filósofo, artista, dramaturgo, músico, novelista e autor de canções, que foi agraciado com o Prémio Nobel da literatura em 1913, tornando-se no primeiro asiático laureado com tal galardão.

Embora tenha sido a poesía que lhe grangeou a reputação de que goza entre nós, a sua obra em prosa, orientada por preocupações humanistas, é extensa. Inclui oito novelas, 50 ensaios e contos. Autor de inúmeras canções, duas delas são os actuais hinos nacionais do Bangladesh e da Índia: Amar Shonar Bangla e Jana Gana Mana.

Da sua vasta obra, respiguei o poema a Canção da Noite:

Se o dia já se foi, se os pássaros
pararam de cantar e se o vento desistiu
cansado, então cobre-me bem com o
espesso véu da treva, assim como cobriste a
terra com a coberta do sono e ternamente
fechaste as pétalas do lótus que se inclina
ao pôr-do-sol.

Retira a vergonha e a pobreza do
caminhante que esvaziou o seu bornal
antes de findar a viagem, que está com as
vestes rasgadas e empoeiradas, e cuja força
se exauriu. Renova a sua vida como a de
uma flor envolvida pelo manto da tua
bondosa noite.

Tradução de Ivo Storniolo

(afixado em São Lourenço - Minas Gerais)

sábado, maio 05, 2007

Mário Quintana


Mário Quintana , falecido em Porto Alegre, Rio Grande Sul, a 5 de Maio de 1994, foi um poeta, tradutor, jornalista e escritor brasileiro.

Considerado o poeta das coisas simples e com um estilo marcado pela ironia, profundidade e perfeição técnica, trabalhou como jornalista quase a vida inteira. Traduziu mais de cento e trinta obras da Literatura Universal, entre elas Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust, Mrs.Dalloway de Virginia Woolf e Palavras e Sangue, de Giovanni Papini.

O poeta Manuel Bandeira dedicou-lhe um poema, onde se lê:

Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.

Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!


Para assinalar o 13º aniversário da sua morte escolhi um dos seus sonetos:

Soneto VI

Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.

Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento que ele tem se evola…

Mas nesta rua há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe.

Ele trabalha silenciosamente…
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do menino doente…


(In: A Rua dos Cataventos - Mario Quintana - Porto Alegre, Editora do Globo, 1940)
Anti-soneto Ouropretano a cidade da hera e de idade a antiguidade de édito e de idade a posteridade de efígie e de idade a eternidade de essência e de idade a majestade de espírito e de idade a gravidade de espectro e de idade a dignidade de ênfase e de idade a imobilidade de enlevo e de idade a obliquidade de eflúvio e de idade a soledade de exílio e de idade a fatalidade de exaustão e de idade a castidade de espera e de idade a carnalidade de efêmero e de idade a cidade de eros e de idade Affonso Ávila (Afixado em São Lourenço - Minas Gerais)

sexta-feira, maio 04, 2007

Meu olhar nos teus olhos... Meu olhar nos teus olhos tua boca em minha boca teus seios em minhas mãos tuas mãos em meu rosto: São os primeiros solfejos! Meu rosto em teus cabelos tua voz em meus ouvidos meus braços em teu corpo teu corpo colado ao meu: vibram as cordas dos sentidos é a sinfonia que arrebata ao som de gemidos e palavras! Resvalo em fuga para me esconder entre as pilastras do teu corpo mãos espalmadas sobre teu ventre ...e a fonte em minha voz! Fizemos amor! Não esqueço! É cena parada em minha mente! ...e continuamos, repetindo tudo: tua boca em minha boca minhas mãos em teus cabelos emaranhadas e os nossos corações pulsando juntos. É o êxtase! Eis o final! A sinfonia estertora ao ranger de dentes e lábios que silvam na contorção vertiginosa do corpo infiltrando-se pela alma! É o gozo que aniquila! A música do amor que termina ou faz pausa para repetição! Cassandra Rios
Dez chamamentos ao amigo Se te pareço noturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a água Desejasse Escapar de sua casa que é o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem. Te olhei. E há tanto tempo Entendo que sou terra. Há tanto tempo Espero Que o teu corpo de água mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento. Hilda Hilst (Poesia: 1959-1979 - São Paulo) (Afixado em Campos do Jordão - Estado de São Paulo)

quarta-feira, maio 02, 2007

Esse despojamento Esse despojamento esse amargo esplendor. Beleza em sombra sacrifício incruento. A mão sem jóias descarnada na pureza das veias. A voz por um fio desnuda na palavra sem gesto. O escuro em torno e a lucidez violenta lucidez terrível batida de encontro ao rosto como uma ofensa física. Na imensidade sem pouso, olhos duros de pássaro. Henriqueta Lisboa (in A Face Lívida - 1945)
Inconfidência mineira num tempo em que fui de minas entre montanhas e rimas entre os jardins e currais forjado a ferro os canteiros Cecília e seu romanceiro escorrem seus dedos longos nos versos tristes que inventa como uma outra Cecília sobre nomes também eu invento diante do espelho linda e nua enquanto língua pele e lua pelo bico dos teus seios saliva nos teus fluxos como o cheiro dos teus flexos quando despida em teu amor o amor despido é nosso sexo Cecília goza pelas costas e por todos os continentes sendo rio se encharca pelas frentes quando mar transborda nas encostas quando cravo as unhas rente nos teus flancos frente e verso nos papéis o testamento escorrem teus dedos longos em tristes outros pensamentos os re/versos de Cecília no espelho também re/invento Artur Gomes (Afixado em São Lourenço-Minas Gerais)

terça-feira, maio 01, 2007

Minas Gerais Minas Gerais de assombros e anedotas... Os mineiros pintam diariamente o céu de azul Com os pincéis das macaúbas folhudas. Olhe a cascata lá ! Súbita bombarda. Talvez folha de arbusto, ninho de teneném que cai pesado, talvez o trem, talvez ninguém... As águas se assustaram e o estouro dos rios começou. Mário de Andrade
NA MESA Sobre a toalha, o pão, o bule, as xícaras, o café, confabulam. Que dizem no seu silêncio de coisas tocadas de esperança, da latente esperança da manhã? Dir-se-ia que se sentem ligados à vida - ou que na vida se irmanam, se confundem, pousados sobre a mesa como em seu próprio mundo, pousados no silêncio como se tudo fosse, para eles, a dádiva fascinante, translúcida. A um canto, solitária, uma faca os espia. ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO