quinta-feira, julho 30, 2009

(RE)PRESA A água debaixo da ponte agita-se com o reflexo do céu e devora a noite tecendo o rio de estrelas. Debaixo da ponte os lábios das margens molham-se de delírios e os lírios olham a imensidão. Debaixo da ponte o corpo da água escorre entre os dedos de concreto e esbarra no beijo da vegetação. Dilson Lages Monteiro* *poeta brasileiro

terça-feira, julho 28, 2009

Liame e insídia Estatelada no sol da tarde, liame e insídia, cobra coral; cada cor inatural entretecida na explosão do momento prolongado. Jazida de medo fulgurante, sempre e inteiramente inevitável. Denis Borges Barbosa* *poeta brasileiro

domingo, julho 26, 2009

Surpresas da Vida Meus amigos Quem sou eu ? Um ex-banido ... Expatriado ... Com mandado de captura ... Mestre de Obras Poeta ... E ainda há quem não acredite Nas surpresas da vida .... Delmar Rosado* *poeta recifense

sexta-feira, julho 24, 2009

Toma! Se for para solfejar letras Se for para murmurar palavras Se for para verter lágrimas Diluídas em poemas Toma! Ofereço a ti Minhas pálidas palavras Que elas te levem Todo o penhor Do quanto te Quero ver E sentir Delasnieve Dáspet* *poetisa brasileira

quarta-feira, julho 22, 2009

PURGATÓRIO a mãe gemendo de dor (sem remédio) o irmão sem dentes e emprego (e bêbado) pai e avô caducando em asilo (em cheiro de urina) sobrinhos e filhos e netos (bisnetos) alongando a caravana (em deserto) eu parede de palavras a repercutir seus ais (só em versos) se eu morrer só poeta ouvirei em juízo: tive fome e me deste poesia Deise Assumpção* *poetisa paulista

terça-feira, julho 21, 2009

O homem impossível O homem impossível não é uma estátua ou uma figura na tela da impossibilidade. Caminha, movimenta-se, existe na realidade. Com asas formidáveis de arcanjo, divindade, cuida, organiza, espera a mulher amada até tarde, e sua boca impossível só profere verdades. O homem impossível não tem amor urgente. Não tem pressa, não tem raiva nem suores dementes, seus olhos enxergam e seu coração pressente. Mas tem calor, o homem impossível, cheiro, gosto, desejo táctil e um grande coração portátil que sempre carrega consigo, sabiamente. Deborah Dornellas* *poetisa brasileira

sábado, julho 18, 2009

Cerimónia O disco de fogo põe-se lentamente no fiambre da montanha. Pessoas diferentes vindas de todos os caminhos enfileiram-se solitárias para escreverem seus nomes no Livro de Ponto do dia. Mas quem são aqueles que vêm apressados ao longe nas estradas? Eles são os poetas que, resistindo à centrífuga do dia, estiveram a escorregar sonhos na 7ª. esteira do arco-íris. Débora Novaes de Castro* *poetisa paulista

quinta-feira, julho 16, 2009

Memória dum Pintor Desconhecido Os presos contam os dias eu as horas nesta prisão maior onde um olhar ficou boiando e uma voz um som de passos perseguidos na sombra perseguindo a segurança fugidia Na cidade que amo e a sós comigo é talvez só futuro ou já saudade com alma bem nascida entre o fragor de máquinas, cimento e energia atómica indefeso entre irmãos de cárcere demando a voz que foge os irmãos que não vejo o brando olhar que guarda o meu desejo e só consigo ver o gomoso arrastar das horas e das horas tantas horas à baioneta marcadas por uma sentinela aos quatro cantos da janela gradeada do dia-a-dia onde não há mais nada Que nada são os dias e os anos para um tão grande amor que vou pintando com o próprio sangue os meus e teus enganos que há-de nascer que há de florir que há de e há-de e há-de quando? Mário Dionísio

quarta-feira, julho 15, 2009

Compulsão à citação Há pessoas que precisam apoiar-se em citações o tempo todo. Alguns trazem esse hábito do berço... O pai citador transmite ao descendente essa mania - filho de peixe, peixinho é. Citações de provérbios, ou citações mais requintadas. Quando não lembra a citação, o citador sofre, sabendo, porém, como dizia Oscar Wilde, que "as nossas tragédias são sempre de uma profunda banalidade para os outros"... O citador vive entre aspas, coleciona as palavras alheias com reverência. Não teme a recriminação daqueles que, citando algum pensador, repetem: "Quem cita os outros jamais desenvolve suas próprias ideias". E daí? Mais vale uma citação na mão do que repetir, sem saber, e de modo menos genial, o pensamento que outros já formularam com exatidão. Quem cita pensa também. Citando com a consciência alerta, pensarei ao lado de grandes pensadores. Por exemplo, ao lado de Leonardo da Vinci, que escreveu: "Quem pouco pensa, muito erra." Não seria o caso de admitir que quem cita muito... muito acerta? E tem mais. O citador compulsivo nunca está sozinho. Dentro dele dialogam centenas de pessoas, com frases redondas, aforismos intrigantes. O citador é um solitário acompanhadíssimo. Dizia isso com outras palavras, sem desconfiar que se referia ao citador, o poeta Carlos Drummond de Andrade: "A solidão gera inúmeros companheiros em nós mesmos." Solitário, ensimesmado, o citador adora dicionários de citações. Passa horas em convívio intenso com centenas de pessoas que disseram algo relevante, mais ou menos inteiradas do poder de suas palavras. Montaigne mencionava os "doutores pela ciência alheia", mas talvez seja de fato impossível chegar ao "doutorado" de outro modo. Só Deus prescinde de citações, e todas as que Ele faz são citações por Ele mesmo inventadas! A mania de citar, à medida que aprofunda suas raízes na mente do citador, transforma o citador num pensador original. Seu talento consiste em aplicar em contextos diferentes as frases que nasceram em diferentes lugares e tempos. "Por toda a minha vida eu vou te amar" perderá suas aspas na declaração de amor que o citador fizer com a paixão que o primeiro poeta jamais teve. Citar é aceitar que alguém foi feliz em dizer algo que eu não disse antes. Mas é também aceitar outro fato. Ao citar tantos outros, poderei talvez, distraidamente, criar minhas próprias frases. Frases que, no futuro, outro citador compulsivo salvará do esquecimento. Gabriel Perissé* *professor e escritor Publicado no jornal digital Correio da Cidadania

segunda-feira, julho 13, 2009

Certo voo Cada pássaro sabe a rota do retorno. Cada pássaro sabe a rota de si. Cada pássaro, na rota, sabe-se pássaro. Damário da Cruz* - In Segredos das Pipas *poeta brasileiro

domingo, julho 12, 2009

Descanso Sob o caramanchão florido, a ouvir o cantar dos passarinhos e o rumorejar da água na pequena cascata.

sábado, julho 11, 2009

Humorismo Sossego macio da tarde. Um sol cansado passa pelo rosto suado uma nuvenzinha alva como um lenço para enxugar as primeiras estrelas. Silêncio. E o sol vai caminhando sobre os montes tranqüilos vai cochilando. E de repente tropeça e cai redondamente sob a pateada dos sapos e a vaia dos grilos. Guilherme de Almeida* *no 40º aniversário da sua morte

sexta-feira, julho 10, 2009

Volto já Vou passar a próxima quinzena a dar uns mergulhitos nesta piscina e a ouvir os canários. Como há 3 anos o preço da internet era de 1 euro por cada dez minutos, é provável que tenha de me abster dos meus passeios habituais.

quinta-feira, julho 09, 2009

De repente... De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente. Vinicius de Moraes* *no 29º aniversário da sua partida
Activista precoce
Enquanto o pai se esforçava por dar algum sentido à cimeira do G8, em L’Áquila, a filha mais velha, Malia Obama, de 11 anos, era fotografada à saída de uma gelataria, em Roma, envergando uma camisola que tinha estampada uma das imagens mais conhecidas e políticas do mundo, o logótipo da CND, que se tornou um símbolo universal da luta pela paz e pelo desarmamento nuclear. Ninguém acredita que tenha sido por engano ou acaso.

quarta-feira, julho 08, 2009

BPN - Comissão de Inquérito
O caimão em apuros Acossado por vários escândalos, os mais recentes dos quais se referem a testemunhos de prostitutas de alto coturno pagas para passarem noites com ele, como é o caso de Patrizia d’Addario, na imagem, Il Cavalieri confronta-se, com o espectro do fracasso da cimeira do G8 que hoje começa na destruída cidade de L’Aquila. Primeiro, foram quatro professoras universitárias italianas que pediram às primeiras damas para boicotarem a cimeira, a que se seguiu um coro de críticas quanto ao local escolhido, depois de a cidade ter sofrido outro abalo sísmico, na passada semana. Agora, face à falta de planeamento e ao caos que têm rodeado os preparativos, já se levantam várias vozes para que a Itália seja excluída do G8, falando-se na Espanha, que tem um PIB per capita superior, para a substituir. Para mim, que passei os 11 dias da minha última viagem a fugir de um enorme, ruidoso e mal educado grupo de italianos que nos tocaram em sorte, nem me desagrada a ideia. Afinal, que consideração pode merecer a maioria de um povo que escolhe por três vezes um tal primeiro ministro?

terça-feira, julho 07, 2009

Criminoso de guerra
Com a provecta idade de 93 anos morreu ontem Robert S. McNamara, criminoso de guerra que foi Secretário da Defesa dos Estados Unidos entre 1961 e 1968, arquitecto da Guerra do Vietname e impulsionador de uma corrida desenfreada ao armamento nuclear. Já em 1961 tinha apadrinhado a invasão da Baía dos porcos, dando luz verde àquela operação de ataque a Cuba; em 1964, após o incidente do Golfo de Tonquim, em que, num ataque que nunca existiu, como ficou demonstrado por um relatório desclassificado pela NSA em 2005, uma patrulha do Vietname do Norte foi acusada de ter disparado sobre dois navios de guerra dos Estados Unidos, conseguiu convencer o Presidente Johnson de que as provas do falso ataque eram irrefutáveis, o que levou o Congresso a autorizar a guerra. Para além da sua responsabilidade na morte de mais de cinco dezenas de milhares de militares estado-unidenses e de cerca de três milhões de vietnamitas, a que haverá que acrescentar as centenas de milhares de feridos e incapacitados de ambos os lados, foi ainda o responsável pelos milhões de toneladas de agente laranja lançadas sobre o território vietnamita cujos efeitos ainda hoje se fazem sentir. Em 1995, confessou nas suas memórias que estava “errado, terrivelmente errado”, mas apenas sofreu a condenação moral de alguns dos seus concidadãos, sendo-lhe permitido levar um resto de vida pacífica, possibilidade que ele negou a milhões.

segunda-feira, julho 06, 2009

Meus Versos Meus versos, não são versos São simples pensamentos meditados Num estado de espírito surpreso E muitas vezes maravilhado De descobertas... E analogia... Que culpa tenho eu Se saem em forma de poesia?!... Daisy Maria Gonçalves Leite* *poetisa brasileira

sábado, julho 04, 2009

Escola da Idade da Pedra Numa escola da Idade da Pedra, a professora distribui um pedaço de pedra, um martelinho e um cinzel para cada aluno, e começa a fazer um ditado: - O rei... Pléc, pléc, pléc - todos gravam uma coroa - ...é forte... Pléc, pléc, pléc - todos gravam um leão. - ...e viril... Pléc, pléc... - todos os alunos param e ficam pensativos De repente, a voz de Joãozinho Pedregulho quebra o silêncio: - Professora, viril escreve-se com um ou dois testículos?

sexta-feira, julho 03, 2009

A criança que pensa em fadas A CRIANÇA que pensa em fadas e acredita nas fadas Age como um deus doente, mas como um deus. Porque embora afirme que existe o que não existe Sabe como é que as cousas existem, que é existindo, Sabe que existir existe e não se explica, Sabe que não há razão nenhuma para nada existir, Sabe que ser é estar em algum ponto Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer. Alberto Caeiro

quinta-feira, julho 02, 2009

A tríade
Militares, igreja e possidentes andam sempre de mãos dadas nos golpes de estado. Aconteceu assim em Portugal e Espanha, aconteceu assim em quase todos, se não mesmo em todos, os países da América Central e do Sul e acabou de acontecer assim nas Honduras. Na maioria da vezes houve uma mão escondida com o corpo todo de fora: a embaixada dos Estados Unidos no país escolhido para o golpe. A França, a Espanha, a Itália e a maioria dos países latino-americanos retiraram os seus embaixadores de Tegucigalpa; a União Europeia falou com voz grossa; o Banco Mundial fechou a torneira; e até os Estados Unidos, depois de alguma hesitação, declararam que apenas reconhecem o Presidente deposto Manuel Zelaya e cessaram a colaboração militar com os golpistas, mandando aquartelar os 600 militares da Base Aérea de Soto Cano, apesar de vários membros da sua embaixada (Simon Henshaw, Andrea Brouillette-Rodriguez, William Brands, Kenneth Rodriguez) terem sido acusados de pertencerem à CIA e de estarem envolvidos no golpe. Por cá, há uns coitados espalhados pelos media e pelos blogues empenhados em defender o indefensável. O que mais me surpreende é que alguns até se dizem de esquerda - estou a falar da verdadeira, não da auto-denominada moderna – e têm alergias a tudo o que cheire a sacristia . Como escreveu a grande Sophia no poema que deixei na posta anterior, “perdoai-lhes Senhor porque eles sabem o que fazem”.
As pessoas sensíveis As pessoas sensíveis não são capazes De matar galinhas Porém são capazes De comer galinhas O dinheiro cheira a pobre e cheira À roupa do seu corpo Aquela roupa Que depois da chuva secou sobre o corpo Porque não tinham outra Porque cheira a pobre e cheira A roupa Que depois do suor não foi lavada Porque não tinham outra «Ganharás o pão com o suor do teu rosto» Assim nos foi imposto E não: «Com o suor dos outros ganharás o pão» Ó vendilhões do templo Ó construtores Das grandes estátuas balofas e pesadas Ó cheios de devoção e de proveito Perdoai-lhes Senhor Porque eles sabem o que fazem Sophia de Mello Breyner Andresen* *no 5º aniversário da sua passamento

quarta-feira, julho 01, 2009

Festa no Iraque O Iraque celebrou ontem a retirada das tropas estado-unidenses das suas cidades com paradas, fogos de artifício e um feriado nacional, enquanto que o primeiro ministro se vangloriava, perante uma audiência desconfiada, de ter conseguido a soberania face à ocupação americana. Mas parece serem poucas as razões para festejar e muitos os motivos para desconfiar, num país destruído por 6 longos anos de guerra civil e carente de quase tudo, dividido entre xiitas, sunitas e curdos, sem exército e forças de segurança à altura e chefiado por um homem de mão do império que já começou a vender ao desbarato a sua maior fonte de riqueza. Para além do início do cumprimento de uma promessa de Obama e da libertação do jugo do invasor, permanece a interrogação sobre o que ganharam a humanidade e os iraquianos em particular, com o arrasamento de um país - herdeiro de uma civilização riquíssima -, um milhão e meio de mortos e vários milhões de refugiados. Fotografia: Nabil al-Jurani/Associated Press Mais imagens dos festejos aqui e aqui