sexta-feira, outubro 31, 2008

Para ler e ouvir, sempre! Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 31 de Outubro de 1902. Por mero acaso, deparei-me com este retrato falado, por ele próprio. Para mim, valeu mesmo a pena ouvir.

quinta-feira, outubro 30, 2008

Íncubo Escorou-se na janela aberta para a rua e sentiu um calafrio esquisito percorrer-lhe a espinha. Estava escuro? Sim, todas as luzes estavam apagadas. Ela amava perambular em silêncio na escuridão da casa. Tatear o contorno dos móveis antigos, as linhas do próprio corpo... sim, ela amava despir-se diante das brumas da madrugada e da memória. Contemplar as estrelas. Tão raro poder vê-las. As luzes da cidade ofuscam o encanto da noite assim como o mistério dos olhos. Diante da janela que emoldurava rubis e diamantes estelares afastou as pernas, alongou o pescoço, os braços, um para cada lado... também era uma estrela de cinco pontas pulsando na noite morna. De repente, emerge da própria companhia para um sobressalto. Não tem coragem de voltar o olhar quando a porta do quarto bate. É o vento, faz o sinal da cruz. Na praia já havia passado por algo do tipo, benze-se outra vez, algo que tentava esquecer, quando interrompera aquela discussão e, descendo do mezanino, fora dormir na sala. Acomodou-se no sofazinho, de costas para a escada. A luz amarelada da varanda penetrando pelas frestas do telhado sem lambri. Com o rosto voltado para a parede abraçou a almofada e, pondo uma das quatro pontas entre os joelhos, cobriu sua nudez com uma manta cheirando a armário. Aconchegara-se na própria mágoa para esquecer os insultos que ouvira. Mas, na fronteira entre a vigília e o sono, ali, onde confundimos os mundos, percebeu alguém em pé, quase encostado no sofá, ao seu lado. Mesmo sem olhar, sentiu a energia de um homem. Seria o seu? Arrependido das grosserias lhe beijaria as faces, os olhos vermelhos do choro sufocado, “me perdoa, gringa”, ela iria ouvir reconfortada e fariam as pazes e depois amor. Mas não houve palavra. Nem gesto. Alguém permanecia ali, imóvel, espiando seu corpo. E então, agora, a mesma impressão de estar sendo vigiada. Quando a porta do quarto bate, de morno, o ar fica gelado. Os pelos da nuca retesados conectam sua lembrança com o resto do episódio da praia quando, agarrada ao escapulário encarou um estranho, metido num capote preto até o chão, lá em cima um chapéu de abas enormes a ocultar, nas trevas, rosto e intenção. Pareceu-lhe ouvir seu respirar: lento e profundo como quando se está no domínio da situação. Pareceu-lhe mais, pareceu-lhe intensamente úmido e ainda mais salobro o ar. A criatura tem algo nas mãos... uma pedra? Vai esmagar minha cabeça! Ao amanhecer estarei morta e o mundo nem vai ligar, no máximo uma notinha no jornal local “veranista é trucidada dormindo”, mas eu não estou dormindo, não estou, JOHNNY!, pensou ter gritado. E vai ver que gritou, de fato. Pois o grito dado ou pensado libertou-a do quebranto. FLASH SOBRE DUAS GARRAS VERDES, VISCOSAS, NAS PONTAS DO QUE SERIAM DEDOS, VENTOSAS, NÃO ESTOU DORMINDO, POR DEUS, AQUILO TRAZ UMA GAIOLA INFESTADA DE RATOS, AMARRADA NA CINTURA... OU... DO UMBIGO FAZ PARTE E FLUTUA! Não quer lembrar o verão! Sai da janela, rápido, tateando até a cama; protege-se entre ursinhos de pelúcia, negações e travesseiros. Só que ele a espreita de novo e, a qualquer momento, sem qualquer ruído pode arrancar-lhe o lençol, seu esconderijo de pano. Sob as abas do chapéu, lá em cima, Johnny, a gente se salva no afeto ou na saliva densa de sede e fome? Então, a criatura retirou de dentro da gaiola o maior deles. O mais peludo. Com seu rabo de chicote. Seu guincho de porco na degola. Retirou aquele rato bem do fundo e, lentamente, intimamente, levantando a manta com cheiro de armário forçou o bicho várias vezes até abrir caminho. Foi quando a noite partiu-se ao meio. Com gemidos de quem sucumbe ao diabo, ou dele se liberta. Por espasmos da garganta ou da vagina. Myrian Beck Publicado no jornal digital VIAPOLÍTICA
“He's Not One of Us” As John McCain's chances seem weakened or dead, Republican rallies become mobs instead. They have no civility left-not a shred. They curse at Obama, their faces bright red: "A traitor!" "A terrorist!" "Off with his head!" "He's not one of us," Sarah Palin has said. Lucky him. Calvin Trillin Publicado no The Nation

quarta-feira, outubro 29, 2008

O RIO NÃO MORRE “También se muere el mar” (Garcia Lorca) “Aquele rio era um cão sem plumas” (João Cabral de Melo Neto) Não se mata um rio como não se enterra um morro Como a fogueira não se põe no bolso Como um leão não pede socorro Um rio terminal é a soma da baba do rebanho viscoso no que tem de sono aéreo no que tem de sonho O mar recebe o rio feito de escombros O mar pode morrer (Netuno exangue) Não por obra do rio que guarda o sopro Envenenado talvez, mas nunca morto Um rio sobrevive sem suas vertentes Um rio pode seguir sem ser corrente Um rio não é a escama de nenhum peixe Ele será sempre o rio da minha infância O Uruguai antes do saque touro frente à lua surra de gigante Nesse rio sem fim mora meu povo Cobre de minuano ao frio Charrua de invencível lança Não se mata um rio O sol não cabe numa estante A eternidade acampou e faz a ronda Nei Duclós* *poeta brasileiro que hoje celebra 60 anos
O Homem Público N. 1 Tarde aprendi bom mesmo é dar a alma como lavada. Não há razão para conservar este fiapo de noite velha. Que significa isso? Há uma fita que vai sendo cortada deixando uma sombra no papel. Discursos detonam. Não sou eu que estou ali de roupa escura sorrindo ou fingindo ouvir. No entanto também escrevi coisas assim, para pessoas que nem sei mais quem são, de uma doçura venenosa de tão funda. Ana Cristina Cesar* *no 25º aniversário da sua morte, aos 31 anos de idade.

terça-feira, outubro 28, 2008

Peço desculpas Estou gravemente enfermo. Gostaria de manifestar publicamente minhas escusas a todos que confiaram cegamente em mim. Acreditaram em meu suposto poder de multiplicar fortunas. Depositaram em minhas mãos o fruto de anos de trabalho, de economias familiares, o capital de seus empreendimentos. Peço desculpas a quem assiste às suas economias evaporarem pelas chaminés virtuais das Bolsas de Valores, bem como àqueles que se encontram asfixiados pela inadimplência, os juros altos, a escassez de crédito, a proximidade da recessão. Sei que nas últimas décadas extrapolei meus próprios limites. Arvorei-me em rei Midas, criei em torno de mim uma legião de devotos, como se eu tivesse poderes divinos. Meus apóstolos - os economistas neoliberais - saíram pelo mundo a apregoar que a saúde financeira dos países estaria tanto melhor quanto mais eles se ajoelhassem a meus pés. Fiz governos e opinião pública acreditarem que o meu êxito seria proporcional à minha liberdade. Desatei-me das amarras da produção e do Estado, das leis e da moralidade. Reduzi todos os valores ao casino global das Bolsas, transformei o crédito em produto de consumo, convenci parcela significativa da humanidade de que eu seria capaz de operar o milagre de fazer brotar dinheiro do próprio dinheiro, sem o lastro de bens e serviços. Abracei a fé de que, frente às turbulências, eu seria capaz de me auto-regular, como ocorria à natureza antes de ter seu equilíbrio afetado pela ação predatória da chamada civilização. Tornei-me onipotente, supus-me onisciente, impus-me ao planeta como onipresente. Globalizei-me. Passei a jamais fechar os olhos. Se a Bolsa de Tóquio silenciava à noite, lá estava eu eufórico na de São Paulo; se a de Nova York encerrava em baixa, eu me recompensava com a alta de Londres. Meu pregão em Wall Street fez de sua abertura uma liturgia televisionada para todo o orbe terrestre. Transformei-me na cornucópia de cuja boca muitos acreditavam que haveria sempre de jorrar riqueza fácil, imediata, abundante. Peço desculpas por ter enganado a tantos em tão pouco tempo; em especial aos economistas que muito se esforçaram para tentar imunizar-me das influências do Estado. Sei que, agora, suas teorias derretem como suas ações, e o estado de depressão em que vivem se compara ao dos bancos e das grandes empresas. Peço desculpas por induzir multidões a acolher, como santificadas, as palavras de meu sumo pontífice Alan Greenspan, que ocupou a sé financeira durante dezanove anos. Admito ter ele incorrido no pecado mortal de manter os juros baixos, inferiores ao índice da inflação, por longo período. Assim, estimulou milhões de usamericanos à busca de realizarem o sonho da casa própria. Obtiveram créditos, compraram imóveis e, devido ao aumento da demanda, elevei os preços e pressionei a inflação. Para contê-la, o governo subiu os juros... e a inadimplência se multiplicou como uma peste, minando a suposta solidez do sistema bancário. Sofri um colapso. Os paradigmas que me sustentavam foram engolidos pela imprevisibilidade do buraco negro da falta de crédito. A fonte secou. Com as sandálias da humildade nos pés, rogo ao Estado que me proteja de uma morte vergonhosa. Não posso suportar a idéia de que eu, e não uma revolução de esquerda, sou o único responsável pela progressiva estatização do sistema financeiro. Não posso imaginar-me tutelado pelos governos, como nos países socialistas. Logo agora que os Bancos Centrais, uma instituição pública, ganhavam autonomia em relação aos governos que os criaram e tomavam assento na ceia de meus cardeais, o que vejo? Desmorona toda a cantilena de que fora de mim não há salvação. Peço desculpas antecipadas pela quebradeira que se desencadeará neste mundo globalizado. Adeus ao crédito consignado! Os juros subirão na proporção da insegurança generalizada. Fechadas as torneiras do crédito, o consumidor se armará de cautelas e as empresas padecerão a sede de capital; obrigadas a reduzir a produção, farão o mesmo com o número de trabalhadores. Países exportadores, como o Brasil, verão menos clientes do outro lado do balcão; portanto, trarão menos dinheiro para dentro de seu caixa e precisarão repensar suas políticas econômicas. Peço desculpas aos contribuintes dos países ricos que vêem seus impostos servirem de bóia de salvamento de bancos e financeiras, fortuna que deveria ser aplicada em direitos sociais, preservação ambiental e cultura. Eu, o mercado, peço desculpas por haver cometido tantos pecados e, agora, transferir a vocês o ônus da penitência. Sei que sou cínico, perverso, ganancioso. Só me resta suplicar para que o Estado tenha piedade de mim. Não ouso pedir perdão a Deus, cujo lugar almejei ocupar. Suponho que, a esta hora, Ele me olha lá de cima com aquele mesmo sorriso irônico com que presenciou a derrocada da torre de Babel. Frei Betto* *escritor e teólogo da libertação brasileiro Publicado originalmente no Adital

segunda-feira, outubro 27, 2008

FRATERNIDADE Há quem venha como eu por estranhos caminhos Há quem voe como eu por estranhos espaços Há quem ande nas asas do vento e quem suba mais alto que o vôo mais alto dos pássaros. Repartir-se mais simples que o pão dar-se lhano qual água estendidas mãos magras tocar como quem colhe um fruto há quem saiba. Nos descantos da morte acalanto há quem cante. Há quem vague como eu. Por desertos navegue. Quem se perca por poucas doçuras. Desatinos quem faça. As amarras da terra, talvez, há quem parta. Todo tédio do mundo há quem desça até o fundo. Há quem traga também, como eu, enterrado nos ossos este humano cansaço. Bernadette Lyra

domingo, outubro 26, 2008

Dinossauro Excelentíssimo Houve velórios nos outeiros, altares à volta do retrato do Imperador. Discursos também, e muitos. Versos de despedida, lágrimas de sobreaviso. Os jornais anunciavam em letras de caixão alto que para grandes povos, grandes desastres. Longe, em Cu de Judas, os camponeses excursionistas sabiam que iam ser chamados ao funeral e punham um olho no calendário, outro nas sementeiras, interrogando-se se viria em má altura. Nas repartições públicas suspirava-se fundo: desgraça por desgraça, ao menos que a morte calhasse em tal dia assim e assim para haver ponte de fim de semana. Os comerciantes inquietavam-se: feriados de luto nunca beneficiavam senão os da capital. Os presos sonhavam com amnistias e as beatas com embaixadas de estrangeiros em missas de grande pompa. José Cardoso Pires, excerto de Dinossauro Excelentíssimo.

sábado, outubro 25, 2008

Irmão carruagens alucinantes de heroísmos rebeldes e sadios heroísmos emprestados à vingança cobarde de sermos Irmãos. ouviste? Irmãos! vidros partidos pés escoriações pés vidros partidos plantas de pés rasgadas por detalhados e pequenos pedaços de vidros partidos cheios de esquinas lanças facas afiadas de corte ancestral. ouviste? Irmão os pés sangram a tua ausência desconhecida os pés sangram todas as vitórias todos os heroísmos rebeldes cobardes de vingança embebida cujo suco não partilhámos... ouviste? Irmão os pés sangram por ti... Álvaro Seiça Neves* *poeta aveirense que hoje completa 25 anos

sexta-feira, outubro 24, 2008

Tarde piou!
Tendo estado à frente da Reserva Federal durante 18 anos, o outrora “sábioAlan Greenspan reconheceu ontem, perante o Congresso, que cometeu um erro ao confiar que os livres mercados se podiam auto-regular e que tinha falhado ao não prever o poder auto-destrutivo da desenfreada política de crédito hipotecário. Embora nunca seja tarde para reconhecer um erro, há erros e erros. E o do celebrado “maestro” provocou danos que dezenas de milhões já sentiram e muitas centenas de milhões mais ainda vão sofrer. Mais um “ídolo” com pés de barro. Será que estes “monstros sagrados” conseguirão dormir descansados sobre a miséria de incontáveis seres humanos?

quinta-feira, outubro 23, 2008

Dardos
Já tinha sido distinguido, há dias, pelo amigo dos bonstempos hein?! com o prémio dardos e agora veio nova distinção do outro lado do Atlântico, pela mão da helen e do seu videversos, pelo que, como mandam as normas, aqui deixo a minha escolha, um tudo nada influenciada pela tentativa de não repetição: Inflorescências Grilinha Jardim de luz Sorumbático Crítica: Blog O tempo das cerejas As bodas de Fígaro Coisas de vidas O vento contra a cara Anacruzes Blue Velvet Esquerda Republicana Bloco de notas Ana de Amsterdam Insónia Façam o favor de continuar a acertar no alvo!

quarta-feira, outubro 22, 2008

Memórias Anteontem fui ao psiquiatra, pois está na moda. Aliás, foi um psiquiatra quem resolveu o grande problema de minha vida: fugiu com minha noiva... Depois de mil blá-blá-blás, ele disse que eu era um pouco complexado (frase realmente inédita de um psiquiatra) pois que me preocupava muito com mulher bonita (o que, cá entre nós, é sempre melhor do que ser complexado por preocupar-se com mulher feia...), concluindo, que eu acabaria ficando louco. E quase fiquei mesmo quando vi a conta: Quinhentos contos! Doutor, - disse eu – vim aqui para resolver os meus problemas, não os seus... Na verdade meu grande complexo é o de sentir que os meus lindos e coloridos complexos preocupam mais aos outros que a mim próprio. Sou pequenininho, feio e narigudo, mas, apesar disto, nunca tive reclamações. Tenho um metro e sessenta e quatro vírgula três (o vírgula três é importante. Afinal é o meu record!) Mas para a minha namorada digo que sou da estatura mediana, ao que ela insiste em dizer medi anã... Mas isto é relativo. No Japão por exemplo, quando me apresentei, uma japonesinha falou para outra: - Quem é aquele loiro alto, lá na porta? A grande massa (feminina entende-se. Pois muito homem junto, no máximo dá torcida de futebol ou alistamento militar) insiste em dizer que se eu tivesse mais 20 cm e mais 20 milhões, seria o homem ideal. Ora, se eu tivesse mais 20 milhões, não precisaria dos 20 cm, claro! Sou compositor por motivação. Fiz para as minhas namoradas, uma modinha de amor, cada vez que alguma me traía. Num total de 645 composições. Muita gente acha graça, mas o importante não é ser traído. O importante é que a mulher da gente seja bela. Pois é sempre melhor dividir um prato de morangos com os amigos que comer sozinho uma prato de merda... Muitos leitores podem escandalizar-se com a palavra merda. Mas não vejo porquê. AFINAL A SITUAÇÃO DO PAÍS NÃO ESTÁ OUTRA COISA... Há dez anos atrás a palavra provocava grande impacto. De aí então o Brasil foi evoluindo... evoluindo... Segundo a Medicina, sei que vou morrer louco (já fiz até meu epitáfio: Juca Chaves – nasceu como um covarde puxado por ferros e morreu como um herói, no campo de batalha, nos braços da mulher amada). Então, resolvi deixar algumas memórias (agora na internet, uma maravilha) como algumas dívidas também. Juca Chaves (Compositor, músico e humorista brasileiro que hoje celebra 70 anos)

terça-feira, outubro 21, 2008

Imagens interiores Mistério das imagens interiores. Imersas nestes mares de abandono as sementes de fogo geram flores: rosas de pó nas lâminas do Outono. Transfigurada, a fria luz de sono vela de cinza a face dos pastores, e os súditos do tempo, e os reis sem trono, sob o mudo legado de outras dores. Na áspera latitude um rio corre branco de eternidade. As nebulosas vão-se formando, enquanto o sonho morre. Há pássaros absortos na obcecada cisma da solidão; e mãos ansiosas abrem portas de sombra para o nada. Waldemar Lopes* *poeta pernambucano

segunda-feira, outubro 20, 2008

Discriminação Os estrangeiros que sejam portadores do vírus da SIDA (ainda) não podem entrar nos Estados Unidos, o que coloca o país “exportador” da democracia e dos direitos humanos na interessante companhia da Arábia Saudita, da Líbia e do Sudão. A proibição surgiu no fim dos anos oitenta, no meio da histeria e falta de informação que rodeou o aparecimento do HIV/SIDA. E, apesar de, pouco tempo depois, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) ter reconhecido que o vírus não se transmitia através de contactos sociais, o medo irracional levou a que o Congresso transformasse a proibição em lei. Como consequência, refugiados, investigadores e estudantes seropositivos têm sido proibidos de entrar nos Estados Unidos, o que levou a que, durante 15 anos, não se realizasse no país nenhuma conferência científica importante sobre HIV/SIDA. Acresce que mesmo os estrangeiros que têm autorização de residência, se contraírem o vírus vêm ser-lhes automaticamente negado qualquer pedido de cidadania. Ainda há pouco tempo li um artigo de um escritor inglês, residente legalmente nos Estados Unidos há mais de 20 anos, que diz não conseguir obter a cidadania apesar de ser um dramaturgo muito representado porque, entretanto, contraiu o vírus. No fim de Julho, O Congresso acabou com a proibição para os estrangeiros seropositivos que queiram visitar os Estados Unidos ou emigrar para lá, mas tudo continua na mesma pois o HHS ainda não teve tempo de (ou não quis) rever as regras. Assim vai o país das liberdades no final de 2008.

domingo, outubro 19, 2008

O rio Uma gota de chuva A mais, e o ventre grávido Estremeceu, da terra. Através de antigos Sedimentos, rochas Ignoradas, ouro Carvão, ferro e mármore Um fio cristalino Distante milênios Partiu fragilmente Sequioso de espaço Em busca de luz. Um rio nasceu. Vinicius de Moraes

sábado, outubro 18, 2008

O picheleiro
Quem anda à chuva, molha-se” e “apanha-se mais depressa um mentiroso do que um coxo”, são ditados portugueses que assentam como uma luva ao candidato republicano à presidência dos Estados Unidos e ao novo herói da direita estado-unidense, um tal “Joe the Plumber”. Samuel Joe Wurzelbacher era, até há uma semana, um modesto operário funileiro que vive nos arredores de Toledo, no Ohio mas, no passado fim de semana, interpelou Barack Obama durante uma visita para se queixar das propostas do candidato democrata sobre impostos, perguntando-lhe se acreditava no sonho americano e afirmando que estava consternado com a perspectiva de ter de pagar impostos mais elevados como dono de um pequeno negócio. Com a cobertura mediática que rodeia a campanha, o Joe tornou-se uma estrela dos republicanos, de tal forma que McCain o citou vezes sem conta (houve quem contabilizasse pelo menos duas dúzias de referências) no último debate entre candidatos, mais parecendo que o Joe the Plumber tinha substituído Palin na corrida à vice-presidência. Mas, segundo outro velho ditado, “não há bela sem senão” e a nova estrela passou a ser alvo de um escrutínio cerrado que veio revelar algumas coisas interessantes. Afinal, Joe nunca teve uma licença de picheleiro, a qual é obrigatória para exercer a profissão em Toledo e nos municípios vizinhos, não pertence à Associação dos Picheleiros Unidos local, nunca completou um curso de aprendizagem e não pertence ao sindicato dos picheleiros, que apoia Obama. Além disso, de acordo com especialistas em impostos, não é provável que, quer os seus impostos pessoais quer os do negócio onde trabalha, vejam os seus impostos aumentar, antes pelo contrário. Como Joe trabalha com o dono de uma pichelaria que apenas tem os dois como empregados, mesmo que o rendimento do negócio, após despesas, fosse dividido pelos dois, ambos veriam os seus impostos baixar. Pelos vistos, a expressão de McCain na fotografia acima é mais provocada pelo mentir do que pelo coxear. É que o picheleiro saiu-lhe pior do que o José e a Maria ao Portas.

sexta-feira, outubro 17, 2008

Um mundo É um sonho ou talvez só uma pausa na penumbra. Esta massa obscura que ela revolve nas águas são estrelas. Entre aromas e cores, um barco de calcário prossegue uma viagem imóvel num jardim. Vejo a brancura entre os astros e os ramos. Dir-se-ia que o ser respira e se deslumbra e que tudo ascende sob um sopro silencioso. Nenhum sentido mas os signos amam-se e o brilho e o rumor formam um mundo. António Ramos Rosa - in Acordes (no dia do 84º aniversário)

quinta-feira, outubro 16, 2008

A tempestade de gelo e outras histórias Onde se fala do horror dos islandeses por terem passado, da noite para o dia, de país rico a país falido, num conjunto de acontecimentos digno de um novo romance Kafkiano; da agitação dos londrinos com o desastre do outro lado do Atlântico, que lhes traz de volta a recordação dos bombardeamentos da II Guerra Mundial e que já consumiu parte das suas reformas; do espanto dos irlandeses, que se interrogam sobre o que aconteceu ao Tigre Celta e sobre se o sua riqueza alguma vez existiu; e da calma com que os alemães encaram a tempestade que vai varrendo as economias, um pouco por todo o lado. Cá no rectângulo, a avaliar pelas reacções ao OE, tudo vai bem...

quarta-feira, outubro 15, 2008

Amanhecer Do dia, lá fora, a nuança: é o galo que lança borrifos de aurora. Barroso Gomes* *poeta brasileiro

terça-feira, outubro 14, 2008

Falta de ética e prepotência

Uma investigação conduzida por uma Comissão de Inquérito (dominada pelos republicanos) do Senado e da Câmara dos Representantes do Estado do Alasca, cujos resultados foram divulgados na sexta feira, dia 10, considerou que a governadora Sarah Palin infringiu a ética governativa do Estado, abusando do seu poder de governadora para levar a cabo uma vingança pessoal contra o ex-cunhado que se tinha divorciado da irmã num disputado processo judicial. Quando foi eleita para o cargo, a governadora tentou que o comissário da polícia estadual despedisse o ex-cunhado, um elemento da policia montada do Alasca. Como o comissário não se curvou à sua vontade, foi demitido. O inquérito, que alguns republicanos tinham tentado bloquear (o que o Supremo Tribunal do Alasca recusou), concluiu que a Governadora, para além da sua própria pressão junto do comissário, autorizou abusivamente o seu marido a usar recursos estaduais, tais como o gabinete da Governadora e os seus recursos, incluindo o acesso a vários empregados estaduais (num total de 7) para conseguir a demissão do ex-cunhado, num claro processo de vingança pessoal. De realçar que a Governadora, depois de se ter comprometido a colaborar no inquérito, quebrou a sua promessa após ter sido escolhida como candidata à vice-presidência. Depois do incitamento ao ódio racial contra Obama e de ter levado turbas ululantes a gritar “traidor”, “mentiroso”, “terrorista”, “matem-no” e “cortem-lhe a cabeça”, mais uma “flor” no ramalhete de uma sacripanta fundamentalista e pseudo-defensora da moral e dos bons costumes. Cáspite!

segunda-feira, outubro 13, 2008

Auto-retrato Provinciano que nunca soube Escolher bem uma gravata; Pernambucano a quem repugna A faca do pernambucano; Poeta ruim que na arte da prosa Envelheceu na infância da arte, E até mesmo escrevendo crônicas Ficou cronista de província; Arquiteto falhado, músico Falhado (engoliu um dia Um piano, mas o teclado Ficou de fora); sem família, Religião ou filosofia; Mal tendo a inquietação de espírito Que vem do sobrenatural, E em matéria de profissão Um tísico profissional. Manuel Bandeira

domingo, outubro 12, 2008

Transuniversal As constelações do Zodíaco estarão no roteiro das viagens. Iremos a Aldebarã, afrontando as aspas de ouro de Tauro. Na balança estelar de Libra, buscará equilíbrio nosso lastro de sonho. Áries e Capricórnio darão marradas de luz nas cosmonaves. As setas de Sagitário transpassarão os atrevidos invasores. A precisão objetiva da viagem perturbará os presságios dos signos. Iremos a Aldebarã. Helena Kolody* *poetisa brasileira

sábado, outubro 11, 2008

Existem católicos e católicos Divulgou-se recentemente o atual número de católicos no mundo: algo em torno de 1,13 bilhão, o que corresponde a cerca de 17% da população mundial. Sabemos, contudo, que há católicos e católicos. Arrisco a classificação de pelo menos quatro tipos. Primeiramente, o famoso católico não-praticante. Milhões de pessoas batizadas, sem grande contato com a religião. Não têm vida sacramental estável, não são contra nem a favor das regras do jogo, porque as desconhecem. Católicos para quem as epístolas foram as irmãs dos apóstolos... Não-praticante do catolicismo, este católico pratica um pouco de tudo, e vai levando. Sua vulnerabilidade espiritual pode levá-lo a aderir a qualquer coisa, até mesmo a movimentos católicos... Temos o não-católico praticante. Aquele que pratica a caridade sem saber que é virtude teologal. Que acredita em Deus sem saber que no Deus Uno e Trino acredita. Atira onde não vê e acerta onde não espera: tem na esperança outra virtude oculta. O não-católico pode seguir outras religiões, pode considerar-se adversário do catolicismo. Talvez seja até melhor, para ele, não saber que é canonizável. Está a salvo da vaidade de querer ser santo. A prática longe da instituição, longe da Igreja, mas perto de Deus. O praticante não-católico é uma aberração interessante. Missa diária, terço diário, confissão semanal, mortificação, Bíblia, conhecimentos teológicos, apologética, liturgia, proselitismo, mas esquecimento do essencial. É capaz de humilhar o irmão, achando que recebeu do Pai autorização para tanto. Beija a mão do papa... e depois abraça o demônio. Despreza o não-praticante, o agnóstico, e fica imaginando como pode Deus ser tão descuidado, deixando hereges e ateus soltos por aí. E há o católico por um triz, desconfiado de sua própria catolicidade. Pratica o que manda a consciência, mantendo um olho no padre e outro na missa. Procura ser menos papa do que o Papa. Basta um. Quer separar o joio do trigo, mesmo que digam ser tudo trigo. Quer descobrir o trigo no meio do joio, mesmo que digam ser tudo joio. Os sacramentos o alimentam, mas está sempre com fome. Reza sabendo que Deus sabe mais. Não sei como o Vaticano vai lidar com esses e outros tipos de católicos. Os números escondem a realidade. Cristo disse: "Sou o caminho". Mas não se tratava de uma rodovia. O caminho no meio do deserto não tem muretas nem semáforos. Gabriel Perissé* *professor e escritor Publicado no jornal digital Correio da Cidadania

sexta-feira, outubro 10, 2008

HOMEM SÓ Além da janela, os ramos verdes e um resto de tarde se apagando. Mulheres de branco, os rostos parados e frios, passam. Algumas colhem flores friamente, como se não colhessem flores, Homens tristes e abandonados descem do alto da rua. Vem do trabalho que ficou lá no fim da cidade, e trazem para suas mulheres suor, pão quente e amor. Sempre há amor nos homens quando as tardes findam. E sempre haverá mulheres de branco apanhando flores, quando as tardes findam. Há amor também no homem só que está por trás da janela e se embala numa rede azul. Um azul que vai e vem e que arranca do homem uma canção que se apaga com a tarde e que vai enchendo de noite o entardecer do quarto. Berilo Wanderley* *poeta brasileiro

quinta-feira, outubro 09, 2008

Executado há 41 anos Os olhos de sombra olham mas não vêem As bocas de fogo falam mas não dizem Outubro traz um luto sem remédio Com seus pássaros em círculo dentro das crateras Sua chuva de cinzas sobre as sílabas da América. Manuel Alegre (in Che – Caminho 1997)

quarta-feira, outubro 08, 2008

apPAlLINg
Esta mulher é aterradora, tenebrosa e perigosa, muito perigosa. Aterradora porque, com o ar mais seráfico e beatífico deste mundo, comporta-se como uma autêntica rainha da desinformação, espalhando, com falsa simplicidade, mentiras que conseguem convencer e levar ao delírio turbas ululantes. Ao acusar, repetidamente, Obama de andar a confraternizar com um terrorista, citando um artigo do The New York Times e tirando conclusões que a leitura do referido artigo desmente, ainda aproveita a oportunidade para um autêntico ataque racista ao afirmar que “este não é um homem que vê a América da mesma forma que vós e eu vemos a América”. Tenebrosa porque não olha a meios para atingir os seus fins, pisando amigos e inimigos como o comprova a sua carreira política e, quando os atinge, não hesita em levar a cabo a mais crua vingança. E nem tampouco teve engulhos em utilizar o seu bebé com Sindroma de Down para encobrir a gravidez da filha mais velha durante a sua consagração na convenção republicana! Muito perigosa porque, considerando a idade de John McCain, tem grandes possibilidades de vir a assumir o poder total sobre o maior arsenal militar do mundo. A sua ignorância, o seu populismo estudado, a sua capacidade de dissimulação e a sua superficialidade, aliados à sua crença na verdade literal da Bíblia, Livro do Apocalipse incluído, constituem uma seriíssima ameaça ao futuro da humanidade. Afinal de contas, se decidir que a vontade de Deus é carregar no botão das armas nucleares, fá-lo-á convicta de que ela e os “bons” vão para o “paraíso”, ao passo que os "maus" irão para o “inferno”. Não soa a nada familiar?

terça-feira, outubro 07, 2008

Não fui, na infância, como os outros e nunca vi como outros viam. Minhas paixões eu não podia tirar de fonte igual à deles; e era outra a origem da tristeza, e era outro o canto, que acordava o coração para a alegria. Tudo o que amei, amei sozinho. Assim, na minha infância, na alva da tormentosa vida, ergueu-se, no bem, no mal, de cada abismo, a encadear-me, o meu mistério. Veio dos rios, veio da fonte, da rubra escarpa da montanha, do sol, que todo me envolvia em outonais clarões dourados; e dos relâmpagos vermelhos que o céu inteiro incendiavam; e do trovão, da tempestade, daquela nuvem que se alteava, só, no amplo azul do céu puríssimo, como um demónio, ante meus olhos. Edgar Allan Poe

segunda-feira, outubro 06, 2008

Galinha de Cabidela André em seu cubículo. Amontoando bituca na xícara. O bico de luz pendurado na ponta do fio como uma flor seca. O ar empestado de roupa usada a corromper-lhe o olfato. Precisa largar dos vícios, sair um pouco, dizia a mãe no mínimo uma vez por dia batendo na porta a resmungar não sei o que mais. André num puxadinho dos fundos, adestrando a manada dos pensamentos no computador. A luz do monitor reflete um acinzentado de ectoplasma – seda japonesa, poemas de Rimbaud e muita tesão/ no momento deixo assim a decisão/guardo um pouco mais meu arco-íris e, rápido/ passo a chave no porão. Ao perceber a pobreza das rimas teve vontade de torcer-lhe o pescoço. Um suspiro de inveja das letras do Renato Russo enquanto deletava o poema. Torcer o pescoço daquela safada, aquele pescocinho que tanto cobrira de beijos. Na curva da orelha o interruptor do desejo. Quantas vezes quis mergulhar no seu rabo e pronto, mas estava sempre atento aos prelúdios de Vanessa - diz como! - a criatividade masculina posta à prova para tornar mais prazerosas as brincadeiras de tortura - diz quando! - é verdade que se fartava, mas com todo carinho do mundo e agora... Aquela vagabunda! Pois, agora, iria sangrar seu gogó do mesmo jeito que a mãe fazia. Espiou pela fresta da memória e viu-se agarrado à ponta do avental, lá em cima a boca materna tensa no dever de desnucar galinha. Depois, duas mãos com cheiro de pena e de titica dando um jeito em seu topete descomposto de poeira e estripulia, o sol fazendo brilhar o visgo vermelho escuro colhido na bacia, a vida se esvaindo ao compassado do estrebucho da franguinha. Cabidela. Quando guri, não lhe parecia cruel o prato. Pelo contrário. Ao terminá-lo, lambia. Será só imaginação? Será que nada vai acontecer? Dependendo da causa, sacrifícios valem a pena. Deu um tempo na Legião e vazou pra rua. Em cada canto pode-se comprar um pouco de inspiração. A manha é ir fundo. De plantão no postinho da esquina, o mensageiro da coragem. Acomodou algumas gramas no bolso esquerdo do jeans, o que não tinha furo. Pensou na mãe doente ao subir de dois em dois os degraus do prédio da frente. Em cada casa sempre tem alguém de cama. O ouvido de André colado na porta. - Você fica tão, tão pilhado...Caraca, que nariz enorme seu lobo - Vanessa ria, ria alto, a vadia. Os olhos esbugalhados de André na fechadura. Ela no troço do vizinho e o vizinho no teco. Ela. A galinha. Tanta desenvoltura só quando se ama. O que entra pelas pupilas, arde feito lava incandescente. Com dois golpes certeiros risca a cena do mapa. Estátuas e cofres e paredes pintadas. Será que todo sangue fica preto à luz da lua? Depois, vai pela Venâncio até o amanhecer do dia. Quando perversidades dão lugar à moda nas vitrines. Myrian Beck Publicado no jornal digital VIAPOLÍTICA

domingo, outubro 05, 2008

Um poema simples Amanhece. Debruçada à janela ,vejo o movimento dos pescadores. Há contagiante energia. A monotonia, se passa, não encontra onde estacionar. Por alguns minutos, sonho pertencer a tão vibrante universo. Integro-me, desatando os nós que me prendiam à opacidade dos meus dias. Belvedere Bruno* *poetisa brasileira

sábado, outubro 04, 2008

O boi do Orfeu Como sempre fazia, Jocelínio foi cobrar o aluguel de uma casa justamente na hora em que o inquilino não estava lá. Mas a Carmesinda, esposa dele, estava. E era o que interessava. Há meses ele só ia cobrar o aluguel no horário de trabalho do Agenor, aceitava o cafezinho que e Carmesinda fazia na hora para ele e tentava algumas intimidades maiores. Ela não topava, ele saía doidão de lá. Pois, dessa vez, ela estava bem mais acessível. Conversa vai, conversa vem, em vez do café, ela ofereceu um licorzinho de jabuticaba, tomou um cálice junto e, para resumir, pouco tempo depois estavam na cama, peladinhos da silva. Mas, justamente nesse dia, o pedreiro Agenor resolveu parar o trabalho mais cedo, não estava com saco para ficar rebocando paredes. Foi para casa, com intenção de ficar à toa o resto da tarde. Entrou quieto, não viu a mulher na sala, nem na cozinha, foi para o quarto de casal, de onde vinham alguns ruídos, e deu de cara com aquela cena. Se já tinha raiva de Jocelínio por ter que lhe pagar um aluguel que achava injusto, ali tinha mais um motivo para dar-lhe uma surra. E deu. Encheu o Jocelínio de porretadas, deixando sobrar algumas para a Carmesinda. Apesar dos ferimentos doloridos, a grande preocupação do Jocelínio era outra, aquela do “que é que eu vou dizer lá em casa”. - Dita, olha só o que aquele maldito boi do Orfeu fez comigo – inventou para a esposa. – Eu vinha vindo da roça e ele me pegou de jeito. Desgraçado, eu ainda mato aquele boi... Ela fingiu que acreditou. Mas, desse dia em diante ninguém se lembra mais do nome do Jocelínio, pois ele só é conhecido pelo apelido, boi do Orfeu. Mouzar Benedito Publicado no jornal digital VIAPOLÍTICA

sexta-feira, outubro 03, 2008

700.000.000.000 de dólares
Setecentos mil milhões de dólares é um balúrdio de massa. Um sete seguido de onze zeros! Se eu fosse cidadão estado-unidense, a esta hora estava pior do que estragado pois, à segunda tentativa e numa jogada que conseguiu inverter a habitual ordem das aprovações (é usual votar primeiro a Câmara dos Representes e só depois o Senado), o Mr. W. conseguiu levar os Representantes a aprovar o plano Paulson que tinham recusado na segunda feira e que representa a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos. Como cidadão português sem quaisquer responsabilidades políticas, considero que, para já, os contribuintes estado-unidenses já comeram as favas todas e as perspectivas de aí vir uma abada para nós comermos ficaram substancialmente reduzidas. Como diria o outro, é a vida! Mas, mesmo assim, não vejo motivos para festejar. É que o cónego Sarkozy pretende fazer o mesmo na EU.

quinta-feira, outubro 02, 2008

Luta pela sobrevivência Tim Downing é um escritor e jornalista com reputação de ter um requintado sentido de humor e a sua coluna de hoje, no Guardian, é uma prova disso. No meio da crise financeira que domina a cena internacional e a campanha presidencial dos Estados Unidos, analisa a intrigante luta pela sobrevivência entre dois velhos adversários: o urso polar e a candidata à vice-presidência pelos republicanos, Sarah Palin. Utilizando uma fina análise SWOT (forças, fraquezas, oportunidades e ameaças), percorre as várias componentes da luta, desde o habitat até à maior ameaça à sobrevivência, passando pelo estado de conservação, pelo arsenal predatório, pelo impacto nas mudanças climáticas e pelos maiores apoiantes de cada um dos oponentes. Para saborear com gosto, aqui.

quarta-feira, outubro 01, 2008

Mas o que é a escola? A escola não é ilha isolada no oceano social. Não é lugar para guardar crianças, ou reformá-las, embora possa ajudar, orientar e até alimentar. A escola não é paraíso. Nem inferno. A escola não está aí por acaso. A escola salvará a sociedade se a sociedade salvar a escola. Os professores na escola não são mágicos, não são heróis (embora heroísmo não falte a muitos deles), não são gênios (muito menos da lâmpada), não são mercenários, não são santos, não são famosos, não são poucos, não são suficientes, não são muitos, não são o que pensamos que são. Os professores são pessoas cuja profissão é ajudar na humanização de outras pessoas, os alunos. Cabe aos professores avaliarem os alunos. Avaliação não é punição. Não é acusação. Não é vingança. Não é fatalismo. Não é perseguição. Não é condescendência. Cabe aos pais acompanharem os filhos. Conversar com os filhos sobre a escola. Conversar com a escola sobre os filhos. Conversarem pai e mãe entre si sobre a escola que os filhos freqüentam. Cabe aos alunos entenderem a escola. Cuidarem dela. Defendê-la. A escola não é ponto de tráfico de drogas. A escola não é a sede do tédio. Não é apenas lugar de encontro. Mas o que é a escola mesmo? A escola não é uma idéia vaga. Não é um lugar onde há ou não há vagas. Não é vagão de trem onde entramos e do qual saímos quando chega à próxima estação. A escola não é a sua quadra de esportes, não é um conjunto de salas de aula, não são suas paredes (sujas ou limpas), janelas (abertas ou fechadas), portas (com cadeados ou não), armários (vazios ou cheios), escadas (perigosas ou seguras), computadores (novos ou obsoletos), bibliotecas (reais ou fictícias). A escola não é o que vemos. A escola não é arquivo morto. A escola não é cabide de empregos. Não é moeda de troca política. Não é campo de batalha. Não é um curso de idiomas. Não é empresa competitiva. A escola não é clube, não é feira, não é igreja, não é partido. A escola, o que é? Sabe a escola nos dizer o que ela é? Alguém sabe? A escola é um problema insolúvel. A escola é uma probabilidade. A escola é uma experiência. A escola é uma esperança. Gabriel Perissé* *professor e escritor Publicado no jornal digital Correio da Cidadania