sábado, fevereiro 03, 2007

Desmistificar fantasias – VI O valor simbólico dos embriões humanosA segunda perspectiva influente admite que somente os seres sencientes, dos quais as pessoas são uma subclasse, são candidatos apropriados à consideração moral directa. De acordo com este ponto de vista, apresentado por Steinbock (1992), os embriões não são pessoas mas também não são semelhantes a qualquer outro tecido corpóreo. Deve ser-lhes conferido respeito como formas de vida humana em desenvolvimento. Assim, os embriões não têm estatuto moral mas têm valor moral e pode ser-lhes conferida consideração moral indirecta, como às árvores ou às obras de arte. Steinbock sustenta que os embriões humanos impõem respeito porque representam o princípio da vida humana, analogamente aos restos mortais humanos que impõem respeito visto que representam o fim da vida humana. Para mostrar respeito pelos restos mortais humanos, seguimos rituais que variam de cultura para cultura e que celebram o fim de uma vida humana. É difícil demonstrar que obrigações nos impõe o respeito pelos embriões com base no seu valor simbólico. Quer para Steinbock (1992) quer para Robertson (1995) os embriões humanos ocupam aquele espaço entre as pessoas totalmente desenvolvidas com direitos e interesses e os seres não sencientes sem valor simbólico. Assim, o respeito a que estamos obrigados para com os embriões não é tão grande como o respeito a que estamos obrigados para com os seres com interesses. Steinbock sustenta que temos obrigação de respeitar os embriões delimitando a sua utilização a objectivos moralmente relevantes. Esta autora força a analogia com as autópsias em cadáveres ou com a utilização de corpos mortos para fins de educação médica: certas práticas são permitidas quando existe uma boa razão para as efectuar. Assim, não há objecção à utilização de embriões humanos na investigação em células estaminais quando este tipo de investigação tem o objectivo de salvar vidas humanas e é considerado moralmente relevante. Mas haveria objecções à utilização de embriões para fins mais insignificantes ou fúteis, como, por exemplo, testes de toxicologia de cosméticos. Robertson (1995) defende uma perspectiva muito semelhante e afirma que o valor dos embriões humanos tem de ceder aos interesses das pessoas que podem ser fomentados por via investigação científica. Mas combinada com um conceito "tudo-ou-nada" de respeito, de acordo com o qual o respeito não admite gradações, a perspectiva de que os embriões têm valor simbólico podia dar lugar a uma objecção à investigação em células estaminais embrionárias. O argumento seria o seguinte: i) se devemos, de todo em todo, algum respeito aos embriões, devemos-lhes a mesma quantidade de respeito que devemos às pessoas humanas; ii) nós tratamos respeitosamente as pessoas, nunca as usando apenas como meios; iii) os embriões têm valor simbólico e requerem tratamento respeitoso; iv) portanto, os embriões nunca devem ser utilizados apenas como meios, ainda que os nossos fins sejam moralmente relevantes. Esta é uma perspectiva do valor simbólico, segundo a qual este derrota a utilidade, e seria um desafio directo à permissibilidade da investigação em células estaminais em embriões. Ambas as perspectivas se baseiam no conceito de valor simbólico que precisa de se tornar exacto e não se pode meramente ilustrar apenas por meio de analogias, visto que as analogias são sempre imperfeitas. Mesmo admitindo que a forma pela qual as entidades adquirem valor simbólico é sempre arbitrária até certo ponto, persiste uma importante questão: como é que o valor simbólico iguala o valor moral? Nenhuma justificação convincente da relevância moral do valor simbólico foi apresentada até agora. Como Jonathan Glover frisou numa conferência recente em Veneza (20-22 de Novembro de 2003), o valor simbólico, tal como foi apresentado por Steinbock como analogia por referência à bandeira americana, somente protege as bandeiras se uma atitude específica para com elas for incontroversa. Glover fez notar que, enquanto os americanos podem reverenciar universalmente a bandeira deles, os britânicos tendem a ter para com a sua uma atitude mais gracejante e irreverente, pintando-a muitas vezes em cuecas e sutiãs. Segue-se que o valor simbólico pode permitir uma ampla série de respostas, incluindo a irreverência e a instrumentalização”. Lisa Bortolotti e John Harris Esta é a última das seis postas dedicada ao tema Desmistificar fantasias. Como escrevi na primeira, os argumentos que se aplicam à investigação em células estaminais são, também, aplicáveis à IVG até às 10 semanas. Se algum leitor ficou mais esclarecido, já valeu a pena. Se algum indeciso decidiu votar SIM depois destas leituras, nem que seja só um, valeu muito mais.

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Lino,
Espero que muita gente esteja a seguir as suas postas, pois anda por aí muita gente baralhada.
Abraço!