Morrer, em pleno século XXI e no país mais rico do mundo, em virtude de uma dor de dentes não tratada a tempo parece inconcebível. Mas foi o que aconteceu a Deamonte Driver, um adolescente de 12 anos, de Prince Gerorge’s County, Maryland, Estados Unidos. Mais inconcebível, ainda, é que uma extracção de rotina do dente, que custa 80 dólares, talvez o pudesse ter salvo se: a sua mãe tivesse seguro; a sua família não tivesse perdido temporariamente o seu Medicaid (sistema público de saúde para as famílias de baixos rendimentos, co-financiado pelo orçamento federal e pelos orçamentos estaduais), talvez devido a extravio de documentos; não fosse tão difícil encontrar dentistas que trabalhem para o Medicaid; a sua mãe não estivesse, há meses, concentrada em arranjar um dentista para o irmão de 10 anos, que tinha 6 dentes apodrecidos. Assim, quando a dor de dentes do Deamonte mereceu atenção médica, as bactérias provenientes do abcesso já se tinham disseminado pelo cérebro, segundo disseram os médicos; depois de duas intervenções cirúrgicas e mais de 6 semanas de internamento no hospital, o jovem faleceu no passado domingo. O mais absurdo de tudo é que o custo total dos tratamentos a que acabou por ser submetido poderá ultrapassar os 250.000 dólares, o que daria, pelo menos, para 3.125 extracções de rotina. Pode ler aqui a história completa.
How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
quarta-feira, fevereiro 28, 2007
A águia e a macroeconomia
Há anos, quando escrevi o livro A águia e a galinha, uma metáfora da condição humana, estudei a fundo o comportamento das águias. E percebi que nele há grandes lições que podemos aplicar a situações atuais. Hoje me proponho recolher uma delas que não pôde ser explorada no referido livro: a forma como as águias ensinam seus filhotes a ser autônomos e a voar com suas próprias forças.
É sabido que as águias fazem seus ninhos no alto das montanhas ou na copa das grandes árvores. O tamanho do ninho é considerável: um metro de altura, três de comprimento e dois de largura. Depois de nascer, os filhotes ficam aí por dois meses, alimentados pela mãe até estarem aptos a voar.
Após certo tempo, a mãe escasseia a comida. Em substituição, começa a pairar longamente sobre o ninho a fim de mostrar aos filhotes o vigor de suas asas e sua capacidade de voar. Então desce sobre o ninho e começa a empurrar o filhote contra a borda até fazê-lo cair. E ao cair, se apressa em ampará-lo sobre suas asas estendidas. E depois o devolve ao ninho. Repete várias vezes a cena, pairando sobre o ninho, fazendo círculos para desafiar os filhotes a superarem o medo, a confiarem em suas jovens asas e a quererem voar. E faz isso até os filhotes se libertarem. Curiosamente o livro do Deuteronômio testemunha este fato: "Deus é semelhante à águia que desperta a ninhada, voando sobre seus filhotes, estendendo as asas para segurá-los e carregá-los sobre suas penas" (32,11).
É a prova de risco e de coragem a que a mãe-águia submete o filhote para que ganhe confiança em suas próprias forças e comece a voar autonomamente. A fim de impedir que volte ao ninho, remexe as folhas e os galhos para fazê-lo não mais habitável. Finalmente, o filhote começa a voar e procura por ele mesmo o seu próprio alimento. Agora é já águia adulta.
A lição é cristalina: não podemos ficar eternamente no berço e sob a asas dos pais. Há que enfrentar a vida com seus desafios que muitas vezes nos fazem dizer:"Meu Deus, será que estou à altura"? Percebemos o risco e a possibilidade do fracasso. Mesmo que fracassemos, sempre podemos aprender. Por outro lado, nunca falta alguma asa a nos amparar e algum ombro amigo no qual podemos nos apoiar. Resumindo: vamos ganhando coragem para voar por nós mesmos e seguir o rumo que nós mesmos traçamos.
Outra lição: as tarefas que nos propomos, devem conter exigências que pareçam ir além de nossas forças. Caso contrário, não descobrimos nosso poder nem conhecemos nossas energias escondidas e assim deixamos de crescer.
Esta lição aplico-a à atual política econômica do Governo. Sabidamente manteve-se a macroeconomia neo-liberal, aceitando o receituário do FMI e do Banco Mundial. O que obrigou a sacrificar as políticas sociais punindo os pobres. É a opção preguiçosa dos que preferem ser galinhas a águias. Recusam a difícil alternativa de discutir, negociar e pressionar até abrir um caminho novo que faça da economia um instrumento da política social voltada para as maiorias. Essa atitude os faria ser águias e não galinhas. Estes é que garantem as transformações sociais imprescindíveis para superar as desigualdades gritantes. O destino de um povo é ser águia e voar autonomamente. Missão dos políticos é fazer o que fazem as águias com os filhotes: estimular o povo a voar livremente e a plasmar o destino de seu pais.
Leonardo Boff
Publicado no site do autor em 25/02/2005 e aqui afixado com a sua autorização.
Nota: qualquer semelhança com a realidade portuguesa não é mera coincidência.
terça-feira, fevereiro 27, 2007
75 anos de uma diva
Nascida em 27 de Fevereiro de 1922, em Hampstead, Londres, Elizabeth Taylor celebra hoje o seu septuagésimo quinto aniversário.
Protagonista de mais de 60 filmes, recebeu dois Óscares para melhor actriz, o primeiro em 1960, por Butterfield 8 e o segundo em 1966, por Quem Tem Medo de Virgínia Woolf tendo, ainda, sido nomeada por mais três vezes para o Óscar de melhor actriz: em 1957 por Raintree County, em 1958 por Gata Em Telhado de Zinco Quente e em 1959 por Bruscamente no Verão Passado.
Em 1963 tornou-se a estrela de cinema mais bem paga até então, ao receber 1 milhão de dólares para protagonizar Cleópatra, ao lado de Richard Burton, que veio a ser o quinto e o sexto dos seus oito maridos.
Actuou também no teatro, na Broadway e West End, e em várias séries televisivas.
Tem a mão e o pé impressos na fachada do Grauman's Chinese Theater, uma estrela no passeio da fama e foram-lhe atribuídos inúmeros prémios e condecorações, entre os quais pela rainha de Inglaterra em 1999 e por Bill Clinton em 2001.
Sobreviveu a uma intervenção a um tumor benigno do cérebro, a falhas cardíacas, a duas pneumonias e a um cancro da pele. Confinada a uma cadeira de rodas, continua a celebrar a vida e a dedicar-se a causas humanitárias, com relevo da luta contra a SIDA.
Nascida em 27 de Fevereiro de 1922, em Hampstead, Londres, Elizabeth Taylor celebra hoje o seu septuagésimo quinto aniversário.
Protagonista de mais de 60 filmes, recebeu dois Óscares para melhor actriz, o primeiro em 1960, por Butterfield 8 e o segundo em 1966, por Quem Tem Medo de Virgínia Woolf tendo, ainda, sido nomeada por mais três vezes para o Óscar de melhor actriz: em 1957 por Raintree County, em 1958 por Gata Em Telhado de Zinco Quente e em 1959 por Bruscamente no Verão Passado.
Em 1963 tornou-se a estrela de cinema mais bem paga até então, ao receber 1 milhão de dólares para protagonizar Cleópatra, ao lado de Richard Burton, que veio a ser o quinto e o sexto dos seus oito maridos.
Actuou também no teatro, na Broadway e West End, e em várias séries televisivas.
Tem a mão e o pé impressos na fachada do Grauman's Chinese Theater, uma estrela no passeio da fama e foram-lhe atribuídos inúmeros prémios e condecorações, entre os quais pela rainha de Inglaterra em 1999 e por Bill Clinton em 2001.
Sobreviveu a uma intervenção a um tumor benigno do cérebro, a falhas cardíacas, a duas pneumonias e a um cancro da pele. Confinada a uma cadeira de rodas, continua a celebrar a vida e a dedicar-se a causas humanitárias, com relevo da luta contra a SIDA.
segunda-feira, fevereiro 26, 2007
Os Cantos do Crepúsculo
Desde que eu meu lábio levei ao copo plenamente cheio,
Desde que eu minhas mãos coloquei em minha fronte pálida,
Desde que eu respirei às vezes o sopro suave
De tua alma , perfume de tua sombra enterrada,
Desde que me era dado ouvir um ao outro me chamar
As palavras que se derramam no coração misterioso,
Desde que eu vi chorar, desde que eu vi sorrir
Sua boca em minha boca e seus olhos em meus olhos;
Desde que eu vi brilhar em minha cabeça encantada
Um raio de tua estrela, ai! sempre escondida,
Desde que eu vi desabar nas ondas de minha vida
Uma folha de rosa arrancou os teus dias,
Eu me coloco agora a contar os rápidos anos:
- Passam! Passam sempre! Eu não tenho mais a idade !
Vou partir para que tuas flores desbotem todas;
Eu tenho na alma uma flor que ninguém pode colher!
Suas asas batendo não farão que nada se derrame
Do vaso d’água que bebo e que eu bem enchi
Minha alma não tem mais fogo do que vós possuís em cinzas!
Meu coração não tem mais amor do que vós possuís esquecimento!
Vitor Hugo
domingo, fevereiro 25, 2007
Manias!
O mundo é velha cena ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.
Eu sei um bom rapaz, – hoje uma ossada, –
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.
Aos domingos a deia já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,
Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!
Cesário Verde
(no 152º aniversário do seu nascimento)
sábado, fevereiro 24, 2007
E Esta?
Antropólogos da Universidade Estadual do Iowa, após uma investigação levada a cabo entre Março de 2005 e Julho de 2006, acabam de divulgar uma descoberta surpreendente.
Um grupo de chimpanzés, de que faz parte a fêmea da imagem acima, de nome Tia, foi visto a talhar, a partir de ramos de árvores, lanças capazes de matar, utilizando-as depois para caçar pequenos mamíferos – a primeira prática de produção de armas mortais alguma vez observada em animais não humanos.
A prática de fabricar lanças utilizando múltiplos passos, documentada pelos investigadores no Senegal, onde passaram anos ganhar a confiança dos chimpanzés, aumenta a credibilidade da ideia de que os antepassados dos humanos construíram ferramentas semelhantes há vários milhões de anos.
A extraordinária observação também apoia a longamente debatida asserção de que as fêmeas – as principais artífices e utilizadoras entre os chimpanzés senegaleses – têm a tendência para serem inovadoras e solucionadoras criativas de problemas na cultura primata, já que, tendo os investigadores documentado 22 casos de fabrico e utilização de lanças, dois terços envolveram fêmeas.
Nesta imagem ao lado pode ver-se a fotografia de uma das lanças, com cerca de 70 cm de comprimento.
As presas são uma espécie de lémures, pequenos símios conhecidos como Galago senegalensis, que pesam cerca de 250 gramas e dormem, durante o dia, em buracos nos troncos das árvores. Numa sequência típica, o chimpanzé descobriu primeiro um buraco capaz de abrigar a presa, partiu um ramo de árvore direito, com as mãos e os dentes retirou-lhe as folhas e os raminhos, afiou-o com os dentes e, depois, impeliu-o repetidamente para dentro da concavidade, a uma média de 2 estocadas por segundo. Depois de cada pequena série de estocadas, cheirou ou lambeu a lança, como se estivesse a testar se tinha apanhado alguma coisa.
Só numa das 22 observações um chimpanzé conseguiu apanhar a presa, mas a líder da investigação disse que isso é razoavelmente eficiente, comparado com a forma habitual de os chimpanzés caçarem, que consiste em perseguir um macaco ou outra presa, agarrá-la pelo rabo e bater-lhe com a cabeça, com força, contra o chão. No caso em que foi bem sucedido, o chimpanzé, depois de ter usado o pau afiado, saltou em cima do buraco da árvore até ele se partir, expondo o lémure, que extraiu.
O artigo, publicado na revista científica “Current Biology”, está acessível ao público em geral. Também a Universidade e a National Geographic dedicaram um amplo espaço à descoberta.
(fotografia da Tia: Maja Gasporic-AP)
Antropólogos da Universidade Estadual do Iowa, após uma investigação levada a cabo entre Março de 2005 e Julho de 2006, acabam de divulgar uma descoberta surpreendente.
Um grupo de chimpanzés, de que faz parte a fêmea da imagem acima, de nome Tia, foi visto a talhar, a partir de ramos de árvores, lanças capazes de matar, utilizando-as depois para caçar pequenos mamíferos – a primeira prática de produção de armas mortais alguma vez observada em animais não humanos.
A prática de fabricar lanças utilizando múltiplos passos, documentada pelos investigadores no Senegal, onde passaram anos ganhar a confiança dos chimpanzés, aumenta a credibilidade da ideia de que os antepassados dos humanos construíram ferramentas semelhantes há vários milhões de anos.
A extraordinária observação também apoia a longamente debatida asserção de que as fêmeas – as principais artífices e utilizadoras entre os chimpanzés senegaleses – têm a tendência para serem inovadoras e solucionadoras criativas de problemas na cultura primata, já que, tendo os investigadores documentado 22 casos de fabrico e utilização de lanças, dois terços envolveram fêmeas.
Nesta imagem ao lado pode ver-se a fotografia de uma das lanças, com cerca de 70 cm de comprimento.
As presas são uma espécie de lémures, pequenos símios conhecidos como Galago senegalensis, que pesam cerca de 250 gramas e dormem, durante o dia, em buracos nos troncos das árvores. Numa sequência típica, o chimpanzé descobriu primeiro um buraco capaz de abrigar a presa, partiu um ramo de árvore direito, com as mãos e os dentes retirou-lhe as folhas e os raminhos, afiou-o com os dentes e, depois, impeliu-o repetidamente para dentro da concavidade, a uma média de 2 estocadas por segundo. Depois de cada pequena série de estocadas, cheirou ou lambeu a lança, como se estivesse a testar se tinha apanhado alguma coisa.
Só numa das 22 observações um chimpanzé conseguiu apanhar a presa, mas a líder da investigação disse que isso é razoavelmente eficiente, comparado com a forma habitual de os chimpanzés caçarem, que consiste em perseguir um macaco ou outra presa, agarrá-la pelo rabo e bater-lhe com a cabeça, com força, contra o chão. No caso em que foi bem sucedido, o chimpanzé, depois de ter usado o pau afiado, saltou em cima do buraco da árvore até ele se partir, expondo o lémure, que extraiu.
O artigo, publicado na revista científica “Current Biology”, está acessível ao público em geral. Também a Universidade e a National Geographic dedicaram um amplo espaço à descoberta.
(fotografia da Tia: Maja Gasporic-AP)
E por vezes
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos. E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.
David Mourão-Ferreira
(No 80º aniversário do seu nascimento)
sexta-feira, fevereiro 23, 2007
O rosto de uma utopia
No dia 23 de Fevereiro de 1987 faleceu, vítima de doença incurável (esclerose lateral amiotrófica), José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, o grande Zeca Afonso.
Foi, juntamente com Adriano Correia de Oliveira, um dos mentores da canção de intervenção em Portugal e um baladeiro/compositor notável, que soube conciliar a música popular portuguesa e os temas tradicionais com a palavra de protesto.
Recordo, comovidamente, aqueles dias dos finais da década de sessenta e princípios da de setenta em que, fechado, ouvia, uma vez e outra, o Zeca, O Adriano e o Luís Cília, num excelente leitor Geloso, de quatro pistas, em que uma única fita, que mão amiga fizera passar na fronteira, debaixo dos olhos da pide, tinha dezasseis horas de música.
Tendo-se tornado, com “Os vampiros”, um símbolo da resistência antifascista, o Zeca viu-se expulso do ensino, devido ao seu activismo contra o regime salazarista, subsistindo durante quase uma década através da música e das explicações.
Após Abril continua a cantar e a ter intervenção política, participando em numerosos “cantos livres” e editando vários álbuns, o último dos quais, “Galinhas do Mato”, em 1985, no qual, devido ao estado avançado da sua doença, já não consegue cantar a totalidade das canções.
No final de 1983 foi-lhe atribuída a Ordem da Liberdade, mas o Zeca, sempre coerente, recusou. Mais tarde, em 1994 foi feita nova tentativa a título póstumo, mas a sua mulher recusou, dizendo que, se o marido a não tinha aceitado em vida, não seria depois de morto que a iria receber.
Era bom que neste 20º aniversário da sua morte alguém se abalançasse à reedição da sua obra musical completa, para que a memória não se apague. Entretanto, deixo-vos com um dos seus sublimes poemas:
Utopia
Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo mas irmão
Capital da alegria
Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu
desafio
Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio este rumo esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?
(Na imagem, estátua do artista em Grândula)
No dia 23 de Fevereiro de 1987 faleceu, vítima de doença incurável (esclerose lateral amiotrófica), José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, o grande Zeca Afonso.
Foi, juntamente com Adriano Correia de Oliveira, um dos mentores da canção de intervenção em Portugal e um baladeiro/compositor notável, que soube conciliar a música popular portuguesa e os temas tradicionais com a palavra de protesto.
Recordo, comovidamente, aqueles dias dos finais da década de sessenta e princípios da de setenta em que, fechado, ouvia, uma vez e outra, o Zeca, O Adriano e o Luís Cília, num excelente leitor Geloso, de quatro pistas, em que uma única fita, que mão amiga fizera passar na fronteira, debaixo dos olhos da pide, tinha dezasseis horas de música.
Tendo-se tornado, com “Os vampiros”, um símbolo da resistência antifascista, o Zeca viu-se expulso do ensino, devido ao seu activismo contra o regime salazarista, subsistindo durante quase uma década através da música e das explicações.
Após Abril continua a cantar e a ter intervenção política, participando em numerosos “cantos livres” e editando vários álbuns, o último dos quais, “Galinhas do Mato”, em 1985, no qual, devido ao estado avançado da sua doença, já não consegue cantar a totalidade das canções.
No final de 1983 foi-lhe atribuída a Ordem da Liberdade, mas o Zeca, sempre coerente, recusou. Mais tarde, em 1994 foi feita nova tentativa a título póstumo, mas a sua mulher recusou, dizendo que, se o marido a não tinha aceitado em vida, não seria depois de morto que a iria receber.
Era bom que neste 20º aniversário da sua morte alguém se abalançasse à reedição da sua obra musical completa, para que a memória não se apague. Entretanto, deixo-vos com um dos seus sublimes poemas:
Utopia
Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo mas irmão
Capital da alegria
Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu
desafio
Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio este rumo esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?
(Na imagem, estátua do artista em Grândula)
quinta-feira, fevereiro 22, 2007
Prazer sexual e Igreja
É comum dizer-se que a Igreja Católica possui fobia sexual e que trata temas da moral familiar e da sexualidade com excessivo rigor. Há certa razão nisso, pois a palavra "prazer" suscita nela preocupações e, em se tratando então do "prazer sexual", suspeitas. Ela, na verdade, educou mais para a renúncia do que para a alegre celebração da vida.
Entretanto, nem sempre foi assim. Dentro da mesma Igreja, há tradições e doutrinas que vêem no prazer e na sexualidade uma manifestação da criação boa de Deus, uma centelha do Divino e uma participação no ser mesmo de Deus. Esta linha se liga antes à tradição bíblica que vê com naturalidade e até com entusiasmo o amor entre um homem e uma mulher, com toda sua carga erótica, como plasticamente o descreve o Cântico dos Cânticos, com seios, lábios, vulvas e beijos.
Mas esta linha não vingou na cristandade. Ao contrário, predominou a negativa por causa da influência poderosa que o gênio de Santo Agostinho (354-430) exerceu sobre toda a Igreja Romana. Não cabe aqui identificar a base material e sócio-cultural que permitiu esta incorporação. Mas importa reconhecer o caráter fortemente negativo de sua visão, embora tenha sido, como jovem, muito ativo sexualmente, a ponto de ter tido um filho, Deodato. Em seus Solilóquios diz:"Quanto a mim, penso que as relações sexuais devem ser radicalmente evitadas. Estimo que nada avilta mais o espírito de um homem do que as carícias sensuais de uma mulher e as relações corporais que fazem parte do matrimônio". Pode a Igreja que afirma o amor humano assumir tal doutrina?
Mas não devemos absolutizar a posição rigorista da Igreja oficial. Ao lado dela sempre se fez presente também a outra, positiva e corajosa. Com efeito, uma ideologia, por mais incisiva que seja como aquela de Santo Agostinho, não tem a força suficiente para recalcar o prazer sexual, já que este se enraíza no mistério mesmo da criação de Deus. Ele, aqui e acolá, queira a Igreja ou não, sempre faz valer seus reclamos.
Para ilustrar a tradição positiva da sexualidade cabe citar aqui uma manifestação que perdurou na Igreja por mais de mil anos, conhecida pelo nome de "risus paschalis", de "riso pascal". Ela significa a presença do prazer sexual no espaço do sagrado, na celebração da maior festa cristã, a da Páscoa. Trata-se do seguinte fato, estudado com grande erudição por uma teóloga italiana Maria Caterina Jacobelli (Il risus paschalis e il fondamento teologico del piacere sessuale, Brescia 2004): para ressaltar a explosão de alegria da Páscoa em contraposição à tristeza da Quaresma, o sacerdote na missa da manhã de Páscoa devia suscitar o riso no povo. E fazia-o por todos os meios, mas sobretudo recorrendo ao imaginário sexual. Contava piadas picantes, usava expressões eróticas e encenava gestos obscenos, dramatizando relações sexuais. E o povo ria que ria. Esse costume é encontrado já em 852 em Reims na França e se estendeu por todo o Norte da Europa, Itália e Espanha, até 1911 na Alemanha. O celebrante assumia a cultura dos fiéis em sua forma popularesca, plebéia e obscena. Para expressar a vida nova inaugurada pela Ressurreição, dizia esta tradição, nada melhor que apelar para a fonte de onde nasce a vida humana: a sexualidade com o prazer que a acompanha. Podemos discutir o método impertinente, mas ele revela na Igreja uma outra postura, positiva e alegre, face à sexualidade.
Leonardo Boff
Publicado no site do autor em 15/10/2004 e aqui afixado com sua autorização.
Pop Art
Andy Warhol (6 de Agosto de 1928 - 22 de Fevereiro de 1987) foi uma figura maior do movimento de pop art.
Como muitos outros artistas da Pop Art, Andy Warhol criou obras em cima de mitos. Mas ele foi muito além disso: ele realmente criou mitos.
Como o exemplo de que Warhol talvez tenha contribuído mais para o mito de Marilyn Monroe do que Hollywood e as revistas populares juntos.
Ao retratar ídolos da música popular e do cinema, como Elvis Presley, Liz Taylor, Marlon Brando e, sua favorita, Marilyn Monroe, Warhol mostrava o quanto personalidades públicas são figuras impessoais e vazias; mostrava-o associando a técnica com que reproduzia estes retratos, numa produção mecânica ao invés do trabalho manual. Da mesma forma, utilizou a técnica da serigrafia para representar a impessoalidade do objeto produzido em massa para o consumo, como as garrafas de Coca-cola e as latas de sopa Campbell.
Delicie-se com uma exibição da sua arte, aqui.
(na imagem, auto-retrato, de 1966)
Andy Warhol (6 de Agosto de 1928 - 22 de Fevereiro de 1987) foi uma figura maior do movimento de pop art.
Como muitos outros artistas da Pop Art, Andy Warhol criou obras em cima de mitos. Mas ele foi muito além disso: ele realmente criou mitos.
Como o exemplo de que Warhol talvez tenha contribuído mais para o mito de Marilyn Monroe do que Hollywood e as revistas populares juntos.
Ao retratar ídolos da música popular e do cinema, como Elvis Presley, Liz Taylor, Marlon Brando e, sua favorita, Marilyn Monroe, Warhol mostrava o quanto personalidades públicas são figuras impessoais e vazias; mostrava-o associando a técnica com que reproduzia estes retratos, numa produção mecânica ao invés do trabalho manual. Da mesma forma, utilizou a técnica da serigrafia para representar a impessoalidade do objeto produzido em massa para o consumo, como as garrafas de Coca-cola e as latas de sopa Campbell.
Delicie-se com uma exibição da sua arte, aqui.
(na imagem, auto-retrato, de 1966)
quarta-feira, fevereiro 21, 2007
O Manifesto
Em 21 de Fevereiro de 1848 foi publicado pela primeira vez, em Londres, aquele que é, historicamente, um dos tratados políticos de maior influência mundial. O Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels.
O manifesto faz uma dura crítica ao modo de produção capitalista e à forma como a sociedade se estruturou através desse modo de produção, sugerindo um curso de acção para uma revolução socialista.
A sociedade sonhada por Marx e Engels nunca foi alcançada, apesar das várias tentativas no decurso do século e meio que se seguiu à publicação do manifesto. Mas a sua obra influenciou milhões. Apesar da imagem distorcida que dele se tem querido passar.
Vejamos o que o diz um filósofo português actual, não marxista, na análise, publicada na Crítica, à tradução portuguesas da biografia Karl Marx, de Francis Wheen, publicada pela Bertrand Editora em 2003:
"A autoridade intelectual de Marx manifestou-se logo desde a sua juventude... Marx tinha o dom da palavra, o aspecto e o tom de quem tem autoridade e uma visão superior das coisas. Mesmo os seus mais contundentes inimigos lhe reconheciam estas qualidades. Todavia, era um homem cuja "violência" se esgotava nas palavras. Na verdade, era extremamente dedicado à sua família e amigos, sendo extremamente bem-humorado e sempre disposto a passar um serão ou uma tarde a brincar com os seus filhos, que ele adorava acima de tudo."
E termina:
"A vida e obra de Marx merecem uma reapreciação. A primeira, para demonstrar que Marx não era nem um Iluminado nem um Demónio, mas apenas um pensador como qualquer outro. A segunda, porque no estado de desertificação actual quanto a modelos alternativos de sociedade, as suas ideias podem muito bem revelar-se inspiradoras, indicando-nos um caminho a seguir — sem que isso se confunda com qualquer tipo de regime soviético, chinês ou cubano. Uma obra a não perder"
Soneto de Quarta-Feira de Cinzas
Por seres quem me foste, grave e pura
Em tão doce surpresa conquistada
Por seres uma branca criatura
De uma brancura de manhã raiada.
Por seres de uma rara formosura
Malgrado a vida dura e atormentada
Por seres mais que a simples aventura
E menos que a constante namorada
Porque te vi nascer de mim sozinha
Como a noturna flor desabrochada
A uma fala de amor, talvez perjura.
Por não te possuir, tendo-te minha
Por só quereres tudo e eu dar-te nada
Hei de lembrar-te sempre com ternura.
Vinicius de Moraes
terça-feira, fevereiro 20, 2007
Se bem me lembro
Em 20 de Fevereiro de 1978 faleceu Vitorino Nemésio.
Programa impagável de comunicação televisiva, sem barreiras nem capítulos, mas com uma ideia central e uma coerência teórica notáveis a ressaltar da aparente viagem de divagação pelo centro do homem e do universo.
Em 20 de Fevereiro de 1978 faleceu Vitorino Nemésio.
Autor de vasta obra literária, tornou-se, sobretudo, conhecido do grande público através do programa televisivo Se bem me lembro, de que foi autor e apresentador.
Programa impagável de comunicação televisiva, sem barreiras nem capítulos, mas com uma ideia central e uma coerência teórica notáveis a ressaltar da aparente viagem de divagação pelo centro do homem e do universo.
segunda-feira, fevereiro 19, 2007
Soneto de Carnaval
Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento
Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrando uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.
E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim
De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranqüila ela sabe, e eu sei tranqüilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.
Vinicius de Moraes
Patentear a Vida
Normalmente, o registo de patentes, ao salvaguardar a propriedade intelectual dos inventos, fomenta a inovação. Como os genes, incluindo os humanos, não são inventos, não lembraria ao diabo patentear genes. Mas lembrou a uma agência federal estado-unidense.
Com efeito, a Agência de Patentes dos Estados Unidos interpretou erradamente algumas decisões do Supremo Tribunal e começou, há alguns anos, a emitir patentes de genes humanos, para pasmo de toda a gente, incluindo os cientistas que trabalhavam na descodificação do genoma humano. De tal forma que, actualmente, cerca de 20% dos genes humanos são propriedade privada, o que significa que há pessoas e empresas que são proprietárias de genes para determinadas doenças. Mas não são apenas os genes humanos que são alvos de patentes. Assim, mais de 20 agentes patogénicos para humanos são também detidos por privados, incluindo os da hepatite C e da gripe hemofílica.
Um teste de despistagem do cancro da mama custa, nos Estados Unidos, cerca de $3.000,00, quando podia custar $1.000,00. Só que o BRCA (gene causador da doença) é propriedade de uma empresa e nenhuma outra pode fazer investigação sobre ele. E essa empresa, quando alguém se submete ao teste, retira-lhe tecido que pode utilizar em posteriores investigações, sem qualquer autorização do dador.
Um caso que retrata o absurdo de tudo isto é o da doença de Canavan. Famílias de todo o mundo com crianças afectadas por esta doença contrataram um investigador para identificar o gene e desenvolver um teste e doaram tecido e dinheiro para o efeito. Quando o gene foi identificado, em 1993, as famílias assumiram um compromisso com um hospital de Nova Iorque para que fosse oferecido um teste gratuito a quem o desejasse. Mas a entidade empregadora do investigador, o Instituto de Investigação do Hospital Pediátrico de Miami, patenteou o gene e recusou a permissão, a qualquer prestador de cuidados de saúde, de oferecer o teste sem pagar os direitos. Como os pais das crianças afectadas envolvidos na pesquisa não incluíram os seus nomes na patente, perderam todo o controlo sobre os resultados.
Agora, um congressista democrata da Califórnia e outro republicano da Florida patrocinaram uma lei, a ser votada no congresso, para banir a prática de patentear genes humanos. Julgo que na União Europeia não há patentes de genes humanos e espero bem que nunca venha a haver.
domingo, fevereiro 18, 2007
A desborocratização
Mas, pensando melhor, decidi individualizá-lo numa posta.
Afinal, os papeis são fáceis de preencher e têm apenas 101 vias:
A primeira via é para o BI;
Começou por ser um comentário a este cartune, no sítio alternativo do autor.
Mas, pensando melhor, decidi individualizá-lo numa posta.
Afinal, os papeis são fáceis de preencher e têm apenas 101 vias:
A primeira via é para o BI;
A segunda via é para a Segurança Social;
A terceira via é para o Tony Blair;
A quarta via é para o Durão Barroso;
A quinta via é para o D. José Policarpo;
A sexta via é para o SNS;
A sétima via é para os impostos;
A oitava via é para poder votar;
A nona via é para poder viver;
A décima via é para poder ter casa;
A décima primeira via é para ter água em casa;
A décima segunda via é para ter luz em casa;
A décima terceira via é para ter gás em casa;
A décima quarta via é para poder comprar carro;
A décima quinta via é para comprar gasolina;
A décima sexta via é para comprar um fogão;
A décima sétima via é para o esquentador;
A décima oitava via é para a máquina da roupa;
A décima nona via é para a máquina da loiça;
A vigésima via é para a arca congeladora;
A vigésima primeira via é para não pisar a caca de cão;
A vigésima segunda via é para ir às compras;
A vigésima terceira via é para poder beber uma bojeca;
…
…
…
A centésima via é para, para, para...
A centésima primeira via é para irem todos para a PQP.
sábado, fevereiro 17, 2007
A mulher beija-flor
É carnaval, tempo de se contar estórias. Quase todas as culturas acreditam num céu. Mas não se chega lá de qualquer jeito. Há sempre um processo de purificação e uma travessia perigosa. Em várias tribos amazônicas se crê que os mortos renascem como borboletas, umas mais escuras e pesadas pois as pessoas têm mais coisas a pagar, outras mais claras e leves pois estão quase purificadas. Elas voam de flor em flor sugando néctar para se fortalecerem para a travessia.
Estando eu, certa feita, por aquelas paragens amazônicas um cacique me contou o seguinte mito que é uma estória verdadeira porque fala de uma verdade real: Uma jovem índia, esbelta e bela, de nome Coaciaba , acabara de perder o marido, valente guerreiro, morto por flecha inimiga. Com a filhinha Guanambi passeava triste pelas margens do rio, observando as borboletas, ciente de que em alguma delas estava seu querido marido. Mas a saudade era tanta que acabou morrendo. Guanambi , a filhinha, ficou totalmente sozinha. Inconsolável, chorava muito, especialmente, nas horas em que sua mãe costumava levá-la para passear. Todos os dias visitava o túmulo da mãe. Não queria mais viver. Pedia aos bons espíritos que viessem buscá-la e a levassem para onde estivesse sua mãe. De tanta tristeza, foi definhando até que morreu também. Todos na tribo ficaram muito penalizados.
Como queria ficar junto da mãe, os espíritos não deixaram que virasse borboleta mas que ficasse dentro de uma flor lilás, pertinho do túmulo da mãe. A mãe renascera numa bela e suave borboleta. Esvoaçava por ai, de flor em flor, acumulando néctar para a grande travessia rumo ao céu.
Certo dia ao entardecer, borboletando de flor em flor, acabou pousando sobre linda flor lilás. Ao sugar o néctar, ouviu um chorinho triste. Seu coração estremeceu. Reconheceu dentro da flor a vozinha da filha querida. Como poderia estar aprisionada ali dentro? Refez-se da emoção e sussurrou: "Filhinha querida, mamãe está aqui com você. Fique tranquila. Vou libertá-la para voarmos juntas ao céu."
Mas como abrir as pétalas se ela era uma borboleta levíssima? Recolheu-se numa folha e suplicou entre lágrimas:"Espíritos benfazejos e queridos anciãos, eu vos imploro: por amor ao meu marido, valente guerreiro que morreu lutando pelos parentes, por compaixão de minha filhinha, transformem-me num passarinho veloz, dotado de um bico ponteagudo para romper a flor lilás e libertar minha querida filhinha Guanambi ".
Tanta foi a compaixão despertada, que o Espírito criador e os anciãos atenderam sem delongas a sua súplica. Transformaram-na num agilíssimo beija-flor que imediatamente pairou por sobre a flor lilás. Com voz carregada de enternecimento sussurrou:"Filhinha, sou eu, sua mãe. Não se assuste. Fui transformada num beija-flor para libertá-la".
Com o bico ponteagudo, foi tirando com sumo cuidado, pétala por pétala, até liberar o coração da flor. Lá estava a filhinha sorridente, estendendo os bracinhos em direção da mãe. Abraçadas e levíssimas, voaram alto, cada vez mais alto até chegarem juntas ao céu.
Leonardo Boff
Texto publicado ontem no site do autor e afixado aqui com a sua autorização.
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Forças de bloqueio
Vale a pena ler este artigo brilhante do Leonal Moura publicado na edição online do Jonal de Negócios.
Relatório Minoritário? - II
A propósito da minha posta Relatório Minoritário? recebi mais esta amável oferta do António Santos a homenagear o conhecido realizador.
Agora, para além do sítio do costume, pode visitar o António num espaço novo. Divirta-se.
A propósito da minha posta Relatório Minoritário? recebi mais esta amável oferta do António Santos a homenagear o conhecido realizador.
Agora, para além do sítio do costume, pode visitar o António num espaço novo. Divirta-se.
quinta-feira, fevereiro 15, 2007
E pur si muove
Como em muitas outras questões, o tempo veio mostrar de que lado estava a razão.
Em 15 de Fevereiro de 1564 nasceu em Pisa Galileu Galilei, notável filósofo, físico, matemático e astrónomo italiano, que é considerado um dos maiores génios da história da humanidade, a par de Leonardo da Vinci, Isaac Newton e Albert Einstein.
Diz-se que terá murmurado a frase que serve de título a esta posta após ter sido obrigado pela Inquisição a retratar-se das suas afirmações de que a terra se movia à volta do Sol, contrariando, assim, a tese do geocentrismo, tal como fora estruturada por Aristóteles e Ptolomeu.
Como em muitas outras questões, o tempo veio mostrar de que lado estava a razão.
Será desta?
Descoberto calcanhar de Aquiles do HIV, potencial alvo de vacina
Cientistas descobriram um ponto vulnerável, uma espécie de calcanhar de Aquiles, do vírus da SIDA, que pode ser o alvo de uma vacina visando a neutralização do vírus de imunodeficiência humana (HIV), segundo trabalhos hoje publicados.
Leia mais no Diário Digital.
Imagem cristalográfica 3-D, do NIAID, que mostra o contacto (faixa amarela) entre um alvo crucial para o desenvolvimento para uma vacina para o HIV1 - a proteína gp120 (a vermelho) e o anticorpo neutralizador b12 (a verde).
Descoberto calcanhar de Aquiles do HIV, potencial alvo de vacina
Cientistas descobriram um ponto vulnerável, uma espécie de calcanhar de Aquiles, do vírus da SIDA, que pode ser o alvo de uma vacina visando a neutralização do vírus de imunodeficiência humana (HIV), segundo trabalhos hoje publicados.
Leia mais no Diário Digital.
Imagem cristalográfica 3-D, do NIAID, que mostra o contacto (faixa amarela) entre um alvo crucial para o desenvolvimento para uma vacina para o HIV1 - a proteína gp120 (a vermelho) e o anticorpo neutralizador b12 (a verde).
quarta-feira, fevereiro 14, 2007
Dia dos namorados
O dia 14 de Fevereiro é considerado, quase mundialmente, como o dia dos namorados. Solteiros e casados, quem pode deixa-se embalar pela publicidade e aproveita para oferecer algo a quem ama.
No dia 17 de Dezembro de 2006, publicou o The New YorK Times um artigo intitulado Perguntas que os casais deviam fazer antes de casar.
Apesar da data em que foi publicado, este artigo foi o terceiro mais lido do jornal durante o ano de 2006, esteve um mês no grupo dos dez mais enviados por correio electrónico e foi o quarto mais lido em Janeiro de 2007.
Porque considero tratar-se de um conjunto de perguntas muito interessante - o senso comum não é menos eficaz por ser comum – entendi partilhá-las com quem se dá ao trabalho de me visitar.
“Especialistas em relacionamento referem que muitos casais se esquecem de abordar um com o outro, antes de casarem, questões críticas. Aqui ficam alguns assuntos chave que os casais deviam ponderar analisar:
1) Já discutimos se vamos ou não ter filhos e, se vamos tê-los, quem será que vai, em primeiro lugar, cuidar deles?
2) Temos uma ideia clara das obrigações e objectivos financeiros um do outro e as nossa ideias acerca de gastar e poupar estão em concordância?
3) Já discutimos as nossas perspectivas sobre como a família vai ser mantida e estamos de acordo sobre quem vai levar a cabo as tarefas do dia a dia?
4) Revelámos totalmente os nossos antecedentes de saúde, quer física quer mental?
5) O meu companheiro é tão afectuoso como quanto eu espero?
6) Podemos abordar à vontade e abertamente as nossas necessidades, preferências e receios sexuais?
7) Vai haver uma televisão no quarto?
8) Escutamo-nos verdadeiramente um ao outro e avaliamos com imparcialidade as ideias e queixas um do outro?
9) Alcançámos um claro entendimento das crenças e necessidades espirituais um do outro e discutimos quando e como os nossos filhos irão ser sujeitos a educação religiosa e/ou moral?
10) Respeitamos e gostamos dos amigos um do outro?
11) Apreciamos e respeitamos os pais um do outro e estamos ambos preocupados sobre se os pais irão interferir na nossa relação?
12) O que faz a minha família que te incomoda?
13) Há algumas coisas de que tu e eu NÃO estejamos preparados para desistir no casamento?
14) Se a um de nós fosse oferecida uma oportunidade de carreira num local longe da família do outro, estamos preparados para nos mudarmos?
15) Sente-se, cada um de nós, seguro do comprometimento do outro no casamento e acredita que a união pode subsistir quaisquer que sejam os desafios que possamos enfrentar?”
terça-feira, fevereiro 13, 2007
De duas, uma
Ou o juiz conselheiro Fisher Sá Nogueira tem razão e cada um dos subscritores do habeas corpus tem de pagar € 480,00 de custas judiciais. Como se fala em cerca de 27.000 subscritores, as custas judiciais ascenderiam a qualquer coisa como € 12.960.000,00 (quase treze milhões de euros). Nesse caso, a justiça portuguesa tem de levar uma grande volta, porque não é admissível que uma sessão do Supremo Tribunal seja avaliada em treze milhões de euros.
Ou, então, é o advogado Fernando Silva, promotor da iniciativa, quem tem razão e as custas judiciais são apenas de € 480,00, a pagar solidariamente pelos subscritores do habeas corpus. Se assim for, a justiça portuguesa também tem de levar uma grande volta, porque não é aceitável que produza juízes conselheiros capazes de debitar tais enormidades, nem em privado quanto mais numa estação de televisão.
Em qualquer dos casos, quem, mais uma vez, fica mal na fotografia é a justiça portuguesa.
Relatório Minoritário?
Quando, em 2002, Steven Spielberg situou a acção do filme Minority Report na Washington de 2054, não imaginava que, muitas vezes, a realidade pode ultrapassar a ficção. E muito menos tal terá ocorrido a Philip K. Dick quando, em 1956, publicou a novela que serviu de base ao filme.
Mas está prestes a acontecer. Um grupo de cientistas ingleses e alemães (do Instituto Max Plank, do University College de Londres e da Universidade de Oxford) afirma que, pela primeira vez, conseguiu ler a intenção de uma pessoa, através da análise de padrões do cérebro em imagens de alta definição.
Naturalmente, esta descoberta levanta sérias questões éticas, para as quais a humanidade tem de estar preparada.
Como afirmou o coordenador do projecto, Prof. Jonh-Dylan Hayes, ao Guardian “estas técnicas estão a surgir e precisamos de um debate ético sobre as suas implicações, para que qualquer dia não sejamos surpreendidos, esmagados e apanhados em contra pé pelo que elas possam provocar. Deparar-nos-emos com elas dentro de poucos anos e devemos estar realmente preparados”. E acrescentou: “vemos o perigo de isto, um dia, se tornar obrigatório, mas temos de estar cientes de que, se o proibirmos, estaremos, também, a negar à pessoas que não irão cometer nenhum crime a possibilidade de provar a sua inocência”.
Barbara Sahakian, Prof. de neuro-psicologia da Universidade de Cambridge disse ao mesmo jornal que o rápido avanço na área das neurociências obrigou os cientistas a criarem, no ano passado, a sua própria sociedade de neuro-ética para avaliar as ramificações da sua investigação. “Queremos tornar-nos numa sociedade tipo “Relatório Minoritário” onde previnamos crimes que talvez não venham a acontecer?”, perguntou. “Para algumas destas técnicas, é apenas uma questão de tempo. Muitos cientistas são muito cautelosos e dizem que não podemos falar em ler as mentes das pessoas, e isso é absolutamente verdade, neste momento; mas avançamos tão rapidamente que não levaremos muito tempo a ser capazes de dizer se alguém está a inventar uma história ou se alguém tenciona cometer um crime, com um certo grau de certeza”.
Prevê-se que esta tecnologia traga, também, avanços no controlo, através do cérebro, de máquinas e computadores, permitindo às pessoas escrever nos computadores usando apenas o pensamento, bem como comandar cadeiras de rodas ou membros artificiais que responderão quando a pessoa imaginar que se está a mover.
Para quem não leu a novela nem viu o filme, coloquei um resumo em comentários.
domingo, fevereiro 11, 2007
Do mal, o menos
Passam poucos minutos das 20H00. Apesar do elevado índice de abstenção, as primeiras projecções apontam, inequivocamente, para uma vitória do SIM à despenalização da IVG, a pedido da mulher, nas primeiras 10 semanas da gravidez.
Custa a entender a pouca relevância que os portugueses continuam a dar a questões tão importantes como esta, que veio à baila mesmo do outro lado do Atlântico. Com efeito, quer o The New York Times quer o Washington Post se referiram, nas suas primeiras páginas, ao referendo de hoje.
A responsabilidade passou, agora, para o Parlamento, onde a maioria tem legitimidade para aprovar a legislação adequada.
sexta-feira, fevereiro 09, 2007
Dia da libertação
No dia 12 de Fevereiro de 1990, o regime segregacionista da África do Sul, liderado por Frederik Willem de Klerk, libertou Nelson Mandela, depois de mais de 27 anos de prisão por lutar pela igualdade de brancos e negros. Foi o primeiro passo para acabar com o regime de apartheid, que vigorava no país desde 1948, e transformar a África do Sul numa democracia permitindo à maioria negra direitos civis iguais aos dos brancos, asiáticos ou membros de outra qualquer etnia.
Por cá, já tínhamos conquistado o direito à democracia uns anos antes, mas há cidadãos, neste caso cidadãs, que continuam a não ser iguais aos outros perante a lei. Que, quando por razões ponderosas, resolvem interromper uma gravidez, se sujeitam a ver a sua intimidade devassada, levadas a tribunal e condenadas a prisão. Em nome de fantasias, com tive oportunidade de explicar ao longo da passada semana.
Para não fazer nenhum apelo após o fim da campanha eleitoral, aqui fica a efeméride e um voto de que saibamos tornar livres as mulheres portuguesas.
2007 FEVEREIRO 09
Os párocos do concelho de Felgueiras protagonizaram no passado domingo uma iniciativa como a cara deles. Convocaram as populações católicas de todas as paróquias que estão sob o seu comando, para o Monte de Santa Quitéria, sobranceiro à cidade de Felgueiras, a fim de, lá do alto, elas e eles gritarem em uníssono NÃO à Lei de despenalização do aborto que vai a referendo este domingo, 11. Responderam à sinistra convocatória apenas aquelas populações que os párocos ainda conseguem manter subjugadas e tolhidas pelas suas catequeses moralistas dominicais. A esmagadora maioria, felizmente, esteve-se nas tintas. Apenas quem ainda se não libertou do Medo de Deus e do Inferno e dos seus Sacerdotes sem entranhas de Misericórdia e de humanidade, mais funcionários de carreira eclesiástica do que irmãos, é que compareceu. E todos com ar de toupeira e de forçados pagadores de promessas. A começar pelos próprios párocos que a tudo presidiram. Como se, de repente, neste início do século XXI, a Idade Média estivesse de regresso a este concelho do distrito do Porto.
Tive de passar àquela hora, a caminho do 8.º Encontro de Espiritualidade em S. Pedro da Cova, Gondomar, por um dos locais onde as populações deveriam começar por se concentrar, e pude ver, já na berma da estrada, um dos párocos com a sua pequena corte de adolescentes de coro, devidamente trajados a rigor. Todos, pároco e adolescentes, vestiam de branco, túnicas dos ombros até aos pés, sobre as suas roupas de uso domingueiro que assim ficavam escondidas. A pose era de envergonhados e humilhados. De condenados. Seres assim, não são gente. São abortos. Não são mulheres nem homens. São uniformes. São súbditos. A começar pelos párocos, súbditos do bispo residencial e do Código de Direito Canónico e dum Moralismo rançoso e imoral que faz deles eunucos à força, quando do que a Humanidade mais precisa é de mulheres e homens livres e insubmissos. E mulheres e homens livres e insubmissos é o que deve fazer o Celibato pelo Reino de Deus, praticantes da libertação, alegremente centrados no Essencial que é invisível aos olhos, nomeadamente, aos olhos dos hierarcas episcopais, condenados a ter de viver solitários na cátedra do poder sagrado e dos respectivos paços, como inacessíveis e intocáveis vestais de carne e osso, mas sem afectos.
Tudo o que o Moralismo sem moral sabe fazer são funcionários ao seu serviço, carne para religião e para santuários, prostitutos do sagrado que engordam e enriquecem à custa de ritos e de cerimónias alienantes que Deus, o de Jesus, só pode vomitar. E que outra coisa são, por exemplo, as missas rotineiras sem profecia e carregadas de Moralismo estupidificante que todos os domingos os párocos realizam, semana após semana, mês após mês, ano após ano, geração após geração, senão vómitos de Deus, o de Jesus? E a prova é que, quanto mais os párocos as fazem, mais as populações que as frequentam ficam adoentadas, tolhidas, oprimidas, aterrorizadas, abortadas, desmobilizadas social e politicamente. Ora, como pelos frutos se conhece a árvore, está à vista de todas as pessoas o que são as missas que tais frutos produzem. O mesmo se diga de todos os outros ritos e todas as outras actividades que os párocos e os bispos residenciais fazem, num corre-corre com tudo de inumano e de prostituído. Nem sequer são actividades inócuas, inofensivas, daquelas que não fazem nem bem nem mal. Não. São actividades prejudiciais. Portadoras de veneno. Carregadas de vírus. Como esta peregrinação ao Monte de Santa Quitéria contra a Lei de despenalização do aborto e das mulheres que em consciência optem por abortar.
De todas estas actividades dos párocos e dos bispos residenciais, as populações precisam de fugir. Parecem actividades pastorais, mas são actividades carregadas de Moralismo e, por isso, carregadas de vírus que, em muitos casos, chegam a ser mortais. Se fossem actividades pastorais, seriam da mesma qualidade das de Jesus, o bom Pastor. Mas não. Andam tecidas de Mentira e de Cinismo, de Hipocrisia e de Humilhação. Aliás, o primeiro a fugir delas foi o próprio Deus, o de Jesus. Pelo menos, desde que os Sacerdotes do Templo lhe mataram o filho muito amado, Jesus, o de Nazaré, nunca mais Deus quis nada com eles. Ao ressuscitar Jesus, Deus disse urbi et orbi, com essa sua Acção/Insurreição, que nunca mais queria nada com os Sacerdotes, seja de que religião ou Igreja for. Muito menos com as religiões que eles promovem e alimentam. Vomita-os a todos e às religiões que eles promovem e alimentam.
De quem Deus gosta é de Jesus, o seu filho muito amado. E do que ele faz. Os Sacerdotes é que não gostam nada que Jesus abra os olhos aos cegos, nem que faça ouvir os surdos e falar os mudos. Nem que faça andar os paralíticos e levante/ressuscite os mortos. Mas Deus é do que verdadeiramente gosta em Jesus, o de Nazaré, e por isso o reconheceu como o seu filho bem amado e colocou-o para todo o sempre como o modelo acabado, perfeito, de ser humano para todos os povos, quaisquer que sejam a sua cor e a sua língua. Os Sacerdotes não gostam e por isso matam-no. E como hão-de gostar dele se, ao fazer todas essas acções libertadoras e promotoras de seres humanos autónomos e sororais/fraternos, Jesus está a dar-lhes cabo do negócio e do poder sagrado, que outra coisa não são as religiões e os cultos a que todos eles presidem em exclusivo nos templos e outros santuários sobre a terra? Então uma mulher, um homem que, graças a Jesus e ao seu Espírito, abre os olhos da própria consciência e, assim, se torna capaz de ver as falcatruas que os Sacerdotes realizam em nome de Deus; ou que começa a ouvir os clamores das vítimas das religiões e das mentiras dos Sacerdotes; ou que começa a falar com ciência e com liberdade; ou que começa a andar sobre os seus próprios pés, sem precisar mais do “apoio” dos Sacerdotes; ou que sai dos túmulos em que os Sacerdotes insistem em mantê-la, mantê-lo a vida inteira, não é uma mulher, um homem que os Sacerdotes nunca mais conseguem subjugar e enganar? Como poderão eles tolerar quem assim os desmascara e lhes estraga tão chorudo e tão prostituído negócio e tanto poder sagrado?
Bem sei que todos ou quase todos os Sacerdotes que hoje pontificam nos templos e altares são, eles próprios, as principais vítimas de catequeses mentirosas e terroristas e moralistas. E de teologias idolátricas, nos antípodas da teologia de Jesus. Convenceram-nos, durante os decisivos anos da sua formação, de que Deus gosta de Religião e que a Religião é que salva a Humanidade. E eles, de posse dessa (in)formação, de bom grado, alistaram-se para essa actividade apresentada como a mais sublime e a mais digna e também a mais salvadora. Mas tudo isso não passa de crassa Mentira. Uma Mentira que eles, os Sacerdotes, têm obrigação, à medida que desenvolvem e reflectem as suas práticas rituais e rotineiras, de detectar e logo passar a lutar contra ela e defender-se dela. Sob pena de serem cúmplices e carrascos das populações. Só Sacerdotes, a quem convém ser cegos, para não perderem estúpidos privilégios, é que não querem ver isto. Mas então não têm desculpa.
Avisadas andarão, pois, as populações que os deixarem a falar e a oficiar sozinhos nos templos e nos altares. Na verdade, Deus, o de Jesus, não gosta nada de Religião. Do que Deus gosta é de Política, enquanto actividade maior dos seres humanos, uma actividade da mesma qualidade e do mesmo Sopro da actividade e do Sopro de Jesus, o de Nazaré. E como poderia a Religião salvar a Humanidade, se toda ela é fruto do Medo e alimentadora do Medo, nomeadamente daquele Medo mais inumano que é o Medo alojado no nosso Inconsciente colectivo, desde os tempos mais tenebrosos, como foram os começos da Humanidade, um Medo que leva quem dele anda possuído a fazer coisas contra si próprio, contra o o seu próprio desenvolvimento integral, contra a sua própria felicidade, contra a sua integridade física e cultural/espiritual, e também contra o seu próximo, sempre a pretexto de que age assim por amor de Deus?
Acham que exagero? Vejam o que se passa em redor de certos santuários de nomeada, no nosso país e no resto do mundo. Apresentados oficialmente como espaços sagrados, mais não são do que espaçosos antros onde os seres humanos que os frequentam são incitados/pressionados/violentados a assumir posturas pessoais e de conjunto carregadas de indignidade, abaixo até de animal, e onde são literalmente sugados do seu dinheiro e do ouro que têm e até do que não têm, como paradigmaticamente denunciam os Evangelhos Sinópticos, ao narrarem o caso concreto daquela viúva pobre do tempo histórico de Jesus que, já então, se sentiu incitada/pressionada/violentada pelo ambiente religioso a dar ao tesouro do Templo de Jerusalém o último cêntimo de que dispunha. O escândalo e a indignação apoderaram-se a tal ponto de Jesus que ele não se conteve e correu a chamar as discípulas, os discípulos que o acompanhavam, para que vissem com os próprios olhos aquele crime de lesa-seres-humanos, nomeadamente, de lesa-pobres, e de lesa-Deus-Vivo que acabava de ter lugar ali diante de toda a gente. E, não satisfeito com isso, levou ainda mais longe a sua justificadíssima cólera: dumas cordas fez chicote e com ele em punho expulsou na hora todos os comerciantes que negociavam no Templo, verdadeiro covil de ladrões, sem se esquecer dos que vendiam rolas e pombas, isto é, os que faziam negócio com a miséria dos pobres, como aquela pobre viúva.
Bem sei que, aparentemente, são as populações que frequentam esses locais que fazem questão de se desfazer do que têm e do que não têm para entregarem ao santuário e ao cofre do santuário, geridos e administrados pelos Sacerdotes. Mas na verdade são os Sacerdotes que a tudo presidem que estão por trás de tudo e que, com o Moralismo que constantemente pregam às populações, desencadeiam e alimentam dentro delas sentimentos de tanta culpa e de tanta indignidade, que elas não têm outra saída senão humilhar-se e sacrificar-se, a vida inteira, como bestas de carga, auto-flagelar-se (quase) até à morte, reduzir-se à condição de abjectos cumpridores de promessas, na convicção de que é assim que agradam, desagravam e dão glória a Deus. Sem que nenhum dos Sacerdotes, oportuna e inoportunamente, lhes diga que, com tais comportamentos, o que conseguem é dar vómitos a Deus, o de Jesus! Porque a Deus, o de Jesus, o que lhe dá glória é ver cada mulher, cada homem que vem a este mundo crescer em idade, em estatura, em sabedoria e em graça, exactamente como Jesus, o Filho do Homem que mais se parece com Ele, tanto que - diz o Evangelho de João - quem o vê, vê o próprio Deus.
Foi por isso um pecado gravíssimo o que os párocos do concelho de Felgueiras cometeram, no passado domingo, um daqueles pecados que O Evangelho chega a dizer que não tem perdão. Numa postura conjunta de sadomasoquismo, arregimentaram as populações católicas que sacrilegamente ainda manipulam e fizeram-nas avançar, manhã cedo, pelas ruas da cidade a rezar o terço à mítica deusa virgem e mãe do Paganismo religioso, contra a Lei de despenalização do aborto e das mulheres que, porventura, continuem a abortar, inclusive nas primeiras dez semanas de gravidez. Ao agirem assim, mostraram bem o que são. São Sacerdotes. Não são pastores. São mercenários que negoceiam com o obscurantismo das populações. Não são profetas. Se fossem pastores ao jeito de Jesus, e profetas desassombrados como ele, em vez de iniciativas deste jaez, havíamos de vê-los a trabalhar incansavelmente com as populações, para que elas fujam do obscurantismo das religiões e se abram à Fé de Jesus, o de Nazaré, de modo a serem capazes de, como ele, discernirem os sinais dos tempos e perceberem por onde é que está a PASSAR o Espírito de Deus criador e libertador de seres humanos à sua imagem e semelhança. Populações assim ilustradas e evangelizadas, é que veriam, em cada momento e em cada situação, o que é bom e o que é mau e decidiriam em consciência. No caso concreto da Lei de despenalização do aborto, a referendar este domingo, as populações ilustradas evangelizadas depressa concluiriam que votar SIM no referendo é, no nosso aqui e agora português, a postura que mais defende a vida e que mais dignifica as mulheres, por isso, é também a que dá mais glória a Deus, o de Jesus, esse mesmo que quer posturas de Misericórdia e vomita todas as posturas de Crueldade, por mais moralistas que elas se apresentem.
Nota: Não se pense que este meu libelo contra os párocos, mais Sacerdotes do que Pastores, mais funcionários eclesiásticos do que Presbíteros da Igreja, se deve ao facto de eu ter deixado de ser pároco. Nada disso. É uma denúncia essencial, decorrente da Fé de Jesus, a única que a Igreja deve fazer sua e prosseguir no tempo e no espaço. Aliás, foi precisamente nos poucos anos em que fui pároco, que comecei a dar-me conta desta perversão clerical. E, ainda sem ver muito claro, como hoje felizmente vejo, logo comecei a combater privilégios clericais e a interrogar-me sobre o para quê de muitas coisas que como pároco tinha que fazer. Com o passar dos meses, vi-me a ser cada vez menos Sacerdote e cada vez mais Presbítero da Igreja, na peugada de Jesus, o de Nazaré. E foi por isso que o Bispo, a partir de determinada altura, deixou de confiar em mim como pároco e passou a olhar-me como uma espécie de "cavalo de Tróia" dentro da Igreja. Até que me retirou a paróquia e sentenciou contra mim, sem que me fosse dada qualquer hipótese de defesa: enquanto for bispo do Porto, você nunca mais será pároco na Diocese. Para ele, isto era uma sanção canónica. Mas para mim, com o passar dos anos, mais não foi do que uma graça que eu agora só posso desejar que todos os que ainda são párocos venham também a receber. A Igreja de Jesus sairá a ganhar. E a Humanidade também. Pelo andar da carruagem, já não faltará muito tempo para que os párocos-Sacerdotes que hoje temos, mais eunucos à força por imposição do Sistema eclesiástico do que eunucos livres e responsáveis por amor do Reino de Deus, dêem lugar a Presbíteros Pastores, cheios de graça e de verdade, de Misericórdia e de Lucidez, verdadeiras leoas humanas, sempre prontos e determinados a sair em defesa dos pobres e dos oprimidos e a denunciar sem descanso as Economias e os Poderes que os fabricam aos milhões.
Solidariedade internacional
Católicas pelo Direito de Decidir apoia o voto Sim, no referendo de 11 de Fevereiro sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, porque, na condição de católicos(as):
1) Não devemos julgar; devemos ser solidários! De acordo com o pensamento cristão é necessário considerarmos as dificuldades e enganos que todos (mulheres e homens), em algum momento, vivemos. Isto não pode ser diferente para as mulheres que se vêem nas circunstâncias de realizar um aborto;
2) Temos compaixão! Esse sentimento não significa ter dó, ter pena, ou fazer caridade. Trata-se de exercer a alteridade, isto é, colocar-se no lugar do outro(a) e acolhê-lo(a), assisti-lo(a) da melhor forma.
3) A condenação do aborto não é um dogma religioso. É matéria controversa, inclusive no interior da igreja. Portanto, é passível de reflexão e debate. Embora, o Direito Canónico – elaborado e regulamentado pela hierarquia eclesiástica, masculina e celibatária – trate o aborto de forma condenatória, teóloga(os) e mesmo membros da hierarquia católica admitem que, em certas circunstâncias, é possível entender a decisão pelo aborto como ética e religiosamente aceitável.
4) No pensamento católico, o recurso à própria consciência para se tomar decisões é plenamente aceito e legítimo. “O ser humano deve obedecer sempre ao julgamento certo de sua consciência” (Catecismo da Igreja Católica, 1800). Por que para as mulheres esse recurso seria negado?
5) Reconhecemos e respeitamos a capacidade que as mulheres têm de tomar decisões com base em valores éticos e morais!
6) Viver colectivamente exige respeitar a diversidade de pensamento, de opiniões e, de escolhas. Um Estado que se rege pelos princípios da democracia e da laicidade não pode governar, legislar e, tampouco, promover políticas públicas a partir de posições religiosas ou daquelas camufladas de científicas, porém, fundamentalistas.
7) Defender o voto Sim, não é promover a prática de abortamento!!!! E defender a dignidade da vida humana! É defender a vida das mulheres! É impedir a morte e a humilhação de milhares de mulheres!
Católicas pelo Direito de Decidir/Brasil
Católicas pelo Direito de Decidir apoia o voto Sim, no referendo de 11 de Fevereiro sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, porque, na condição de católicos(as):
1) Não devemos julgar; devemos ser solidários! De acordo com o pensamento cristão é necessário considerarmos as dificuldades e enganos que todos (mulheres e homens), em algum momento, vivemos. Isto não pode ser diferente para as mulheres que se vêem nas circunstâncias de realizar um aborto;
2) Temos compaixão! Esse sentimento não significa ter dó, ter pena, ou fazer caridade. Trata-se de exercer a alteridade, isto é, colocar-se no lugar do outro(a) e acolhê-lo(a), assisti-lo(a) da melhor forma.
3) A condenação do aborto não é um dogma religioso. É matéria controversa, inclusive no interior da igreja. Portanto, é passível de reflexão e debate. Embora, o Direito Canónico – elaborado e regulamentado pela hierarquia eclesiástica, masculina e celibatária – trate o aborto de forma condenatória, teóloga(os) e mesmo membros da hierarquia católica admitem que, em certas circunstâncias, é possível entender a decisão pelo aborto como ética e religiosamente aceitável.
4) No pensamento católico, o recurso à própria consciência para se tomar decisões é plenamente aceito e legítimo. “O ser humano deve obedecer sempre ao julgamento certo de sua consciência” (Catecismo da Igreja Católica, 1800). Por que para as mulheres esse recurso seria negado?
5) Reconhecemos e respeitamos a capacidade que as mulheres têm de tomar decisões com base em valores éticos e morais!
6) Viver colectivamente exige respeitar a diversidade de pensamento, de opiniões e, de escolhas. Um Estado que se rege pelos princípios da democracia e da laicidade não pode governar, legislar e, tampouco, promover políticas públicas a partir de posições religiosas ou daquelas camufladas de científicas, porém, fundamentalistas.
7) Defender o voto Sim, não é promover a prática de abortamento!!!! E defender a dignidade da vida humana! É defender a vida das mulheres! É impedir a morte e a humilhação de milhares de mulheres!
Católicas pelo Direito de Decidir/Brasil
Três Pontos: «Votar é preciso»
"Despenalização não é banalização. Não é liberalização selvagem. Não é um atentado à moral e aos bons costumes. Despenalizar é levantar tabus. É acabar com os vícios das leis secas. É ter mais informação. Mais segurança. Mais higiene. Mais justiça. Mais liberdade de julgamento. Menos viagens além-fronteiras – para quem pode. Menos passagens pelos cantos obscuros dos becos marginais das ruas das raspadeiras - para os que não podem aspirar a uma clínica espanhola ou um consultório inglês. Menos hipocrisia. Menos homens ausentes. Menos machos austeros. Menos mulheres ignorantes. Pressionadas. Presas. Condenadas. Humilhadas."
Filipe Rodrigues da Silva em Diário Digital
quinta-feira, fevereiro 08, 2007
Apelo do Sérgio
"Espalhem a Notícia" ou "Chamem a Polícia"?
Acabo de receber, por vários amigos, a notícia: um "blogue do não” usou nas suas páginas uma canção minha, para, em ultima análise, promover os seus pontos de vista em relação ao referendo de Domingo.
Para mim, não é um assunto novo. Muitas vezes, canções inteiras foram usadas em contextos ampliados — e muitas vezes amplificados. E muitas outras se apropriaram de frases minhas para dizer — e pensar — outras coisas. Goste ou não goste (e gosto várias vezes) acho que tudo isso faz parte de qualquer acto criativo. Se não o quisesse expor a esse risco, guardava-o na gaveta.
Só que há limites, claro. Desde já, neste caso, enganaram-se, não só na intenção, mas no próprio título da canção. Em vez de “Espalhem a notícia” deviam ter posto (e postado) "Chamem a polícia”...
A minha canção é uma elegia à qualidade da vida, e à alegria consciente de dar à luz um novo ser. Nada que se pareça com humilhação, falsas promessas de apoio a gravidezes indesejadas, sugestões de trabalho comunitário para substituir penas de prisão e outra pérolas que tais.E sim, sim à vida que a canção exalta e reconhece. Espalhem a notícia.
Sérgio Godinho no Sim no referendo
"Espalhem a Notícia" ou "Chamem a Polícia"?
Acabo de receber, por vários amigos, a notícia: um "blogue do não” usou nas suas páginas uma canção minha, para, em ultima análise, promover os seus pontos de vista em relação ao referendo de Domingo.
Para mim, não é um assunto novo. Muitas vezes, canções inteiras foram usadas em contextos ampliados — e muitas vezes amplificados. E muitas outras se apropriaram de frases minhas para dizer — e pensar — outras coisas. Goste ou não goste (e gosto várias vezes) acho que tudo isso faz parte de qualquer acto criativo. Se não o quisesse expor a esse risco, guardava-o na gaveta.
Só que há limites, claro. Desde já, neste caso, enganaram-se, não só na intenção, mas no próprio título da canção. Em vez de “Espalhem a notícia” deviam ter posto (e postado) "Chamem a polícia”...
A minha canção é uma elegia à qualidade da vida, e à alegria consciente de dar à luz um novo ser. Nada que se pareça com humilhação, falsas promessas de apoio a gravidezes indesejadas, sugestões de trabalho comunitário para substituir penas de prisão e outra pérolas que tais.E sim, sim à vida que a canção exalta e reconhece. Espalhem a notícia.
Sérgio Godinho no Sim no referendo
Somos todos Africanos
Sempre que entram em crise, as civilizações começam a olhar para o seu passado, buscando inspiração para o futuro. Hoje estamos no coração de uma fenomenal crise planetária que afeta todas as civilizações. Ela pode significar um salto rumo a uma estado superior da hominização bem como uma tragédia ameaçadora para toda a nossa espécie. Num momento assim radical, não é sem interesse sondar as nossas raízes mais ancestrais e aquele começo seminal em que deixamos de ser primatas e passamos a ser humanos. Aqui deve haver lições que nos podem ser muito úteis.
Hoje é consenso entre os paleontólogos e antropólogos que a aventura da hominização se iniciou na África, cerca de sete milhões de anos atrás. Ela se acelerou passando pelo homo habilis , erectus , neandertalense até chegar ao homo sapiens cerca de cem mil anos atrás. Da África ele se propagou para a Ásia, há sessenta mil anos, para a Europa, há quarenta mil anos e para as Américas há trinta mil anos.
A África não é apenas o lugar geográfico das origens. É o arquétipo primal, o conjunto das marcas, impressas na alma do ser humano, presentes ainda hoje como informações indeléveis à semelhança daquelas inscritas em nosso código genético. Foi na África que o ser humano elaborou suas primeiras sensações, onde se articularam as crescentes conexões neurais (cerebralização), brilharam os primeiros pensamentos, se fortaleceu a juvenilização (processo semelhante ao de um jovem que mostra plasticidade e capaz de aprendizagem) e emergiu a complexidade social que permitiu o surgimento da linguagem e da cultura. Há um espírito da África, presente em cada um dos seres humanos.
Vejo três eixos principais do espírito da África que podem significar verdadeira terapia para a nossa crise global.
O primeiro é a Mãe Terra . Espalhando-se pelos vastos espaços Africanos, nossos ancestrais entraram em profunda comunhão com a Terra, sentindo a inter-conexão que todas as coisas guardam entre si. Mesmo vítimas da exploração colonialista, os atuais Africanos não perderam esse sentido materno da Terra, tão bem representado pela keniana Wangari Mathai, ganhadora do prêmio Nobel da Paz por plantar milhões de árvores e devolver assim vitalidade à Terra. Precisamos nos reapropriar deste espírito da Terra para salvar Gaia, nossa Mãe e única Casa Comum.
O segundo eixo é a matriz relacional ( relational matrix no dizer dos antropólogos). Os Africanos usam a palavra ubuntu que significa a força que conecta a todos, formando a comunidade dos humanos. Quer dizer, eu me faço humano através do conjunto das conexões com a vida, a natureza, os outros e o Divino. O que a física quântica e a nova cosmologia ensinam acerca de interdependência de todos com todos é uma evidência para o espírito Africano. A essa comunidade pertencem os mortos. Eles não vão ao céu. Ficam no meio do povo como conselheiros e guardiães das tradições sagradas.
O terceiro eixo são os rituais. Experiências importantes da vida pessoal, social e sazonal são celebrados com ritos, danças, músicas e apresentações de máscaras, portadoras de energia cósmica. É nos rituais que as forças negativas e positivas se equilibram e se aprofunda o sentido da vida.
Se reincorporarmos o espírito da África, a crise não precisará ser uma tragédia.
Leonardo Boff
Texto publicado no site do autor em 2/02/2007 e aqui afixado com a sua autorização
terça-feira, fevereiro 06, 2007
Aquecimento global
É sabido que os Estados Unidos não subscreveram o Protocolo de Quioto. Também é sabido que, com apenas cerca de 5% da população mundial, os Estados Unidos são responsáveis por cerca de 25% das emissões de gases com “efeito de estufa”. E, ainda, que a indústria petrolífera domina o poder instalado na Casa Branca.
Não é, pois, de admirar, que pessoas com pouca cultura e nenhum respeito pela humanidade, como George W. Bush e seus apaniguados, sempre tenham tentado negar as evidências do aquecimento global. Mas, já causa alguma consternação que pessoas da craveira intelectual de um Simon Blackburn não tenham aberto os olhos em devido tempo.
Com efeito, em 24 de Julho de 2004 foi publicada na Crítica a tradução integral da “Palestra Voltaire 2001” que aquele insigne filósofo proferiu em 13 de Dezembro de 2001 no King’s College London, no âmbito do evento organizado pela Associação Humanista Britânica. A mim, ia-me “caindo o queixo”, quando li o seguinte parágrafo:
“Casos mais insidiosos de alucinação de massas dependem provavelmente, em primeira análise, das necessidades institucionais das ciências específicas. Assim, por exemplo, o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudança Climática tem produzido incessantemente gráficos e relatórios dando conta dos efeitos iminentes e catastróficos do aquecimento global. Para os cientistas que fazem parte do Painel, essas teses justificam mais financiamento, sem falar em mais poder institucional, recursos informáticos e viagens de avião em primeira classe para ir a conferências em locais exóticos. A paixão que nos faz receber estes relatórios (como outros acerca de outros desastres ambientais) tão avidamente é, suponho eu, a culpa. Pois de facto apenas existem escassos dados que apoiem a tese do aquecimento global, e muitos e bons dados que apoiam a tese de que não há nenhum ou quase nenhum. Tal como não há dados que comprovem a subida do nível do mar ou o aumento da agressividade climática (os escassos dados a favor disso advêm de medições feitas à superfície do globo e arbitrariamente distribuídas, ao passo que os dados substanciais contra essa ideia são proporcionados por satélites que têm um raio de acção sobre praticamente todo o planeta e por balões meteorológicos).
Não tenho aqui o objectivo de aligeirar a minha mensagem amesquinhando a ciência. Pelo contrário, os dados que referi são o resultado da ciência exercida com esforço, da ciência de alta qualidade e sem mácula. Mas uma declaração pública pode falar em nome de todo o edifício da ciência sem reflectir adequadamente o carácter dessa ciência. É às declarações públicas (...) do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, que se tem de dar um grande desconto”.
Ainda pensei que poderia ser algum mal entendido, mas o original lá estava disponível na página do autor. Posteriormente, o filósofo afixou na sua página, antes do artigo, um aviso de que este já não retrata a sua perspectiva no que diz respeito ao aquecimento global.
O referido Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas, organização internacional de cientistas especializados em climatologia, numa inflexível avaliação do futuro do nosso planeta concluiu, no passado dia 2 de Fevereiro, em Paris, que o aquecimento global é “inequívoco” e que a actividade humana é a sua principal causadora tendo, “muito provavelmente”, provocado a maior parte do aumento das temperaturas desde 1950.
Este relatório é a quarta avaliação do Painel desde 1990 sobre as causas e consequências das mudanças climáticas, mas é o primeiro em que o Grupo afirma, com uma certeza quase absoluta – mais de 90 de confiança – que o dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa provenientes da actividade humana têm sido as principais causas do aquecimento no último meio século.
No relatório anterior, de Março de 2001, o Painel, constituído por centenas de cientistas, tinha declarado que o nível de confiança para as suas projecções era “provável”, isto é, entre 66 e 90% (daí a minha surpresa pelas afirmações de Simon Blackburn, produzidas 9 meses depois). Esse nível de confiança passou, agora, a “muito provável”, isto é, entre 90 e 99%.
“Nas nossa vidas diárias todos nós reagimos urgentemente a perigos que têm muito menor probabilidade de afectar o futuro dos nossos filhos do que as mudanças climáticas”, declarou Achim Steiner, director executivo do Programa Ambiental das Nações Unidas que, em conjunto com a Organização Meteorológica Mundial, administra o Painel. E acrescentou que “o dia 2 de Fevereiro será recordado como a data na qual foi afastada a incerteza sobre se os seres humanos tinham algo a ver com as mudanças climáticas neste planeta. As provas estão em cima da mesa”.
Embora pareça que a administração Bush aceita as conclusões, há quem continue a negá-las. O American Enterprise Institute, por exemplo, que, de acordo com a Greenpeace, tem recebido fundos da Exxom Mobil ao longo dos últimos anos, ofereceu 10.000 dólares a cada cientista que conseguisse contraditar as conclusões do Painel. Parece que, para já, ainda ninguém aceitou a oferta.
Fotografia de Owen Humphreys/PA/Guardian
É sabido que os Estados Unidos não subscreveram o Protocolo de Quioto. Também é sabido que, com apenas cerca de 5% da população mundial, os Estados Unidos são responsáveis por cerca de 25% das emissões de gases com “efeito de estufa”. E, ainda, que a indústria petrolífera domina o poder instalado na Casa Branca.
Não é, pois, de admirar, que pessoas com pouca cultura e nenhum respeito pela humanidade, como George W. Bush e seus apaniguados, sempre tenham tentado negar as evidências do aquecimento global. Mas, já causa alguma consternação que pessoas da craveira intelectual de um Simon Blackburn não tenham aberto os olhos em devido tempo.
Com efeito, em 24 de Julho de 2004 foi publicada na Crítica a tradução integral da “Palestra Voltaire 2001” que aquele insigne filósofo proferiu em 13 de Dezembro de 2001 no King’s College London, no âmbito do evento organizado pela Associação Humanista Britânica. A mim, ia-me “caindo o queixo”, quando li o seguinte parágrafo:
“Casos mais insidiosos de alucinação de massas dependem provavelmente, em primeira análise, das necessidades institucionais das ciências específicas. Assim, por exemplo, o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudança Climática tem produzido incessantemente gráficos e relatórios dando conta dos efeitos iminentes e catastróficos do aquecimento global. Para os cientistas que fazem parte do Painel, essas teses justificam mais financiamento, sem falar em mais poder institucional, recursos informáticos e viagens de avião em primeira classe para ir a conferências em locais exóticos. A paixão que nos faz receber estes relatórios (como outros acerca de outros desastres ambientais) tão avidamente é, suponho eu, a culpa. Pois de facto apenas existem escassos dados que apoiem a tese do aquecimento global, e muitos e bons dados que apoiam a tese de que não há nenhum ou quase nenhum. Tal como não há dados que comprovem a subida do nível do mar ou o aumento da agressividade climática (os escassos dados a favor disso advêm de medições feitas à superfície do globo e arbitrariamente distribuídas, ao passo que os dados substanciais contra essa ideia são proporcionados por satélites que têm um raio de acção sobre praticamente todo o planeta e por balões meteorológicos).
Não tenho aqui o objectivo de aligeirar a minha mensagem amesquinhando a ciência. Pelo contrário, os dados que referi são o resultado da ciência exercida com esforço, da ciência de alta qualidade e sem mácula. Mas uma declaração pública pode falar em nome de todo o edifício da ciência sem reflectir adequadamente o carácter dessa ciência. É às declarações públicas (...) do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, que se tem de dar um grande desconto”.
Ainda pensei que poderia ser algum mal entendido, mas o original lá estava disponível na página do autor. Posteriormente, o filósofo afixou na sua página, antes do artigo, um aviso de que este já não retrata a sua perspectiva no que diz respeito ao aquecimento global.
O referido Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas, organização internacional de cientistas especializados em climatologia, numa inflexível avaliação do futuro do nosso planeta concluiu, no passado dia 2 de Fevereiro, em Paris, que o aquecimento global é “inequívoco” e que a actividade humana é a sua principal causadora tendo, “muito provavelmente”, provocado a maior parte do aumento das temperaturas desde 1950.
Este relatório é a quarta avaliação do Painel desde 1990 sobre as causas e consequências das mudanças climáticas, mas é o primeiro em que o Grupo afirma, com uma certeza quase absoluta – mais de 90 de confiança – que o dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa provenientes da actividade humana têm sido as principais causas do aquecimento no último meio século.
No relatório anterior, de Março de 2001, o Painel, constituído por centenas de cientistas, tinha declarado que o nível de confiança para as suas projecções era “provável”, isto é, entre 66 e 90% (daí a minha surpresa pelas afirmações de Simon Blackburn, produzidas 9 meses depois). Esse nível de confiança passou, agora, a “muito provável”, isto é, entre 90 e 99%.
“Nas nossa vidas diárias todos nós reagimos urgentemente a perigos que têm muito menor probabilidade de afectar o futuro dos nossos filhos do que as mudanças climáticas”, declarou Achim Steiner, director executivo do Programa Ambiental das Nações Unidas que, em conjunto com a Organização Meteorológica Mundial, administra o Painel. E acrescentou que “o dia 2 de Fevereiro será recordado como a data na qual foi afastada a incerteza sobre se os seres humanos tinham algo a ver com as mudanças climáticas neste planeta. As provas estão em cima da mesa”.
Embora pareça que a administração Bush aceita as conclusões, há quem continue a negá-las. O American Enterprise Institute, por exemplo, que, de acordo com a Greenpeace, tem recebido fundos da Exxom Mobil ao longo dos últimos anos, ofereceu 10.000 dólares a cada cientista que conseguisse contraditar as conclusões do Painel. Parece que, para já, ainda ninguém aceitou a oferta.
Fotografia de Owen Humphreys/PA/Guardian
Muito esclarecedor
No blogue Esquerda Republicana, Ricardo S. Carvalho tem vindo a publicar uma série de 5 artigos subordinados ao tema Sobre a Irracionalidade do "Não" e a sua Desconstrução , cuja leitura recomendo vivamente.
Como é aconselhável que a leitura seja feita pela ordem pela qual foram afixados, aqui fica:
Primeiro de 5
Segundo de 5
Terceiro de 5
Quarto de 5
Quinto
Condecorações
As distribuição de condecorações a granel começou quando o Dr. Mário Soares ocupava o lugar de Presidente da República; continuou quando a mesma função era desempenhada pelo Dr. Jorge Sampaio; e atingiu o abastardamento total sob o primeiro mandato do Prof. Cavaco Silva.
De facto, não lembraria ao diabo a atribuição da Grã-Cruz da Ordem de Cristo a uma pessoa como o ex-PGR, Dr. Souto de Moura. Onde estão os "destacados serviços prestados ao país no exercício das funções" pelo ex-PGR? Alguém viu? E onde andava o actual Presidente da República quando Souto Moura se entreteve, durante seis longos anos, a pôr de rastos a já tão desacreditada justiça portuguesa? Era capaz de andar atrás do "monstro" que criou quando era Primeiro Pinistro
E, como cereja no cimo do bolo, o Sr. Professor ainda quis parafrasear o grande Zé Carlos, afirmando que condecorava Souto Moura "com muito gosto". Pois, deve ser como "quem faz um filho". Vou estar atento para ver a reacção de pessoas supostamente com coluna direita, quando lhes for oferecida idêntica "distinção", que de distinção passou a ter nada.
segunda-feira, fevereiro 05, 2007
A mania das privatizações
A The Weekly Standard, revista americana assumidamente neo-conservadora, foi lançada em 18 de Setembro de 1995 e integra o grupo News Corporation, do magnata Rupert Murdoch. A sua influência na Casa Branca é de tal modo forte que, segundo a Vanity Fair, só o gabinete do Vice-Presidente Dick Cheney adquire, semanalmente, 30 exemplares.
No número publicado hoje, um artigo de Michael Rubin, que se encontra disponível online desde o dia 31 de Janeiro, intitulado Privatize the CIA, advoga a privatização dos serviços de apoio à espionagem da CIA (desde espiões a técnicos de tradução, passando pelos redactores dos relatórios).
A Rede Voltaire para a liberdade de expressão, que congrega muitos órgãos de informação de esquerda em vários continentes, considerou, no passado dia 1, o artigo de Michael Rubin como uma sugestão à Casa Branca para fazer escapar a CIA ao controlo da Câmara dos Representantes e do Senado. Parece que o pânico se apoderou da CIA após a surpreendente eleição de John D. Rockefeller IV para a presidência da Comissão de Informações do Senado. Este democrata, herdeiro da dinastia Rockfeller, é o elemento mais à esquerda da família, tendo-se distinguido pela sua luta contra a Organização Mundial do Comércio e pela melhoria das condições dos trabalhadores das minas de carvão, é já terá decidido revolucionar a dita Comissão.
A Weekly Standard apresenta o seu jornalista Michael Rubin como antigo colaborador do Gabinete da Secretaria de Estado da Defesa, mas esconde que ele trabalhou numa estrutura de informações pouco transparente, o Gabinete para os Planos Especiais. Como o próprio escreve a dado passo, “libertar os analistas de algumas regras e regulamentos do governo pode melhorar os seus resultados”.
sábado, fevereiro 03, 2007
Eu difundo e acompanho
Resposta ao apelo do Padre Mário de Macieira da Lixa
2007 FEVEREIRO 02
No último dia de Janeiro, estive em Braga, a participar numa conferência-debate sobre o próximo referendo, promovida pelo Movimento MÉDICOS PELO SIM. Pelo caminho, enquanto conduzia a carrinha, fui sempre à escuta do Espírito. À entrada na cidade, estacionei e permaneci dentro da carrinha a tentar pôr por escrito o que deveria dizer, quando me fosse dada a palavra. Como estava em Braga, pensei sobretudo nas minhas irmãs, nos meus irmãos católicos do NÃO. Senti que as minhas palavras deveriam dirigir-se especialmente a elas, a eles. E escrevi um texto em forma de carta-aberta. É esse texto, retocado e melhorado à medida que o digitalizava, que aqui partilho com alegria. E como eu gostaria que ele fosse lido por todas as mulheres, todos os homens em idade de votar no referendo do dia 11. Leiam e, se assim o entenderem, difundam-no.
Ao iniciar esta minha breve intervenção, aqui em Braga, nesta sessão promovida pelo Movimento MÉDICOS PELO SIM, saúdo cordialmente as minhas irmãs católicas, os meus irmãos católicos do NÃO. Ao mesmo tempo, envio-lhes um alerta que pode ser também um fraterno reparo em três/quatro pontos. Eis:
1. Se vão votar NÃO, porque pensam que a pergunta que vai a referendo dia 11 de Fevereiro 2007 é se somos a favor do aborto ou contra o aborto, então deverão reconhecer que estão enganados, porque a pergunta que vamos referendar, sim ou não, não é essa. Se fosse, também eu votaria NÃO. A pergunta é se concordamos com a despenalização das mulheres que porventura abortem nas primeiras dez semanas de gravidez. Por isso, eu voto SIM. Porque uma lei assim, que despenaliza as mulheres que abortem nas primeiras dez semanas de gravidez acaba de vez com a lei que está actualmente em vigor e que condena as mulheres que abortarem, mesmo naquelas condições, até três anos de prisão, depois de as ter humilhado publicamente num julgamento quase sempre mediatizado nos tribunais.
2. Mas vós, minhas irmãs, meus irmãos do NÃO, devereis ter em consideração um outro pormenor importante e, então, talvez passareis do NÃO ao SIM. É que com o vosso NÃO estais a dizer à Sociedade civil e ao Estado português que quereis que as mulheres que decidiram abortar nas primeiras dez semanas de gravidez continuem a poder fazê-lo apenas na clandestinidade; e, se são pobres e vivem em condições de degradação e no seio de famílias completamente desestruturadas, que continuem a fazê-lo apenas nas abortadeiras/habilidosas, com todos os riscos para a sua saúde e sempre com o medo de virem a ser denunciadas, presas e condenadas em tribunal. É isto que queremos para as mulheres pobres que decidirem abortar nas primeiras dez semanas de gravidez? Que elas o façam apenas nestas condições de desumanidade? Eu, por mim, não quero que semelhante situação de desumanidade se arraste por mais tempo e por isso voto SIM à lei que vai a referendo. Porque com a aprovação da nova lei, também as mulheres pobres que decidam abortar passam a poder fazê-lo (nunca serão obrigadas a fazê-lo e oxalá elas não queiram nunca fazê-lo!) nos estabelecimentos públicos de saúde ou noutros devidamente autorizados, o que é muito menos traumatizante para elas e muito menos perigoso para a sua saúde (ora, como sabem, as mulheres pobres também são pessoas, não apenas as mulheres ricas e com estudos para facilmente se desenrascarem em situações como esta de que estamos aqui a tratar, a duma gravidez indesejada e não assumida). Não quereis acompanhar-me neste voto SIM? Não vedes que o vosso voto NÃO acaba por ser cruel, já que condena as mulheres pobres que abortem (as ricas safam-se sempre, porque têm outros meios para isso) a fazê-lo apenas na mais abjecta clandestinidade e às mãos de abortadeiras/habilidosas?
3. Mas há outro pormenor que deveis ter em conta e que não posso calar por mais tempo. Com o vosso NÃO à lei de despenalização do aborto estais a impedir que as mulheres grávidas passem a estar no centro da decisão de levar por diante a gravidez, ou de a interromper, caso seja esta última hipótese a sua escolha, sempre dolorosa, indubitavelmente, e por demais difícil, mas a sua escolha. E porquê? Porque a lei que vai a referendo diz que só poderá haver aborto nas primeiras dez semanas de gravidez, nos hospitais ou outros estabelecimentos de saúde devidamente autorizados, por opção da mulher grávida. E este é, para mim, o aspecto mais importante da pergunta e da lei a referendar. Porque coloca as mulheres no centro da decisão. É por opção delas, não é por opção nem dos pais, nem do marido, nem do namorado, nem das amigas, nem da pressão social, nem do Estado, nem do pároco, nem do confessor ou director espiritual, nem do bispo, nem do papa. Apenas por opção das mulheres na condição de grávidas. É por isso que eu voto SIM. E gostava que todas as minhas irmãs católicas, todos os meus irmãos católicos me acompanhassem neste SIM.
4. E aqui tenho que fazer uma pausa e perguntar-vos: Sabeis porque a hierarquia da nossa Igreja católica – os bispos e os párocos – se mostra tão furiosamente contra a lei de despenalização do aborto? (eles preferem dizer que são furiosamente contra o aborto e evitam falar em despenalização do aborto, mas é a despenalização do aborto que vai a referendo, não a liberalização do aborto e muito menos a sua imposição; porque se fosse, também eu, como já disse, votaria NÃO, obviamente). Vou revelar-vos o segredo, nem que, por causa disso, os nossos bispos se zanguem comigo. A verdade é para se dizer e praticar, porque só a verdade, como diz Jesus, o do Evangelho de João, nos faz livres. Os nossos bispos, devido, sobretudo, à (de)formação clerical que receberam e da qual não querem abdicar, para não perderem o lugar nem os privilégios, não admitem, não podem admitir que alguma vez as mulheres estejam no centro de decisões tão importantes como esta que vai a referendo dia 11. Apenas eles, nunca elas! Como sabeis, sempre foi assim nos tempos da velha Cristandade Ocidental e na Idade Média. Mas não pode continuar a ser assim. Vede, por exemplo, o que eles – bispo de Lisboa, párocos de VN Ourém, confessores/directores espirituais – no início do século XX, fizeram com a pequenita Lúcia, de Fátima; como a meteram no Asilo de Vilar, no Porto, a levaram sequestrada para um convento na Galiza e, depois, não satisfeitos, ainda a meteram num convento de clausura, até ao fim dos seus dias, sem que a pobre alguma vez pudesse decidir sobre a sua vida e o seu futuro… É isto humano? É isto evangélico? É isto cristão jesuânico? Os bispos e os párocos acham que são os únicos que sabem o que as mulheres devem fazer ou deixar de fazer, em matérias tão delicadas como as da bioética. Como diz a nova novela das noites da RTP1, “Paixões Proibidas”, as mulheres não têm que pensar, saber, entender coisa nenhuma. Apenas têm que obedecer ao pai e, na sua ausência, ao irmão mais velho e, depois de casar, ao marido; finalmente, ao pároco, ao bispo, ao papa. Ora, é aqui que reside todo o valor evangélico e cristão jesuânico da pergunta e da Lei a referendar dia 11. “Por opção da mulher”. Os bispos e os párocos que estão em campanha pelo NÃO querem convencer-nos que isto é arbitrariedade, mas não é. Isto é Maioridade, é Liberdade, é Reponsabilidade. E só por esta via chegaremos a ter mulheres verdadeiramente adultas, livres, responsáveis. E só com mulheres assim, bem no centro das decisões que a elas dizem respeito, é que se dá glória a Deus e poderemos construir uma sociedade humana e sororal.
5. Finalmente, deixo-vos, irmãs católicas, irmãos católicos, mais uma revelação decisiva para mudardes o vosso voto do NÃO para o SIM. Já reparastes (infelizmente, não temos procurado ser católicos bem informados e andamos quase sempre muito distraídos do essencial) que o Código de Direito Canónico (CDC), da Igreja, ainda é mais penalizador contra as mulheres católicas que abortarem do que a actual lei do Código Penal português? Vede só esta barbaridade canónica: as mulheres católicas que abortarem ficam automaticamente excomungadas, portanto, fora da comunhão da Igreja! Nem é preciso o Tribunal eclesiástico proferir a sentença. É automático! Porém, se as mulheres católicas grávidas, para não serem excomungadas, decidirem levar a gravidez ao fim e, logo após o parto, matarem o bebé, já não sofrem qualquer sanção canónica. Cometem, obviamente, um pecado mortal de infanticídio, mas não sofrem nenhuma sanção canónica. Estremeceram com o impacto desta revelação? Mas a realidade é esta. E porquê esta sanção canónica contra as mulheres que abortam e não contra as mulheres que matem o próprio bebé acabado de nascer? Porque decidir levar a gravidez ao final ou abortar é uma opção que só as mulheres grávidas podem protagonizar. Mais ninguém. E para que nunca as mulheres sejam sujeito de opções de tanta monta, é que a hierarquia católica recorre à excomunhão, o que, reconheça-se, em tempos de Cristandade como eram os da altura em que o CDC foi publicado, era praticamente o mesmo que matar as mulheres por apedrejamento. Mas digam-me uma coisa, irmãs, irmãos: Sem mulheres desta estatura moral, capazes de optar em matérias de tanta monta, ainda se pode falar em mulheres? Ou apenas em coisas, ou em simples barrigas de aluguer?
6. Pensem nisto e votem SIM, como eu, para que a nova lei que vai a referendo seja aprovada. Com este voto SIM estaremos, como católicas, como católicos, a dizer também à hierarquia da nossa Igreja católica que altere o CDC e deixe de excomungar as mulheres que abortem, tal como o Estado português irá deixar de as penalizar com prisão até três anos, se a lei for aprovada, como espero.
Percam os medos, irmãs, irmãos. Pensem pela vossa cabeça. E decidam segundo a vossa consciência pessoal. Deixem de pensar e de decidir pela cabeça e pela consciência funcional do clero. Façam como eu que penso pela minha cabeça e decido segundo a minha consciência pessoal. E por isso voto SIM no referendo do dia 11. Quem de vós me acompanha nesta liberdade/responsabilidade?
Dou-vos o meu afecto e a minha Paz.
Mário, Presbítero da Igreja do Porto
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