sexta-feira, abril 24, 2009

OS PASSOS NA NOITE Ouve, querida, na noite angustiada, sem portas mas perfeita como um ovo, como soa e ressoa a martelada de cada passo do povo. Ouve, na noite descarnada e enxuta, o som que sobe, vertical e inteiro. Ouve, querida, até às lágrimas, escuta o oceano prisioneiro. Noite implacável, arrepiada de vultos como versos que mordem o papel em que crianças, com gestos de adultos, enchem de grãos de areia a nossa pele. Noite aos quadrados, grades de gaiola, cada quadrado fecha uma canção, era aos quadrados no tempo da escola, continua aos quadrados desde então. Mas para lá dos barrancos, das ciladas, para lá do engano e o desengano cada pancada assobia madrugadas cada pancada tem um som humano. Compassados os passos, contra o vento, escalam a noite descarnada e enxuta. Viris, soam, ressoam no cimento, ouve, querida, até ás lágrimas, escuta. Sidónio Muralha (in Poemas de Abril - Prelo Editora – 1974)

1 comentário:

Luis Portugal disse...

Olá Lino
Quadras (Abrilistas) e que são do mais real que aconteceu e nos transmitem a nossa forma de ser e agir.
Um Bom Fim de Semana.
Abraço para o minhoto.