sábado, abril 21, 2007

Sílvio Romero

Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero , nascido a 21 de Abril de 1851, foi um crítico literário, ensaísta, poeta, filósofo, professor e político brasileiro.

A sua poesia enquadra-se na terceira geração do romantismo, influenciada por Vitor Hugo.

Autor de vasta obra, foi um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras.



A alma

Aqui da fronte é que desponta a aurora,
Aqui do peito só que o amor se exala;
Grega sublime, Psiquê formosa,
Num sonho doce quem te ouvira a fala,
O riso meigo, o harmonioso anseio
Dos teus enlevos!... Nas madeixas tuas
Ah! quem pousara de um suspiro, ao menos,
O tênue mimo... nas espáduas nuas!

Mas, sonhadora, que altivez é essa?
Deixando os lábios, vais beijar as flores?
Dá que o teu seio deslumbrante e meigo
Nos mostre a vida dentro em seus fervores,
O vento fresco das manhãs saudosas,
O azul da vaga, que desperta agora,
Todo o sussurro, que os jasmins ondeiam,
Por tuas graças é que tudo adora.

Oh! bela imagem das ternuras brandas,
O teu perfume pelo céu foi feito;
Tu, que acordaste de uma cisma aos frocos
Envolta, e nua do sidéreo leito,
Lindo o teu corpo, que as paixões desfolhas
Já de cansadas de te ver ausente,
Dize - nas dobras de teu seio - oculta
Também uma alma não palpita e sente?

Como que a vida se evapora em risos,
Lá no sacrário dessa noiva santa!,
As nuvens louras dos cabelos soltos,
Rosada a boca, que as manhãs encanta,
Inda mais bela se às estrelas fala,
Não... não é tudo... mas o puro espanto
Dos seus olhares, que refletem mudos
A glória e a sorte em divinal quebrando?!

Sim, ver-lhe o corpo, na expressão de um sonho,
Tingida a neve pela cor das rosas,
Tão transparente, que a sua alma em êxtase
Mostra-se toda nas feições mimosas,
Ver como um susto lhe descora a face,
Como um anelo lhe intumesce o seio,
É ter a fronte sepultada em brilhos
Longe os mistérios desvendando a meio.

Sentir-lhe a vida perfumosa, em ondas
Rolando cheia, borbulhando em flores,
E sob o colo lhe ver a alma aberta
Em seus eflúvios, lá nos seus fulgores,
Belo espetáculo! E como todo o riso
São devaneios, são caprichos vagos,
Como os desejos os ondulamentos
De alguma idéia que suspira afagos!...

O céu brilhante dessa plaga helênica
Sopra a bafagem perfumosa e amena,
E lá dos astros desce o encanto fúlgido,
A paz, a calma, a mansidão serena.
E com os enleios de sereia lânguida,
E com os arroubos de bacante louca,
Todos os sonhos, palpitantes, túmidos,
Abrem as asas... A amplidão é pouca!

É da alma a empresa. Que expansões suaves!
Assim Homero devassara a sorte,
Platão entrava na surtida, às vezes,
Trazendo sempre mais um raio forte.
Aqui da América na agitada arena
Cada um suspiro traz um céu no fundo,
A cada idéia não sacia um astro,
Que nós sentimos vacilar o mundo.

Sim,nós provamos que o tufão que passa
Traz-nos de longe alguma nova infinda;
Que a flor aberta à madrugada amável
Sabe um segredo que não disse ainda.
Voai desejos! aquecei-vos todos
À luz sagrada deste sol que brilha
Mas que parece também procura
D´outras grandezas a sonhada trilha

Sílvio Romero

(Em Cantos do fim do século,1878)

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