quinta-feira, janeiro 18, 2007

Trogloditas e foras-da-lei A Declaração Universal dos Direitos do Homem foi adoptada e proclamada pela Assembleia Geral da Nações Unidas na sua Resolução 217A (III) de 10 de Dezembro de 1948 e transcrita para o direito português através da sua publicação no Diário da República, I Série A, n.º 57/78, de 9 de Março de 1978, mediante aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros. No seu artigo 18 dispõe que “toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”. Vivemos em Portugal, no século XXI e em Janeiro de 2007. Mas, por certas tomadas de posição, parece que vivemos simultaneamente em cavernas e no velho oeste americano, onde impera a lei da bala. Com a diferença de que os homens das cavernas sabem ler e escrever (alguns até muito bem), as armas da coação e do medo são apontadas às consciências e não aos corpos e não há xerifes a perseguir os fora-da-lei. Senão, vejamos: O Papa, na homilia de Ano Novo, comparou o aborto ao terrorismo; O Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, depois de afirmar que a igreja não faria campanha, decidiu publicar uma série de quatro documentos sobre o referendo. No primeiro afirma que, a vencer o “sim”, a nova lei “não será uma solução legítima, pois uma tal lei fere princípios éticos universais” e que o aborto é “um atropelo à civilização”, pondo em causa, como já o tinha feito a Conferência Episcopal, a legitimidade para legislar de um estado democrático e constitucionalmente laico; Ilídio Mesquita, padre de Soutelo Mourisco, em Macedo de Cavaleiros, diocese de Bragança, afirmou que vai “implorar” pela votação no “não” no próprio dia do referendo, o que é manifestamente proibido por lei; O Bispo da Guarda, D. Manuel Rocha Felício, afirmou que o aborto é “uma exclusão social”; O Bispo de Bragança e Miranda, D. António Montes Pereira, comparou o aborto à morte de Saddam Hussein; O cónego Tarcísio Alves, pároco de Castelo de Vide, Diocese de Portalegre, no seu quarto boletim semanal dedicado ao tema e distribuído aos fiéis na missa do passado Domingo, afirma que “os cristãos que votarem sim incorrem numa excomunhão e os que se abstiverem de votar cometem um pecado mortal gravíssimo, que os irá impedir de participar na missa”. Padres vários organizam “terços” públicos de desagravo à Virgem e distribuem folhetos da Virgem com lágrimas nos olhos a chorar pelos futuros pecados das mulheres portuguesas. No entanto, todos estes defensores do “não” afirmam que o voto no referendo é uma questão de consciência. Ora, se assim é, porque estão permanentemente a violentar a consciência das populações, ameaçando-as impunemente se não seguirem as suas directrizes? Se eu vivo num pais que me garante a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, se sou livre, consciente e informadamente católico, reassumido já depois dos quarenta anos após um interregno de mais de vinte anos, e se o referendo é uma questão de consciência, então por que é que: O Chefe máximo da minha igreja me compara a um terrorista? O Cardeal que preside à minha diocese acha que eu só tenho legitimidade para votar “não”, quando a minha consciência me diz para votar “sim” e que, além disso, sou um atropelador de civilizações? O Bispo de outra diocese do meu país acha que eu me comporto como quem mandou matar Saddam? Outro Bispo de uma outra diocese me acusa de querer excluir socialmente as mulheres que tiverem de interromper a sua gravidez? Um padre da minha igreja desrespeita impunemente as leis do meu país? Um cónego qualquer diz que eu já estou excomungado, visto que há muito decidi que vou votar sim? Outros padres da minha igreja andam a violentar publicamente as consciências dos mais humildes e indefesos? E querem obrigar-me, contra a minha vontade, a ajudar impor as normas morais da minha religião a quem a não professa?

7 comentários:

Anónimo disse...

Reparei que escreveu "da minha religião". Só por isto, fora o muito mais, não posso deixar de registar esta manifestação de estima e consideração.

lino disse...

Muito obrigado, João. Eu sou mesmo católico, praticante interventivo, mas muito desalinhado com a maioria das hierarquias. Se vir algumas das minhas postas anteriores, nomeadamente a assinalada pela palavra "terrorismo", de 2 de Janeiro, saberá muito do que eu penso. Também em 6 de Dezembro (as outras duas ligações) fiz a minha declaração de voto.
Um abraço.

maria disse...

Lino,

como tens razão...

Eurydice disse...

Lino, muitíssimo bem analisado!
Esta hierarquia não se enxerga!... :(

lino disse...

MC e Cinderela:
É muito triste para milhões de pessoas (incluo-me) eu ter razão neste (e noutros) assunto(s).

Anónimo disse...

"Um cónego qualquer diz que eu já estou excomungado, visto que há muito decidi que vou votar sim?"
Alguém me ajuda?
Para onde devo mandar a carta registada a este cónego, para ele me poder excomungar?

Se não lhe comunicamos como é que ele sabe que têm que nos excomungar?

Bora lá a entupir-lhe a caixa do correio!
António

Crente 1 disse...

Olá. Estamos falando da essência da fé cristão no blog
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