terça-feira, janeiro 09, 2007

Confidências Leonardo Boff é um filósofo e teólogo brasileiro, doutorado em filosofia e teologia pela Universidade Ludwig-Maximilian de Munique, Alemanha e o rosto mais conhecido da “Teologia da Libertação”. Autor de vasta obra (mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia e Antropologia e incontáveis artigos) a partir de segunda metade dos anos sessenta, foi professor de Teologia Sistemática e Ecuménica e de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades do Brasil e doutros países, além de professor visitante nas universidades de Lisboa, Salamanca, Harvard, Basel e Heidelberg. Em 1984, por causa das suas teses ligadas à Teologia da Libertação, apresentadas no seu livro “Igreja: Carisma e Poder”, foi alvo de um processo por parte da Sagrada Congregação para a Defesa da Fé, liderada por Joseph Ratzinger, actual Papa. Em 1985 foi condenado a um ano de “silêncio obsequioso” e destituído de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo religioso. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986, pelo que pôde retomar algumas das suas actividades. Em 1992, tendo sido de novo ameaçado com uma segunda punição pelo Vaticano, renunciou às suas actividade de padre e passou ao estado de leigo, continuando as suas actividades como teólogo da libertação, escritor, professor e conferencista em auditórios por todo o mundo, assessorando, também, movimentos sociais de cunho libertador, como o Movimento dos Sem Terra, entre outros. Em 8 de Dezembro de 2001 foi agraciado, em Estocolmo, com o Prémio Nobel alternativo, Right Livelihood Award. Depois de ter lido a entrevista concedida à Visão de 4 de Janeiro por Mariela Castro, filha de Raul e sobrinha de Fidel, decidi divulgar estas suas confidências: Os 80 anos de Fidel: confidências O que vou publicar aqui vai irritar ou escandalizar os que não gostam de Cuba ou de Fidel Castro. Não me importo com isso. Se não vês o brilho da estrela na noite escura, a culpa não é da estrela mas de ti mesmo. Em 1985 o então Card. Joseph Ratzinger me submeteu, por causa do livro "Igreja: carisma e poder", a um "silêncio obsequioso". Acolhi a sentença, deixando de dar aulas, de escrever e de falar publicamente. Meses após fui surpreendido com um convite do Comandante Fidel Castro, pedindo-me para passar 15 dias com ele na Ilha, durante o tempo de suas férias. Aceitei imediatamente pois via a oportunidade de retomar diálogos críticos que junto com Frei Betto havíamos entabulado anteriormente e por várias vezes. Demandei a Cuba. Apresentei-me ao Comandante. Ele imediatamente, à minha frente, telefonou para o Núncio Apostólico com o qual mantinha relações cordiais e disse:"Eminência, aqui está o Fray Boff; ele será meu hóspede por 15 dias; como sou disciplinado, não permitirei que fale com ninguém nem dê entrevistas, pois assim observará o que o Vaticano quer dele: o silêncio obsequioso. Eu vou zelar por essa observância". Pois assim aconteceu. Durante 15 dias seja de carro, seja de avião, seja de barco me mostrou toda a Ilha. Simultaneamente durante a viagem, corria a conversa, na maior liberdade, sobre mil assuntos de política, de religião, de ciência, de marxismo, de revolução e também críticas sobre o deficit de democracia. As noites eram dedicadas a um longo jantar seguido de conversas sérias que iam madrugada a dentro, às vezes até às 6.00 da manhã. Então se levantava, se estirava um pouco e dizia:"agora vou nadar uns 40 minutos e depois vou trabalhar". Eu ia anotar os conteúdos e depois, sonso, dormia. Alguns pontos daquele convívio me parecem relevantes. Primeiro, a pessoa de Fidel. Ela é maior que a Ilha. Seu marxismo é antes ético que político: como fazer justiça aos pobres? Em seguida, seu bom conhecimento da teologia da libertação. Lera uma montanha de livros, todos anotados, com listas de termos e de dúvidas que tirava a limpo comigo. Cheguei a dizer: "se o Card. Ratzinger entendesse metade do que o Sr. entende de teologia da libertação, bem diferente seria meu destino pessoal e o futuro desta teologia". Foi nesse contexto que confessou: "Mais e mais estou convencido de que nenhuma revolução latino-americana será verdadeira, popular e triunfante se não incorporar o elemento religioso". Talvez por causa desta convicção que praticamente nos obrigou a mim e ao Frei Betto a darmos sucessivos cursos de religião e de cristianismo a todo o segundo escalão do Governo e, em alguns momentos, com todos os ministros presentes. Esses verdadeiros cursos foram decisivos para o Governo chegar a um diálogo e a uma certa "reconciliação" com a Igreja Católica e demais religiões em Cuba. Por fim uma confissão sua: "Fui interno dos jesuítas por vários anos; eles me deram disciplina mas não me ensinaram a pensar. Na prisão, lendo Marx, aprendi a pensar. Por causa da pressão norte-americana tive que me aproximar da União Soviética. Mas se tivesse na época uma teologia da libertação, eu seguramente a teria abraçado e aplicado em Cuba." E arrematou:"Se um dia eu voltar à fé da infância, será pelas mãos de Fray Betto e de Fray Boff que retornarei". Chegamos a momentos de tanta sintonia que só faltava rezarmos juntos o Pai-Nosso. Eu havia escrito 4 grossos cadernos sobre nossos diálogos. Assaltaram meu carro no Rio e levaram tudo. O livro imaginado jamais poderá ser escrito. Mas guardo a memória de uma experiência inigualável de um chefe de Estado preocupado com a dignidade e o futuro dos pobres. Leonardo Boff Artigo publicado no site do autor em 11 de Agosto de 2006 e aqui afixado com a sua autorização.

1 comentário:

Eurydice disse...

Curioso testemunho!... Muito inesperado. Dá-me que pensar!...