How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
sexta-feira, setembro 19, 2008
A realidade da ilha
A costa estava debruada de palmeiras. Subiam erectas ou inclinadas, ou reclinadas contra a luz, e adejavam no ar a sua coma verde a uma altura de trinta metros. O terreno a seus pés era um talude coberto de uma ervagem áspera, retalhado a toda a largura pelas vicissitudes de troncos derrubados de mistura com cocos sorvados e rebentões de palmeira. Por trás de tudo isto havia a escuridão própria da floresta e a mancha branca da clareira. Rafael quedou-se, com uma das mãos apoiada num tronco pardo, e franziu mais uma vez os olhos contra a água rebrilhante. Lá fora, talvez a uma milha de distância, salseiros de espuma babujavam uma ilha de coral, e mais além o vasto mar era de um azul-ferrete. Dentro do arco irregular de coral, a lagoa era ainda como um lago das montanhas - azul de todos os matizes, verde-sombreado e púrpura. A praia entre o terraço de palmeiras e a água era uma fina aduela, aparentemente interminável, pois à esquerda de Rafael, as perspectivas do palmar, da praia e da água reduziam-se a um ponto de infinidade; e sempre, quase visível, havia o calor.
Saltou do terraço. A areia era grossa sob os sapatos pretos e o calor vergastou-o. Deu-se conta do peso da roupa: num sacão, vigorosamente, descalçou os sapatos e arrancou as peúgas com a liga de elástico num só movimento. Em seguida subiu para o terraço, despiu a camisa e quedou-se no meio dos cocos em forma de caveira, com as sombras verdes das palmeiras e da floresta a deslizarem-lhe sobre a pele. Desapertou a fivela do cinto em feitio de serpente, tirou as calças e as cuecas e ficou ali, nu, a mirar a praia e a água faiscantes.
Era já um rapazinho espigadote, doze anos e alguns meses, para ter perdido o estômago proeminente da infância, mas não tinha ainda a idade suficiente para a adolescência o ter tornado desajeitado. Poderia ver-se agora que talvez viesse a ser um pugilista, a julgar pela arca do peito e a largura dos ombros, mas havia uma suavidade na linha dos lábios e nos olhos que não prenunciava o demónio. Acariciava brandamente o tronco da palmeira e, forçado por fim a acreditar na realidade da ilha, tornou a rir deliciado e fez o pino. Pôs-se agilmente de pé, correu ao longo do areal, ajoelhou-se e atirou duplos punhados de areia contra o peito. Depois sentou-se e ficou a olhar para a água com os olhos brilhantes e exaltados.
William Golding
In “O Deus das Moscas” - Colecção Mil Folhas - 2002
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