terça-feira, agosto 26, 2008

Agonia de uma noite infecunda Como a flor cortada rente e desfolhada ou os olhos vazados da criança e o seu fio de pranto tênue e impotente assim a noite caminha com os astros todos em vertigem até que se atinge o ponto da mudez a pesada mó triturando a sílaba a garganta com as cordas dilaceradas e uma lâmina ácida e pontiaguda enterrada ao nível da carótida Entenda-se isto como noite e o seu transe derradeiro tanto assim que a flor desfeita não embala o coração do poeta oh não porque a flor defunta se voa não sobe nunca e só dura o espaço breve duma nota Assim o canto se detém imóvel como se da flauta falhando súbito na boca do poeta ficasse o hiato ou a saliva de um tempo devassado por insectos cor de cinza A voz suspensa e negada cede a vez à letra amorfa inscrita no silêncio com seu peso de chumbo e olvido acaba o poema e um ponto final selando tudo. Arménio Vieira* *poeta cabo-verdiano

1 comentário:

f@ disse...

Acaba o poema e a flor embora cortada e desfolhada tem um brilho nas pétalas...
beijinhos das nuvens