quarta-feira, outubro 10, 2007

Os complicadores Um reputado constitucionalista português diz ser contra o referendo ao Tratado Reformador da União Europeia – um eufemismo para a Constituição Europeia – por se tratar de “textos longos, complexos, prolixos e que versam sobre centenas ou milhares de questões”, acrescentando que “estes documentos não podem deixar de ser longos e complexos” Ora, com todo o respeito que o Prof. Vital Moreira merece, uma Constituição não tem de ser, forçosamente, um documento longo e complexo. Nós, os portugueses em particular e os europeus em geral, é que temos o mau hábito de complicar aquilo que poderia ser simples. Já quando, em 1982, foi elaborado o Tratado de Maastricht, fomos confrontados com um documento intragável até para os iniciados, que a grande maioria dos seus apoiantes não deve ter percebido. A mim valeu-me, na altura, o economista António Marta, que creio ocupava o lugar de Secretário de Estado (das Comunidades ou da Integração Europeia, já não me recordo decorridos 15 anos), o qual verteu para português minimamente inteligível uma versão reduzida (mesmo assim com 150 páginas) do documento. Em termos internacionais, por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos tem 7 Artigos que ocupam sete páginas, a que foram acrescentadas 27 Emendas – das quais as 10 primeiras formam A Carta dos Direitos (The Bill of Rights) – que ocupam mais oito páginas. A Constituição Portuguesa tem 296 Artigos que ocupam noventa e uma páginas. E a moribunda Constituição Europeia tem 448 artigos que ocupam mais de duzentas e cinquenta páginas que, com os protocolos anexos, sobem para mais de quatrocentas e cinquenta. Em termos de palavras, vi escrito que a Constituição dos Estados Unidos tem 4.600 palavras (eu fiz a conversão para documento de texto, incluindo as Emendas, e contei 7.132 palavras), ao passo que a Europeia tem mais de 60.000. E quanto à clareza do conteúdo, vou ali e já venho. Indo apenas ao preâmbulo, comparemos o dos Estados Unidos : “Nós, o Povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a Justiça, assegurar a Tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o Bem-estar geral, e garantir para nós e para os nossos Descendentes os benefícios da Liberdade, estabelecemos e promulgamos esta Constituição para os Estados Unidos da América.” com o da União Europeia, ou mesmo o de Portugal . Eu não sou um admirador daquilo que os Estados Unidos representam, o que não me impede de reconhecer o muito que o país, e principalmente o seu povo, tem de bom. E cá deste lado devíamos aproveitar o bom e refutar o mau, mas costumamos fazer exactamente o oposto. Pela minha parte, não gostaria de ver a minha vida regulada pelo Estado – ou por um conjunto de Estados – até ao mais ínfimo pormenor. Não tenho de beber a mistela a que os ingleses dão o nome de cerveja, comer salsichas quando não gosto, ser impedido de tomar banho todos os dias só porque há europeus que não têm hábitos de banho diário e muitas outras coisas mais. Já chega ter de consumir fruta “de aviário” normalizada, tomates normalizados também “de aviário”, azeite que não presta em embalagens invioláveis, hortaliça embalada com desperdícios lá dentro e “digerir” Directivas e mais Directivas que regulam a minha actividade profissional, para mais apenas disponíveis em letra do tamanho 7, para dar sono durante a leitura e proporcionar a “caça à sanção”. E o Zé a pagar os chorudos ordenados da cambada que está em Bruxelas ou em Estrasburgo.

4 comentários:

Anónimo disse...

Com excepção do último parágrafo, subscrevo.

lino disse...

Obrigado, Sofia.
A propósito do último parágrafo, ainda hoje estive a analisar um projecto de Directiva que reformula 13 Directivas anteriores e acrescenta mais umas quantas coisas. Mas aguarde, que também deve sair qualquer coisa sobre a sua actividade profissional. É uma questão de aparecer lá por Estrasburgo ou Bruxelas um deputado ou um burocrata que pensa que percebe de anatomia patológica.

lino disse...

Esqueci-me de dizer que o tal projecto tem 393 (trezentas e noventa e três) páginas em letra muito pequenina.

Anónimo disse...

Pois... a unica vez que me atrevi a tentar ler algo da constituição portuguesa desisti.... não sou minimamente da área e achei que pudesse ser problema meu.... ou então não!

Tive uma professora (de filosofia)que disse um dia qualquer coisa como: "Para conseguirmos viver em harmonia, as leis têm que ser vagas e claras... demasiado restritivas impedem a acção"