sexta-feira, janeiro 09, 2015

O poema

A tinta e a lápis
Escrevem-se todos
Os versos do mundo.

Que monstros existem
Nadando no poço
Negro e fecundo?

Que outros deslizam
Largando o carvão
De seus ossos?

Como o ser vivo
Que é um verso,
Um organismo

Com sangue e sopro,
Pode brotar
De germes mortos?

*
O papel nem sempre
É branco como
A primeira manhã.

É muitas vezes
O pardo e pobre
Papel de embrulho;

É de outras vezes
De carta aérea,
Leve de nuvem.

Mas é no papel,
No branco asséptico,
Que o verso rebenta.


Como um ser vivo
Pode brotar
De um chão mineral?


(João Cabral de Melo Neto nasceu a 09/01/1920)

1 comentário:

jrd disse...

Um grande poema. Mais actual que nunca.

Abraço