Bate, César
Por que é que a tua mão perversa bate no meu rosto?
Por que é que marcas o meu dorso magro com as estrias roxas
Do teu chicote cruel?
Por que é que as tuas unhas deixam manchas negras na minha pele?
Se é só porque eu disse aos que clamam que, um dia, tudo mudará,
Se é só porque eu afaguei as almas dos infelizes com o carinho da minha
[esperança
Continua a bater, porque eu não me calarei.
Por que escarras na minha barba suja de terra?
Por que esmagas a minha mão calosa com o teu tronco de ferro?
Por que mandas os teus carrascos esmagarem os meus pés com as
[patas dos teus cavalos?
Se é só porque eu disse que o pobres devem ter pão,
Que todos os homens são iguais;
Se é só por isso, continua a escarrar na minha barba suja de terra,
Continua a esmagar minhas mãos calosas no teu tronco de ferro.
Continua a mandar o teu carrasco
Esmagar os meus pés doloridos e roxos,
Porque eu jamais me calarei.
Dize tu, poderoso, dize tu, César,
Se alguém pode conter a tormenta que estala;
Se alguém pode deter a torrente dos rios
quando eles descem, como avalanches, das montanhas.
Dize tu se alguém pode deter o dia rubro que engole, como um dragão
[de fogo, a noite negra,
E espalha ouro e carmim no horizonte infinito.
Como é que tu queres, com teus castigos desumanos,
Deter a torrente da revolta e a infinidade de esperanças que saltam do
[meu coração?
Bate, César... Maltrata... Esmaga... Tortura...
Mas eu ouço o tropel dos cavalos na noite.
Vejo sangue correr... Vejo a terra vermelha.
Vejo homens em luta. Ouço a música suave
Que adormece os infelizes e sobe ao céu com a fumaça das casas pobres dos proletários...
César, que mão alva é esta que estende pão às crianças famintas?
César... que tropel é este que ouço, dentro da noite?...
(poeta brasileiro)