quinta-feira, setembro 30, 2010

Este é o tempo
















Este é o tempo
Da selva mais obscura

Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura

Esta é a noite
Deusa de chacais
Pesada de amargura

Este é o tempo em que os homens renunciam.

Sophia de Mello Breyner

quarta-feira, setembro 29, 2010

Sem outro intuito

Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.


(poeta português que completaria hoje 53 anos, assassinado em Bruxelas em 1995)
Ler para brilhar

Para uma pessoa que leia um livro com o fim de saber, gozar e aproveitar o que ele diz, há vinte que só lêem para dizer que o leram e poder brilhar fazendo citações dele.

Miguel de Unamuno, in Solilóquios e Conversações

terça-feira, setembro 28, 2010

Exílio

Já nada vejo nessa bruma
que ora te esconde.
Quero encontrar-te, mas a noite
não me traz nenhuma
esperança de onde nem quando.

Amor, ah, quanto me deves!
Que é dos pés que, leves, leves,
roçaram por este chão?

Alma, és só tempo e solidão.


(poeta mineiro falecido há 39 anos)

segunda-feira, setembro 27, 2010

Lúrida luz

lúrida luz
no quarto
do morto

lume morno
como cinza
de incenso

Guilherme Scalzilli

(poeta paulista)

domingo, setembro 26, 2010

Poema torto

cavo o infinito
num cantinho do mundo
e quando chegar a hora
como fez Quintana
- hei de levar uns poemas tortos -
como se eu fosse também
o último ser vivente

Graça Graúna

(poetisa brasileira – Rio Grande do Norte)

sábado, setembro 25, 2010

Castelos de areia

eu conheço a engenharia e a arquitetura
de fazê-los
uns atrás dos outros

conheço a estratégia e a logística
de defendê-los

e sei todos os modos de assaltá-los

mas contra a chuva e o mar e o vento
só sei recomeçar

Gonçalo Mourão

(poeta brasileiro)

sexta-feira, setembro 24, 2010

quinta-feira, setembro 23, 2010

Se cada dia cai

Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.


(Pablo Neruda faleceu há 37 anos)

quarta-feira, setembro 22, 2010

O yoga da ursa




Santra, uma ursa castanha residente no jardim zoológico da Ahtari, na Finlândia, tem por hábito fazer cerca de 15 minutos diários matinais de exercícios de yoga, para gáudio dos visitantes, nomeadamente o turista esloveno Meta Penca, que obteve a série de imagens que podem ser vistas aqui. A correspondente descrição, efectuada pelo mesmo fotógrafo, encontra-se aqui.

terça-feira, setembro 21, 2010

Cúmplice

Queda-te em teu silêncio.
Entre meus dedos,
o tempo é mel perdido.
Espero o tempo escrito no degredo.

Tua face de marfim e medo
tenho, a escutar a ti mesmo
ouvido no meu peito.

Guarda-me sob os lençóis das tuas pálpebras,
quanto te recolho em fragmentos
quanto assim de ti me acrescento,
a render-me ao silêncio preciso
aqui,
onde só tu és possível.

Gláucia Lemos

(poetisa baiana)

segunda-feira, setembro 20, 2010

Ridículo

Se o ridículo fosse música, o Madail era a orquestra sinfónica de Viena; se matasse, havia velório na sede da FPF. Como não faz nem uma coisa nem outra, há circo à borla.

domingo, setembro 19, 2010

Pela rua 

Caminho pela rua...
quantos destinos cruzam-se comigo,
quantas vidas diferentes de outras vidas,
quantas faces diferentes de outras faces... 

Vou passando por muitos
(enquanto eles também passam por mim)
e perscruto seus gestos, seus modos, seus olhares. 

Vejo gente sorrindo,
vejo gente cansada,
gente altiva, gente humilde, gente triste...
não vejo alguém chorando,
mas, quanta gente choraria o pranto
guardado, se não fosse a vergonha
de chorar pela rua. 

Na rua passa tudo, passam todos
passa a noite, o silêncio, o barulho,
até os mortos passam pela rua.
E suas casas, suas luzes, suas pedras
também olham, perscrutam e testemunham
a tudo e todos que passam
pela rua.

Gizelda Morais

(poetisa brasileira)

sábado, setembro 18, 2010

Depois

Depois de ter tentado e conseguido,
depois de ter obtido e abandonado;
depois de ter seguido e ter chegado;
depois de ter chegado e prosseguido!

Depois de ter querido e ter amado;
depois de ter amado e ter perdido;
depois de ter lutado e ter vencido;
depois de ter vencido e fracassado!

Depois que o sonho comandou: ''Avança!"
Depois que a vida ironizou:"Criança!"
Depois que a idade sentenciou: ''Jamais!"...

Depois de tudo que escarnece e exalta,
depois de tudo, quando nada falta,
depois de tudo, falta muito mais!

Giuseppe Ghiaroni

(poeta brasileiro)

sexta-feira, setembro 17, 2010

Grunhos

Na alma da maioria dos homens grunhe ainda, baixo e voraz, o focinho do porco.

Palavras

Palavras, atirei-as
Como quem joga pedras, lança flores.
Abriram fendas nas areias,
Suscitaram carícias e furores.

Sobre mim recaíram
Pesadas de multíplices sentidos.
Tenho os lábios que um dia as proferiram
E os dedos que as gravaram - já feridos.
Tintas de sangue as restituo aos ventos,
Prestidigitador que sou de sons, palavras.
Dá-lhes novos alentos,
Fogo sonoro que em mim lavras!

Errantes lá pra solidões imensas
Com asas no seu peso, à recaída,
Me tragam, ágeis, densas,
A resposta final que me é devida.

quinta-feira, setembro 16, 2010

Antigênesis

E disse o homem:
"Faça-se a minha vontade!"
E poluiu as águas dos rios
e pôs veneno no caule das árvores
e pôs espelhos negros no fundo da alma
e pôs travancas no peito com chaves
e pôs muralhas no olhar das crianças
e pôs cimento no ventre da abelha
e pôs espadas na toca do amor
e pôs cortinas no altar da esperança
e pôs barragem na ilha da fé.
Depois de tudo isso
descansou nos braços da Morte.

Giselda Medeiros

(poetisa brasileira)

quarta-feira, setembro 15, 2010

Tortura e suicídio

Alyssa Peterson, psicóloga e especialista em árabe e em técnicas de interrogatório, morreu aos 27 anos numa base estado-unidense no nordeste do Iraque, em 15 de Setembro de 2003, oficialmente de “disparo não hostil de arma de fogo”.


Para ler aqui (parte I) e aqui (parte II). E já agora, para se perceber toda a extensão do embuste à volta da sua morte, talvez uma visita à página que lhe é dedicado no Fallen Heroes Memorial.
Convite

Não sou a areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.
Não sou apenas a pedra que rola
nas marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.
Sou a orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou
mistério

A quatro mãos escrevemos este roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos
a sério.


(poetisa gaúcha que hoje completa 72 anos)

terça-feira, setembro 14, 2010

segunda-feira, setembro 13, 2010

O Poema

O poema não é o canto
que do grilo para a rosa cresce.
O poema é o grilo
é a rosa
e é aquilo que cresce.

É o pensamento que exclui
uma determinação
na fonte donde ele flui
e naquilo que descreve.
O poema é o que no homem
para lá do homem se atreve.

Os acontecimentos são pedras
e a poesia transcendê-las
na já longínqua noção
de descrevê-las.

E essa própria noção é só
uma saudade que se desvanece
na poesia. Pura intenção
de cantar o que não conhece.


(Natália Correia nasceu há 87 anos)

domingo, setembro 12, 2010

Voltei

Os passos me trouxeram de novo
ao começo. Falhei.
Voltei para que mostres o caminho,
sozinha não acertei na virada
do destino.

Há lugares onde os sonhos
acontecem. É de saudade
a voz que ouço chamar.

Voltei,
para quebrar os laços
da opressão e saborear
a eternidade em teus braços.

Voltei,
para te ler todo,
uma, duas, vinte vezes,
não como uma folha amarelecida
pelo tempo, mas sentindo
a cada leitura,
a cada instante,
a cada momento
uma nova mensagem guardada
nas tuas texturas,
em tuas entrelinhas.

Voltei,
para aprender contigo
nas coisas que dizes,
verdadeiras ou falsas,
estranhas ou fantásticas,
concretas ou abstratas,
guiado pela energia de
nossos desejos.

Voltei,
com o mapa de meu corpo
sôfrego, sem a leveza da pluma
como o deixas após
desvendar meus segredos.

Voltei...
e me entrego a tua boca,
as tuas mãos, ao teu peso,
ao teu cheiro e sabor,
ao teu calor que anseio.

Voltei,
eis-me esparramada, aberta,
no teu aguardo
num frenesi, como numa serenata!


(poetisa sul-mato-grossense que hoje completa 60 anos)

sábado, setembro 11, 2010

Lembranças

Teus retratos - figuras esmaecidas;
mostram pouco, muito pouco do que foste.
Tuas cartas - palavras em desgaste,
dizem menos, muito menos
do que outrora me diziam
teus silêncios afagantes...
Só o espelho da minha memória
conserva nítida, imutável
a projeção de tua formosura,
só nos folhos dos meus sentidos
pairam vívidas
em relevo
as frases que teu carinho
soube nelas imprimir.

Sou a urna funerária de tua beleza
que a saudade
embalsamou.

Quando chegar o meu instante derradeiro
só então, mais do que eu,
tu morrerás
em mim.

Gilka Machado

(poetisa brasileira)

sexta-feira, setembro 10, 2010

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?


(poeta brasileiro que hoje completa 80 anos)

quinta-feira, setembro 09, 2010

A primeira vez

Há sempre uma primeira vez para tudo e a principal selecção nacional do chuto na bola na é excepção.

Nunca tinha perdido com a Noruega? Aconteceu na terça-feira.

Nunca tinha encaixado 4 do Chipre? Encaixou-os na sexta-feira?

Um responsável da FPF nunca tinha dito que o seleccionador não fazia falta, já que os jogadores sabem jogar em piloto automático? Disse-o o respectivo presidente na semana passada.

Um seleccionador nacional, mesmo que acarinhado pelos jornalistas e apelidado pomposamente de “professor”, nunca tinha usado publicamente - que se saiba - uma linguagem tão ordinária para com profissionais da medicina como afirmar que o respectivo chefe devia ir fazer o controlo anti-drogas para a genitália da progenitora, utilizando um dos palavrões mais asquerosos da língua pátria? Fê-lo Carlos Queiroz, em 16 de Maio.

Responsáveis de clubes, jogadores e políticos nunca tinham afirmado que o calão mais rasca é a linguagem corrente dos intervenientes no futebol, principalmente quando se referem a pessoas ausentes investidas de poder de controlo sobre o que é administrado aos futebolistas? Disseram-no vários, publicamente, nos últimos tempos.

Posto isto, que pensar do castigo aplicado ao sr. Queiroz? A pena por obstrução ao controlo, a julgar pelo que é escrito no acórdão, parece não fazer muito sentido, além de ser de um masoquismo a toda a prova. Mas, ao tomar conhecimento das palavras do seleccionador, qualquer Federação digna desse nome, após validar com o próprio a veracidade do que lhe era atribuído, apenas tinha como solução uma guia de marcha imediata, pois quem assim fala, mais a mais na calma das 8H00 da manhã, não tem estofo para estar à frente da selecção nacional. O que se tem confirmado pelas declarações posteriores. Seria a primeira vez que um treinador era despedido por excesso de linguagem? Que fosse e o Tribunal do Trabalho que decidisse se havia justa causa ou não.

Tudo o resto, incluindo a atitude incompreensível de um governante e as declarações de ex-jogadores, treinadores, dirigentes, políticos e jornalistas, não passa de vontade de tapar o sol com a peneira. 

quarta-feira, setembro 08, 2010

Bate, César

Por que é que a tua mão perversa bate no meu rosto?
Por que é que marcas o meu dorso magro com as estrias roxas
Do teu chicote cruel?
Por que é que as tuas unhas deixam manchas negras na minha pele?
Se é só porque eu disse aos que clamam que, um dia, tudo mudará,
Se é só porque eu afaguei as almas dos infelizes com o carinho da minha
[esperança
Continua a bater, porque eu não me calarei.

Por que escarras na minha barba suja de terra?
Por que esmagas a minha mão calosa com o teu tronco de ferro?
Por que mandas os teus carrascos esmagarem os meus pés com as
[patas dos teus cavalos?
Se é só porque eu disse que o pobres devem ter pão,
Que todos os homens são iguais;
Se é só por isso, continua a escarrar na minha barba suja de terra,
Continua a esmagar minhas mãos calosas no teu tronco de ferro.
Continua a mandar o teu carrasco
Esmagar os meus pés doloridos e roxos,
Porque eu jamais me calarei.

Dize tu, poderoso, dize tu, César,
Se alguém pode conter a tormenta que estala;
Se alguém pode deter a torrente dos rios
quando eles descem, como avalanches, das montanhas.

Dize tu se alguém pode deter o dia rubro que engole, como um dragão 
[de fogo, a noite negra,
E espalha ouro e carmim no horizonte infinito.
Como é que tu queres, com teus castigos desumanos,
Deter a torrente da revolta e a infinidade de esperanças que saltam do
[meu coração?

Bate, César... Maltrata... Esmaga... Tortura...
Mas eu ouço o tropel dos cavalos na noite.
Vejo sangue correr... Vejo a terra vermelha.
Vejo homens em luta. Ouço a música suave
Que adormece os infelizes e sobe ao céu com a fumaça das casas pobres dos proletários...

César, que mão alva é esta que estende pão às crianças famintas?
César... que tropel é este que ouço, dentro da noite?...


(poeta brasileiro)

terça-feira, setembro 07, 2010

Des­per­tá­cu­lo

Es­tou pron­to
pa­ra a guer­ra que en­con­tro
quan­do acor­do:

bo­tei vi­gia nos sen­ti­dos
e ilu­di com com­pri­mi­dos
ou­tros se­res a meu bor­do.
Aban­do­nei o ví­cio
de es­tar sem­pre
a so­le­trar ru­í­nas,
dei li­ber­da­de a meus de­ten­tos
mi­nha pres­sa di­lu­iu nos pas­sos len­tos
e ras­guei
meu ca­len­dá­rio de ro­ti­nas.

In­ver­ti a or­dem.

Já não saio por aí
a de­vo­rar com­pro­mis­sos,
to­mei pos­se no go­ver­no de mim mes­mo
e der­ro­tei os meus omis­sos.

Ven­ci as ba­ta­lhas
de ter que es­tar sem­pre por per­to,
às ve­zes voo pa­ra den­tro
do meu so­nho a céu aber­to.

Es­tou pron­to:

eu já con­cor­do
com a guer­ra que en­con­tro
quan­do acor­do.


(poeta brasileiro)

segunda-feira, setembro 06, 2010

Solidão

Ó solidão! À noite, quando, estranho,
Vagueio sem destino, pelas ruas,
O mar todo é de pedra... E continuas.
Todo o vento é poeira... E continuas.
A Lua, fria, pesa... E continuas.
Uma hora passa e outra... E continuas.
Nas minhas mãos vazias continuas,
No meu sexo indomável continuas,
Na minha branca insónia continuas,
Paro como quem foge. E continuas.
Chamo por toda a gente. E continuas.
Ninguém me ouve. Ninguém! E continuas.
Invento um verso... E rasgo-o. E continuas.
Eterna, continuas... Mas sei por fim que sou do teu tamanho!

Guerra na capoeira












Parece que rebentou a guerra no grupo de revisão constitucional do PSD, com acusações graves do constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia. Entretanto, Pedro, em posição beatífica, reza ao Sr. dos Passos para que o ajude a tirar um Coelho da cartola. Amem!

domingo, setembro 05, 2010

Repouso

(tuas asas silentes levemente pousam
sobre meus olhos
e encobrem meus medos)

lá fora é a rua:
há um grito de cal
estridente como uma buzina
e cabeças passam
esfaqueadas pelo sol

aqui - tuas asas
enormes e vaporosas
apaziguam o clima...

há uma guerra lá fora:
o nosso amor contra a guerra?
- sangue jovem de pé
pelo nosso amor

ah, tuas asas tranquilas me protegem:
deixei de escutar as bombas...

Quando sair, amor
estarei mais forte para a batalha.


(poeta angolano nascido em 5 de Setembro de 1955)

sábado, setembro 04, 2010

Desconfortos

Os craques da selecção nacional de futebol, seguindo as indicações imperativas do “professor”, decidiram refugiar-se no conforto da genitália feminina preferida, à espera do que desse e viesse. E de cada vez que ousaram pôr o nariz de fora, para ver em que paravam as modas, lá apareceu, vestido de azul, um digno representante da genitália masculina cipriota a mandar uma trancada e a dizer: toma e aconchega, que esta é grega! Aparece, se quiseres mais, que estamos em Guimarães!!!

sexta-feira, setembro 03, 2010

Vem, serenidade!

Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humidade das bocas.

Vem, serenidade!
faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os ombros subam à altura dos lábios,
faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos.


(poeta nascido no Alvito e falecido em Lisboa a 3 de Setembro de 1984)

quinta-feira, setembro 02, 2010

As coisas

As  coisas  têm  peso,
massa,
volume,
tamanho,
tempo,
forma,
cor,
posição,
textura,
duração,
densidade,
cheiro,
valor,
consistência,
profundidade,
contorno,
temperatura,
função,
aparência,
preço,
destino,
idade,
sentido.
As coisas não têm paz.


(poeta e músico brasileiro que hoje completa 50 anos)

quarta-feira, setembro 01, 2010

O discurso

Havia a necessidade absurda de falar
para manter o equilíbrio da mesa
e preservar a reputação implícita
nos gestos.

Alguém chegou a reclamar a urgência
de um gravador para medir as vaias.
Outro, mais complacente, se preparava
para pedir bis. Um terceiro mastigou
ruidosamente a ponta da língua.

Neste momento solene... o poeta
burlou a vigilância das moscas
e deu um salto mortal no meio
do discurso.

E ante a curiosidade geral dos convivas,
fabricou um cavalo de miolo de pão
e fugiu a galope, levando à garupa
a garota que estava fingindo que não.

Gilberto Mendonça Teles

(poeta carioca)