quarta-feira, março 18, 2009

Miopia, crueldade ou...?
Nos últimos tempos, cada vez que o Papa abre a boca, infelizmente nunca entra mosca, saindo sempre asneira. Foi o que aconteceu mais uma vez com a suas declarações a bordo do avião que o levou aos Camarões, na sua primeira visita ao continente africano, a qual incluirá, também, Angola. Como responsável máximo da Igreja Católica, o Papa tem todo o direito de expressar a sua oposição ao uso do preservativo com base em alegados princípios morais, embora haja muita gente dentro da igreja - padres, freiras e simples leigos, entre os quais me incluo - que consideram tal invocação uma completa aberração. Mas já não tem o direito de, por má informação ou má fé, distorcer as provas científicas sobre o valor dos preservativos na diminuição do alastramento da SIDA. Segundo os mais diversos meios de informação (pesquisando no Google pelas palavra pope, condoms e AIDS obtêm-se nada menos de 1.260.000 resultados), o Papa disse que o problema da SIDA “não se pode resolver com a distribuição de preservativos; pelo contrário, isso aumenta o problema”. A primeira parte da afirmação é, naturalmente, verdadeira, já que o uso de preservativos, por si só, não vai parar a disseminação do HIV. Para travar a doença será necessário um grande esforço educacional, campanhas para reduzir o número de parceiros sexuais e para a adopção de práticas sexuais mais seguras, e muitos outros programas, desde a pesquisa de novos medicamentos até à procura de uma possível vacina, incluindo a distribuição maciça de preservativos e a informação sobre a forma correcta de os utilizar. Mas a segunda parte da afirmação é, muito lamentavelmente, completamente errada, dado não existir nenhuma prova de que o uso do preservativo agrave a epidemia e existem numerosas provas de que os preservativos são vantajosos em muitas circunstâncias. Não posso deixar de me interrogar sobre o que se esconderá por detrás das intenções do Papa ao fazer tais declarações no início da sua primeira deslocação ao continente onde se encontram mais de 22 milhões de seres humanos portadores do vírus HIV, cerca de 2/3 dos infectados a nível mundial. Será que desconhece o retrocesso que houve no Uganda quando uma ministra da Opus Dei resolveu incentivar o programa bushista “só abstinência” ou o massacre de mais de 5 milhões de sul-africanos por causa das políticas de Thabo Mbeki e da sua ministra da saúde? Será que é tão ignorante como o falecido Trujillo, que afirmou que vírus passava através do preservativo? Será que acha que os seus pares devem enganar maliciosamente os crentes, ao afirmar que os preservativos transmitem a Sida, como li que fizeram o cardeal Obando y Bravo da Nicarágua, Raphael Ndingi Mwana’a Nzeki, arcebispo de Nairobi, o cardeal queniano Maurice Otunga ou o cardeal Wamala do Uganda? Ou será que pensa como o arcebispo do Maputo, que dizem ter afirmado “conheço dois países na Europa que fabricam preservativos contendo o vírus da sida. Eles querem acabar com os africanos, é o seu programa. Se nós não nos prevenirmos, seremos exterminados dentro de um século”? É difícil acreditar que uma pessoa tida como “intelectualmente brilhante” comungue de tais disparates. Uma coisa, no entanto, é certa: o Papa é um mau homem de negócios, já que África é o continente onde o Igreja Católica mais tem crescido, com um aumento de 40% nas últimas duas décadas, e os seus ditames, se acatados, contribuirão para um genocídio acelerado. Cartoon: Peter Brookes/Times

3 comentários:

maria disse...

óptima reflexão, lino. aqui para nós que ninguém nos ouve ;) o facto é que o Papa tem grandes esperanças em África. Mantendo o pessoal de rédeas curtas (afirmação moral da Igreja católica) vai dando para manter alguma supremacia. Roma precisa de poder, não podemos negá-lo. E os números são a expressão do mesmo.

mdsol disse...

Ámen!

:))

jrd disse...

...doins.

(quanto maior for o sofrimento mais fácil é para a ICAR)