terça-feira, julho 22, 2008

Contracepção e teologia A objecção mais comum à contracepção é por esta ser contra a "natureza". (Por alguma razão não é permitido dizer que o celibato é contra a natureza; não vejo outra razão para isso senão o facto de não ser novidade). Malthus via apenas três formas de conter o crescimento demográfico; a abstenção, o vício e a miséria. A abstenção não era susceptível de ser praticada em larga escala. O "vício", isto é, a contracepção, encarava-a ele, enquanto clérigo, com horror. Restava a miséria. No conforto da sua casa paroquial, ponderava a miséria da grande maioria com equanimidade, salientando as falácias dos reformadores que esperavam aliviá-la. Os modernos inimigos teológicos da contracepção são menos honestos. Fingem pensar que Deus garante o sustento, não importa quantas bocas há para alimentar. Ignoram o facto de que Ele não o fez até agora, deixando a humanidade exposta a fomes periódicas durante as quais milhões sucumbiram. Devemos considerar que defendem, se é que acreditam no que dizem, que deste momento em diante Deus vai obrar continuamente o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, coisa que até à data Ele entendeu ser desnecessário. Ou talvez digam que o sofrimento cá em baixo é de pouca importância; o que importa é o além. Segundo a própria teologia que defendem, muitas das crianças que virão a existir graças à oposição ao controlo da natalidade vão parar ao inferno. Devemos supor, portanto, que se opõem à melhoria das condições de vida na terra pois acham bem que muitos milhões sofram a condenação eterna. Por comparação com eles, Malthus parece misericordioso. Bertrand Russell (publicado originalmente em 1943) Tradução de Vítor Guerreiro a partir Unpopular Essays (Routledge, 1995). Retirado da Crítica, revista digital de filosofia e ensino, que vale a pena subscrever.

1 comentário:

éme. disse...

Publicado originalmente quando?? Em 1943??
Podia, tão bem, ser coisa escrita agora, de fresco...
Caramba, como a História se faz de retornos.
Quando ou quanto demora ainda a chegar um dia em que se dê a partida clara para uma Humanidade mais digna?
...
É tempo de fazer a trouxa e zarpar! É tempo de nos fazermos, fortes, à mudança.