quinta-feira, julho 31, 2008

LIBERDADE Liberdade! Palavras e gestos; feitos heróicos e todas as lutas, em defesa da justiça... Liberdade! Tradicionais templos, o homem, suas relíquias e suas verdades... Liberdade! A canção de todos os tempos da existência; as idéias dos gênios e a vida dadivosa de todos os santos... Liberdade! Amor sem limites, vôo de pássaro no espaço infinito! Antônio Castilho* *poeta brasileiro

quarta-feira, julho 30, 2008

Mário Quintana por Mário Quintana Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Há ! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas : ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade. Nasci do rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro - o mesmo tendo acontecido a Sir Isaac Newton ! Excusez du peu. Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que nunca acho que escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, instrospectivo. Não sei por que sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros ? Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmacia durante 5 anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Veríssimo - que bem sabem ( ou souberam) , o que é a luta amorosa com as palavras. Mario Quintana ( texto escrito pelo poeta para a revista Isto É de 14/11/1984)

terça-feira, julho 29, 2008

Leitura cura tudo Leitura cura tudo. É bom para tudo, tudo ajuda, faz de tudo. Trabalha todas as dimensões intelectuais. Exercita a atenção, a memória recente, a conexão entre fatos e experiências passadas, a linguagem, a imaginação, a capacidade de prever, a capacidade de interpretar, a intuição. A leitura nos cura do dogmatismo e do ceticismo, do medo e da temeridade, do sentimentalismo e da insensibilidade, da falta de assunto e da verborragia, da indecisão e do fanatismo, da arrogância e da timidez. Leitura faz bem para os músculos, para os ossos, para os olhos, para os ouvidos, para a queda de cabelo, para os rins, para os intestinos, para as juntas, para as costas, para as pernas, para os pés, para as mãos, para os dedos, para as unhas, para tudo. Ler resolve problemas de visão, de solidão, de falta de recreação, de impotência, de sonolência, de implicância, de amargura, de cabeça dura, de alergia a fritura, de incultura, de postura, melhora a temperatura, aumenta a estatura, cola as fissuras, cura qualquer gastura, queima todas as gorduras. Durante a leitura o leitor esquece as torturas da vida, recupera o amor à vida, dá vida a novas idéias, revive vidas passadas, prevê vidas futuras, comunica vida à vida mesma. A cada leitura o leitor sai de si, reencontra-se, dá a volta ao mundo, mergulha oceanos, perfura a terra, entra em órbita, engole nuvens, desafia o Sol, abraça a lua... E tudo isso sem sair do lugar. O leitor que lê bebe o leite, bebe o vinho, bebe o café do vizinho, bebe a cerveja, bebe de todos os rios, bebe cicuta, bebe uísque, bebe muito, bebe e cala, bebe e ouve, bebe tudo e continua sóbrio. Leitura, sobretudo, é remédio para todos os males. Cura dor de cotovelo, dor aguda, dor cansada, dor surda, dor crônica, dor romântica, dor poética, dor dramática, dor trágica, dor da mente, dor demente, dor da alma, dor de barriga, dor de cabeça, dor de dente, dor de peito, dor que nada respeita, dor difusa, dor confusa, dor fantasma, dor fina, dor grossa, dor incausada, dor ousada, dor para todos os gostos e lamentos. Leitura cura tudo. E, claro, cura até mesmo o maior de todos os problemas. Cura a própria falta de leitura! Quem lê torna-se incuravelmente leitor. Isto afirmo sem o menor exagero. Gabriel Perissé* *professor e escritor Publicado no jornal digital Correio da Cidadania

segunda-feira, julho 28, 2008

SEMPRE Não existem manhãs iguais. Sempre algo é diferente, é novo. Uma nuvem, um pássaro. Uma história, um povo. Não existem manhãs iguais. Sempre algo é diferente, é belo. Uma pessoa, um cão Uma guerra, um flagelo. Não existem manhãs iguais. Sempre algo é diferente, é bom. Uma canção, um fato. Uma esperança, um dom. Não existem manhãs iguais. Sempre algo é diferente, é semente. Uma caneta, um papel em branco. Uma trova, um repente. Mas se não mudam as manhãs, muda alguém dentro da gente. Antônio Carlos Tórtoro* *poeta brasileiro

domingo, julho 27, 2008

Da Leitura Não leiais para refutar ou contradizer, para aceitar ou aquiescer, para perorar ou discursar, mas para ponderar e considerar. Certos livros devem ser provados; outros engolidos; uns poucos mastigados e digeridos. Quer dizer: devemos ler certos livros apenas parceladamente; outros incuriosamente, e uns poucos da primeira à última página, com diligência e atenção. Alguns livros podem mesmo ser lidos por terceiros, que nos farão deles um apanhado, mas isso somente no caso de assuntos desimportantes, e de livros medíocres, pois livros resumidos são como água destilada: insípidos. O ler faz um homem completo, o conferir destro, o escrever exacto. Bem por isso, se alguém escreve pouco, deve ter boa memória; se confere pouco, muita sagacidade; se lê pouco, muita manha para afectar saber o que não sabe. Francis Bacon, in "Ensaios Civis e Morais" Retirado daqui

sábado, julho 26, 2008

Palavra Palavra, nave da navalha, invente em mim o avesso do neutro. Preparo para o dia a fala, curva do finito num silêncio de âncora. Atalho onde me calo e colho, como a um galo, o intervalo do azul. Antônio Carlos Secchin* *poeta brasileiro

sexta-feira, julho 25, 2008

O legado de Auschwitz Parecia que os reiterados tributos oficiais às vítimas dos campos de concentração europeus, criados durante a Segunda Guerra Mundial, iam pôr um ponto final na sua lógica do genocídio. No início do século XXI é difícil acreditar que este seja o caso. As guerras dos Balcãs, as atrocidades que se sucederam na África e nas guerras do Iraque e do Afeganistão representaram, pelo contrário, uma espantosa regressão histórica. Os massacres e genocídios, os deslocamentos forçados de milhões de seres humanos, o confinamento maciço em campos de concentração ou de refugiados e, não por último, os movimentos migratórios provocados pela pobreza e pela destruição ecológica não têm parado de se multiplicar. Vale a pena ler na integra este artigo de Eduardo Subirats, ensaísta espanhol e professor de Filosofia, Teoria da Cultura e de Literatura na Universidade de Nova York.

quinta-feira, julho 24, 2008

Eu Aprendi a Dizer Sim Eu aprendi a dizer sim quando vi a natureza molhada na manhã alegre do primeiro dia novo. Eu aprendi a dizer não quando reconheci a fome no homem indefeso e não achei nenhuma razão. Eu aprendi a dizer sim quando o dia amanheceu e fiquei deslumbrado com a esperança renovada. Eu aprendi a dizer não quando quiseram que traísse os princípios fundamentais da humanidade em luta. Eu aprendi a dizer sim quando fui à escola de minha infância e corri, gritei e... aprendi. E então o sim e o não passaram a ser inexoráveis durante todo o resto da vida, depois que aprendi. Antero Coelho Neto* *médico, professor e escritor brasileiro

quarta-feira, julho 23, 2008

...e a guitarra morreu com ele! Quando eu morrer, morre a guitarra também. O meu pai dizia que, quando morresse, queria que lhe partissem a guitarra e a enterrassem com ele. Eu desejaria fazer o mesmo. Se eu tiver de morrer, morrerá comigo a minha guitarra. Carlos Paredes

terça-feira, julho 22, 2008

Contracepção e teologia A objecção mais comum à contracepção é por esta ser contra a "natureza". (Por alguma razão não é permitido dizer que o celibato é contra a natureza; não vejo outra razão para isso senão o facto de não ser novidade). Malthus via apenas três formas de conter o crescimento demográfico; a abstenção, o vício e a miséria. A abstenção não era susceptível de ser praticada em larga escala. O "vício", isto é, a contracepção, encarava-a ele, enquanto clérigo, com horror. Restava a miséria. No conforto da sua casa paroquial, ponderava a miséria da grande maioria com equanimidade, salientando as falácias dos reformadores que esperavam aliviá-la. Os modernos inimigos teológicos da contracepção são menos honestos. Fingem pensar que Deus garante o sustento, não importa quantas bocas há para alimentar. Ignoram o facto de que Ele não o fez até agora, deixando a humanidade exposta a fomes periódicas durante as quais milhões sucumbiram. Devemos considerar que defendem, se é que acreditam no que dizem, que deste momento em diante Deus vai obrar continuamente o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, coisa que até à data Ele entendeu ser desnecessário. Ou talvez digam que o sofrimento cá em baixo é de pouca importância; o que importa é o além. Segundo a própria teologia que defendem, muitas das crianças que virão a existir graças à oposição ao controlo da natalidade vão parar ao inferno. Devemos supor, portanto, que se opõem à melhoria das condições de vida na terra pois acham bem que muitos milhões sofram a condenação eterna. Por comparação com eles, Malthus parece misericordioso. Bertrand Russell (publicado originalmente em 1943) Tradução de Vítor Guerreiro a partir Unpopular Essays (Routledge, 1995). Retirado da Crítica, revista digital de filosofia e ensino, que vale a pena subscrever.

segunda-feira, julho 21, 2008

Vocação de lume Há palavras que sem te aperceberes poisam nos lábios. Não sabes a direcção mas decerto vêm de sul. Deves soltá-las. Se o não fizeres encaminhar-se-ão para o interior queimando com seu lume primeiro a garganta. Agora tens que optar. Entre um incêndio. E outro. Antero Barbosa* *escritor duriense

domingo, julho 20, 2008

Aprender a soltar Soltar os cachorros. Sobre aqueles que nos manipulam. Sobre aqueles que nos tratam como animais. Soltar os pássaros. Pela janela. Em nome do infinito. Tendo ao longe o horizonte. Tendo por perto a vontade de voar também. Soltar os cavalos. Pelo mundo afora. Pela vida afora. Com a alegria de correr. Com a esperança de chegar. Com a velocidade do amor. Sem medo de ir. Sem medo de voltar. Soltar as árvores. De suas sementes esmagadas. Acompanhar-lhes o crescimento. Colher seus frutos na hora exata. Aprofundar suas raízes. E que suas folhas sejam muitas. Que sua sombra seja imensa. Soltar os filhos. De meus medos infundados. Deixá-los ser o que hão de ser. Soltá-los sem abandoná-los. Soltá-los sem esquecê-los. Soltá-los de amarras imaginárias. Soltá-los para a vida. Preparados para viver a sua própria vida, não a minha, não a de ninguém. Soltar as palavras. Libertá-las da sintaxe enrolada. Soltar as palavras no texto. Soltar as palavras dos falsos pretextos. Soltar as palavras aqui e agora. Soltá-las com força. Soltá-las com raiva. Soltá-las em lirismo. Soltá-las em drama. Soltá-las do dicionário-presídio. Soltá-las da gramática-exílio. Soltar as idéias dia a dia. Soltá-las em ordem, em desordem. Soltá-las na conversa, à mesa, na fila do banco, no banco de praça, na pressa e na calma. Soltá-las, servi-las. Entregá-las aos outros. Trocá-las por outras. Acrescentá-las a muitas outras idéias. Idéias soltas nos prendem à tarefa que nos cabe cumprir. Soltar os braços. Para trabalhar. Para nadar. Para lutar. Para criar. Soltá-los hoje. Soltá-los amanhã. Soltá-los do corpo. Deixar que se estendam. Que envolvam o mundo. Que dêem mil voltas ao planeta. Que alcancem as estrelas. Que acolham o divino. Que abracem, abracem. Soltar a voz. Cantando. Gritando. Chorando. Ensinando. Avisando. Por tudo e por nada. Em guerra, em paz. Por um motivo justo ou porque tanto faz. Estando com outros. Falando sozinho. Soltar as velas. Na hora de partir. Na hora do mar. As ondas. Os peixes. A terra não vista. A vista perdida. Soltar as velas de novo. De novo soltá-las. As velhas velas de novo. Soltar-me a mim mesmo. Ainda é bem cedo. Soltar-me de mim. Do inquisidor que eu sou. Do sinhozinho que eu sou. Do ditador que eu sou. Soltar o leitor. Soltá-lo de mim. Que ele seja o autor de sua própria leitura. Aprender a soltar-se. Gabriel Perissé* *professor e escritor Publicado no jornal digital Correio da Cidadania

sexta-feira, julho 18, 2008

A guerra civil espanhola São incontáveis os testemunhos que tornam evidente que o objectivo dos golpistas contra o Governo da II República espanhola, em 18 de Julho de 1936, era exterminar propositadamente os adversários. O general Mola, em 19 de Julho, exigiu aos seus homens “é preciso semear o terror (...) eliminando sem escrúpulos e sem hesitação aqueles que não pensam como nós”. Na mesma linha, o capitão Aguilera, chefe de Imprensa de Franco durante a Guerra Civil, disse: “temos de matar, matar, matar. São como animais. Afinal de contas, ratazanas e os piolhos são portadores da peste. O nosso programa consiste em exterminar um terço da população masculina. Com isso limparíamos o país. Além disso também é conveniente do ponto de vista económico: não voltaria a haver desemprego na Espanha”. Na campanha também participaram numerosos membros da hierarquia da Igreja Católica, como o bispo de Vic, Joan Perello, que recomendava uma “profilaxia social” e pedia “um bisturi para tirar o pus das entranhas da Espanha”. O próprio Franco não escondia as suas intenções quando declarava à imprensa internacional que estava “disposto a exterminar, se fosse necessário, a metade da Espanha que não me é afecta. Preocupados com a nossa ditadura caseira, temos ligado pouca importância aos horrores que viveram os nossos vizinhos sob a bota franquista. Confesso que eu próprio, que tive um estreito contacto com a realidade espanhola durante a década de sessenta, quando a ditadura franquista parecia menos dura do que a salazarista, pelo menos no que toca a alguma liberdade de expressão, não fazia ideia de que a fúria sanguinária dos falangistas e seus apaniguados tinha atingido tais extremos de ódio e destruição. Até que dei de caras com um excelente artigo do filósofo Santos Ochoa Torres, intitulado Necessidade de saber: a Guerra Civil espanhola, de que faz parte o parágrafo acima e cuja leitura recomendo vivamente para que a memória não se apague também do outro lado da fronteira.

quinta-feira, julho 17, 2008

Frio é isso O Bar do Pedrinho estava cheio de gente batendo o queixo de frio e tomando conhaque ou cachaça. Só Zé Luís fingia que era um friozinho à-toa: - Vocês não conhecem frio. Na roça, depois da Bituruna, é que faz frio mesmo. Meu pai tinha umas terras no Cafundó, um dia eu fui tomar conta dos camaradas que estavam capinando a roça, peguei uma cuia d’água e pendurei num galho de uma árvore... Fiquei olhando os camaradas capinando e, mais tarde, quando me deu sede, fui tomar um gole d’água. Quando cheguei lá, a água tinha congelado e os cupins comeram a cuia, ficou só uma bola de gelo pendurada no galho da árvore! - O Cafundó é frio mesmo, mas o Patrimônio é mais frio ainda – afirmou Zeca, que estava quieto, ouvindo tudo. - Mais frio do que isso?! - É. E antigamente era mais frio ainda. Em 1939 fui lá fazer umas cobranças pro meu pai, tava muito frio, fiquei pra dormir na casa de uma comadre. Ela me arrumou uma cama com seis cobertas... - E daí? - Daí eu falei pra ela: me arruma uma lamparina que eu não durmo sem ler. Ela não tinha lamparina, trouxe uma vela, e eu fiquei lendo até o sono chegar. Aí, deixei o livro de lado e soprei a vela pra dormir. Ela não apagou, soprei de novo. Continuei soprando e ela não apagava. Aí é que levei a mão pra apagar a vela com os dedos e descobri que a chama da vela tava era congelada! Mouzar Benedito Publicado no jornal digital VIAPOLÍTICA

quarta-feira, julho 16, 2008

Poema a um saco de pão Todos os dias, Os homens experimentam e espreitam Aquelas inseguranças incondicionais. Todos os dias, os homens Pensam que desfrutam a vida Compram flores e lançam ao lixo Os sacos de pão. Queimam jornais. Escutam discos que jamais ouvirão Canções que não ouvirão jamais. Todos os dias, os homens acreditam E tornam alguns verbos mais intransitivos Pela sua carência de objetos. Tenacidade. Alicerces solidificados. E tu, saco de pão, Que como a minha alma se esvazia em solidão, Que rasga o ar e atira as laranjas pelo chão, Que encontra em seu silêncio a pobre forma de expressão, Aguarda, companheiro. Somos nós os pioneiros, vindos da cova mais funda, Pioneiros, como o Fusca, o ODD, o condicionador de ar, Os cotonetes da Johnson & Johnson's, Somos párias e deuses. Somos os últimos heróis da resistência espedaçada, Os soldados do exército que atravessa o oceano Rumo a um país desconhecido lutar com quem sabe quem. Cavaleiros do apocalipse. Somos nós que acordamos as crianças do sono, em cada noite, Os monstros habitando os túneis do metrô. E mais que eu, saco de pão, És feliz porque aproveitas a tua solidão, Não vives, És mudo, livre, tosco, pobre e só. André Ricardo Barreto de Oliveira* *poeta brasileiro

terça-feira, julho 15, 2008

Desgraças Regressado ao rectângulo na noite do passado Sábado, após duas semanas sem ver telejornais portugueses, poisei num estranho país. Primeiro, ao passar os olhos por um pasquim trambiqueiro chamado Público, cedido gratuitamente pela nossa transportadora, comecei a interrogar-me sobre se não teria havido um golpe de estado, com a usurpação do poder por uma clique de facínoras, tantas eram as malfeitorias do governo e os feitos de tudo o que cheirasse a oposição, nesta se incluindo o PGR que parecia ter ganho a batalha de uma vida sobre o parlamento - ou uma parte dele. No Domingo, o canal público de televisão dedicou 15 minutos do seu jornal da noite a um confronto que ocorreu na Quinta da Fonte, em Camarate, entre moradores de etnia cigana e residentes de origem africana. Não cheguei a perceber o que se passou, pois 15 minutos não terão sido suficientes para os vários intervenientes explicarem o que quer que fosse, a não ser que havia pessoas a abandonar as suas casas com medo. A título de contraste, quando há um ano houve um massacre de 9 crianças em São Paulo, os principais canais brasileiros dedicaram ao assunto não mais de dois minutos por jornal e toda a gente ficou esclarecida sobre o que acontecera. Depois, foi a notícia sobre um assalto à secretaria da maternidade Júlio Dinis, no Porto, como se se tivesse tratado de um golpe de mão às reservas de ouro do Banco de Portugal (pressupondo que há algumas). Não vi ninguém questionar-se sobre os propósitos peregrinos de um assalto a um lugar onde, à partida, o dinheiro não pode abundar. Finalmente, um confronto de bandos na praia da Torre, com a chamada de atenção para um célebre “arrastão” ocorrido no Estoril. Não se viu o que quer que fosse, apenas testemunhos de alguns (muitos) alegadamente presentes. A isto se resumiu o que de importante se passou no país durante o fim de semana. E, nada mais havendo a acrescentar, passou-se a antena ao comentador para vender a banha da cobra. Que tristeza!

segunda-feira, julho 14, 2008

ser O que pareço para além de mim não é o importante. Se pareço com o que certamente não sou, quem percebe? Sou. E ser já é muito. André Merez* *poeta paulista

domingo, julho 13, 2008

Homem culto O que é o homem culto? É aquele que: 1.º - Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence; 2.º - Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano; 3.º - Faz do aperfeiçoamento do seu ser interior preocupação máxima e fim último da vida. Ser-se culto não implica ser-se sábio; há sábios que não são homens cultos e homens cultos que não são sábios; mas o que o ser culto implica, é um certo grau de saber, aquele precisamente que fornece uma base mínima para a satisfação das três condições enunciadas. A aquisição da cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas do quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; significa, numa palavra, a conquista da liberdade. E para atingir esse cume elevado, acessível a todo homem, como homem, e não apenas a uma classe ou grupo, não há sacrifício que não mereça fazer-se, não há canseira que deva evitar-se. A pureza que se respira no alto compensa bem fadiga da ladeira. Condição indispensável para que o homem possa trilhar a senda da cultura - que ele seja economicamente independente. Consequência - o problema económico é, de todos os problemas sociais, aquele que tem de ser resolvido em primeiro lugar. Tudo aquilo que for empreendido sem a resolução prévia, radical e séria, desse problema, não passará, ou duma tentativa ingénua, com vaga tinta filantrópica, destinada a perder-se na impotência, ou de uma mão-cheia de pó, atirada aos olhos dos incautos. Bento de Jesus Caraça, in A Cultura integral do Indivíduo

sábado, julho 12, 2008

A Mentira Agrada Mais do Que a Verdade O espírito do homem é feito de maneira que lhe agrada muito mais a mentira do que a verdade. Fazei a experiência: ide à igreja, quando aí estão a pregar. Se o pregador trata de assuntos sérios, o auditório dormita, boceja e enfada-se, mas se, de repente, o zurrador (perdão, o pregador), como aliás é frequente, começa a contar uma história de comadres, toda a gente desperta e presta a maior das atenções. Como é fácil essa felicidade! Os conhecimentos mais fúteis, como a gramática por exemplo, adquirem-se à custa de grande esforço, enquanto a opinião se forma com grande facilidade, contribuindo tanto ou talvez mais para a felicidade. Se um homem come toucinho rançoso, de que outro nem o cheiro pode suportar, com o mesmo prazer com que comeria ambrósia, que tem isso a ver com a felicidade? Se, pelo contrário, o esturjão causa náuseas a outro, que temos nós com isso? Se uma mulher, horrivelmente feia, parece aos olhos do marido semelhante a Vénus, para o marido é o mesmo do que se ela fosse bela. Se o dono de um mau quadro, besuntado de cinábrio e açafrão, o contempla e admira, convencido de que está a ver uma obra de Apeles ou de Zêuxis, não será mais feliz do que aquele que comprou por elevado preço uma obra destes pintores e que olhará para ela talvez com menos prazer? Erasmo de Roterdão, in "Elogio da Loucura" (fala a Loucura) Retirado daqui

sexta-feira, julho 11, 2008

O homem em pele e osso A pele é superfície, os ossos são entranha. A pele é o que se vê, os ossos o que escapa. A pele é uma casca, os ossos uma safra. A pele é entrega, o osso é arma. A pele é palma, o osso é clava. A pele é a pintura, os ossos são a casa. A pele é o acidente, o osso o permanente. A pele são as nuvens, os ossos são a água. A pele são os musgos, os ossos são as montanhas. A pele é o agora, os ossos são milênios. A pele é um orvalho, os ossos são invernos. Bandeira Tribuzi

quinta-feira, julho 10, 2008

O professor e seus nomes De quantas formas podemos chamar um professor? E o que isso tem a ver com nossa imagem, nossa mentalidade profissional? Maneira antiga era chamar a professora de "tia". Se a escola é continuação da família, a professora é a segunda mãe. Paulo Freire se revoltou: "tia não". Alunos não são parentes. Tia recebe presente, tia a gente não esquece, tia a gente respeita. Tia podia (hoje não pode mais) até dar umas palmadas, porque a mãe apoiava e até incentivava. É comum entre alunos mais velhos chamar o professor de mestre. Mesmo que não tenha mestrado. O mestre tem respostas, conta parábolas, transmite conteúdos e experiências. Mesmo com doutorado, mestre será sempre mestre. Mestre tem algo de maestro, de harmonizador. Mestres mostram o caminho, merecem homenagem. No internetês e no diálogo entre estudantes do ensino médio e universitários de hoje, professor é prof. Prof não é abreviatura. Não tem o ponto de prof., é interrupção abrupta, interrupção ou preguiça, ou então sinal de intimidade. Prof pode chegar ao mínimo, ao prô. Ser prô não diminui o professor. Prô vale para professora e professor, é unissex. Prô é do bem, é sangue bom. Com o prô ou com a prô a gente pode reclamar na boa. Há ainda os que chamam professor de teacher. Mesmo que o aluno não saiba inglês, pede ao teacher alguma explicação. Teacher não é deste país, nem deste mundo. Engraçado alguém se referir ao teacher que ministra aulas de língua portuguesa... E o professor que se chama professor. Professor porque sabe professar o que conhece. Há quem diga que professor é nome menor. O importante mesmo seria atuar como educador, porque educador vai mais longe, não está preso entre as quatro paredes da sala de aula. Ou então chamemos o professor pelo nome de batismo. É o João, o Marcos, a Beatriz, a Inês, cidadãos dedicados à tarefa de ensinar. Dispensam títulos. Não serão "senhor" ou "senhora". Informalmente serão o que são, pessoas que descobriram sua vocação. Não tenhamos medo da palavra "vocação". Vocare, no latim, é chamar. Professor é aquele que se sente chamado a dialogar com os alunos. Aluno, por sua vez, procede de outro verbo latino, alere, referente à alimentação. Aluno se alimenta das palavras do professor, de sua capacidade para transformar conhecimento próprio em descobrimento do outro. Gabriel Perissé* *professor e escritor Publicado no jornal digital Correio da Cidadania

quarta-feira, julho 09, 2008

Liberdade Aqui nesta praia onde Não há nenhum vestígio de impureza, Aqui onde há somente Ondas tombando ininterruptamente, Puro espaço e lúcida unidade, Aqui o tempo apaixonadamente Encontra a própria liberdade. Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, julho 08, 2008

Sexquicentenário Passaram há uma semana 150 anos sobre o primeiro anúncio público da descoberta da selecção natural, a base da teoria da evolução. Com efeito, foi no dia 1 de Julho de 1958 que alguns amigos da Charles Darwin organizaram um encontro na Linnean Society de Londres com vista a estabelecer a primazia na descoberta, encontro esse onde foram lidos alguns documentos de Darwin e um manuscrito de Alfred Russel Wallace sobre o princípio da evolução por selecção natural. Nos próximos 18 meses celebrar-se-ão os 200 do nascimento de Charles Darwin (12 de Fevereiro de 2009) e os 150 anos da publicação da sua obra prima, “A Origem das Espécies” (24 de Novembro de 2009). Embora estes acontecimentos seja grandemente reconhecidos, um excelente resumo da sua importância pode ser encontrado aqui, pela pena da célebre bióloga evolucionista Olivia Judson, autora de “O Consultório Sexual da Drª. Tatiana”, disponível em tradução portuguesa desde 2006.
Pássaros Longe Gorjeiam com sede De afeto. Perto Acarinham O alento incerto O afago gracejo feto De um amor, alma, ímã. Os pássaros e a latitude A longitude e os hiatos Das palavras não ditas. Perto Embarcações em seco Duelam com a luz do sol E o fio da navalha azul do tempo. Pássaros Vivem em mim E voam até imantar em ti Minha verve. Pássaros. O Passado, passará Ocaso, o presente nascerá E o futuro, amanhecerá Passarinhando. Pássaros. Passarei, passarinho. Anand Rao* *poeta brasileiro

sábado, julho 05, 2008

Acaso Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, pois cada pessoa é única e nenhuma substitui outra. Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, mas não vai só nem nos deixa sós. Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito, mas há os que não levam nada. Essa é a maior responsabilidade de nossa vida, e a prova de que duas almas não se encontram ao acaso. Antoine de Saint-Exupéry

quinta-feira, julho 03, 2008

Vicissitudes de um viajante

Depois de, no Domingo passado, ter demorado dezoito horas e meia para vir de Lisboa até Lanzarote (tudo porque a nossa TAP, por motivos técnicos, resolveu atrasar o voo das 7H35 para as 8H45, com um posterior atraso de mais uma hora, o que levou a que perdêssemos o voo da Spain Air das 10H50, obrigando-nos a esperar pelo das 20H20 que, por sua vez, se atrasou mais duas horas, também por motivos técnicos), só hoje consegui ver resolvido o acesso Wi-Fi no complexo turístico de Playa Blanca onde me encontro. Depois de várias reclamações, a conclusão inevitável foi de que o problema não era do meu computador (que já funcionou desde o Montenegro ao Novo México, sem problemas), mas sim do fornecedor do serviço, incluído no pacote pago há três meses atrás.

Solucionado este problema, espero que definitivamente, até ao dia 11 vou manter-me por aqui, com as minhas mulheres:















Ou por aqui