terça-feira, abril 08, 2014

O MAR VISTO DA CADEIA

O mar é largo
E profundo.
Tão largo e profundo,
Que cabe todo inteiro
E amargo, no fundo
Do simples olhar que lhe deito...

Estendido e liso,
Refeito como um ventre de mulher
Apetecido sem aviso,
Já teve sereias e monstros,
Ossos a apodrecer,
Para ser, agora,
De um qualquer...

Desencanto a apodrecer-
-me o canto, nesta hora?
- Só se for nas areias
Onde morre monótono,
E nas marés-cheias
De tanto luar e espanto
Na memória...

Já o tive
Insatisfeito,
Na cova da mão,
No búzio dos ouvidos,
E no sonho que ainda vive
De uma doce ilusão...

Inventei-lhe
Desaparecidos ecos,
Talvez reinos perdidos,
Tesouros, conchas,
Algas e palácios
Encantados de mouros...

Depois ficou só mar
Vulgar, indigesto,
Azul, verde, prateado,
«Grande ... grande ... »,
Com o resto afogado
No coração...

Chegou então a hora
Do mar lúcido
Sem papão,
Apreendido,
Económico,
Assassino, embora,
Mas também elo de ligação


(poeta angolano que hoje faria 81 anos)

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