Grillo Villegas nasceu a 29 de Fevereiro de 1968
How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
quarta-feira, fevereiro 29, 2012
A tarde que me cabe
Eram quatro, as horas da manhã
quando nasci,
ainda não se havia completado
o meio-dia
quando os meus olhos se abeberaram
sôfregos,
de lembranças de nunca vistos pôr-do-sol,
de canelones que pela boca me desceram
sem lhes sentir o gosto,
de apaixonados beijos que os desejos
não me aplacaram,
e foi tão rápida a descoberta
de ter vivido somente o espaço de uma manhã
nos meus quarenta anos.
Ainda não se tinha completado
o meio-dia,
e náufrago em tábua de conveniência,
não me permitira
ver a luz que me tocara,
me lambera, me inundara.
e só pelas tuas mãos,
e pelo teu silêncio em grito de ausência
transformado,
hei de viver o período da tarde
que me cabe,
e vivê-lo tão intensamente, que os refúgios
em nossos corpos usados
inatingíveis hão de se tornar
no compassado ritmo do amor.
José Carlos Souza Santos
(poeta sergipiano)
terça-feira, fevereiro 28, 2012
Pesquisa
Tempo é espaço interior. Espaço é tempo exterior.
Novalis
A gaivota determinada mergulha na água
Verde. Há um tempo para o peixe
E um tempo para o pássaro
E dentro e fora do homem
Um tempo eterno de solidão.
Muitas vezes, fixando o meu olhar no morto,
Vi espaços claros, bosques, igapós,
O sumidouro de um tempo subterrâneo
(Patético, mesmo às almas menos presentes)
Vi, como se vê de um avião,
Cidades conjugadas pelo sopro do homem,
A estrada amarela, rio barrento e torturado,
Tudo tempos de homem, vibrações de tempo, vertigens.
Senti o hálito do tempo doando melancolia
Aos que envelhecem no escuro das boites,
Vi máscaras tendidas para o copo e para o tempo,
Com uma tensão de nervos feridos
E corações espedaçados.
Se acordamos, e ainda não é madrugada,
Sentimos o invisível fender o silêncio,
Um tempo que se ergue ríspido na escuridão.
Cascos leves de cavalos cruzam a aurora.
O tempo goteja
Como o sangue,
Os cães discursam nos quintais, e o vento,
Grande cão infeliz,
Investe contra a sombra.
O tempo é audível; também, se pode ouvir a eternidade.
(poeta baiano que faria hoje 90 anos)
segunda-feira, fevereiro 27, 2012
Compreensão da árvore
A tua voz edifica-me sílaba a sílaba
e é árvore desde as raízes aos ramos
Cantas em mim a primavera breve tempo
e depois os pássaros irão
povoar de ti novas solidões
E eu sentirei na fronte permanentemente
o sudário levemente branco do teu grande silêncio
ó canção ó país ó cidade sonhada
dominicalmente aberta ao mar que por fim pousas
na fímbria desta tua superfície.
(Ruy Belo faria hoje 79 anos)
domingo, fevereiro 26, 2012
Gramaticalmente Apaixonado
Minha vida foi conjugada
No modo indicativo do coração
Transformada em metáfora de amor
Numa oração adverbial temporal
Quando conheci você.
Fitando seus olhos, vi-me
Desnorteado e descobrindo
Um motivo a mais
Para sorrir e sonhar
De mais querer viver
Superlativa hipérbole
Acentuada de paixão
Na sílaba tônica do encontro.
Do verbo amar
Primeiras pessoas
De um plural singular
Nós dois.
José Carlos Porpino
(poeta paraibano)
sábado, fevereiro 25, 2012
Descobrimento
Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu.
(poeta paulista falecido a 25 de Fevereiro de 1945)
sexta-feira, fevereiro 24, 2012
quinta-feira, fevereiro 23, 2012
A cabeça em ambulância
Há feridas cíclicas há violentos voos
dentro de câmaras de ar curvas
feridas que se pensam de noite
e rebentam pela manhã
ou que de noite se abrem
e pela amanhã são pensadas
com todos os pensamentos
que os órgãos são hábeis
em inventar como pensos
ligaduras capacetes
sacramentos
com que se prende a cabeça
quando ela se nos afasta
quando ela nos pressente
em síncope ou desnudamento
ou num erro mais espaçoso
ou numa letra mais muda
ou na sala de tortura
na sala escura,de infância
(poetisa lisboeta falecida a 23 de Fevereiro de 1989)
Zeca - 25 anos
(Zeca Afonso faleceu a 23 de Fevereiro de 1987)
Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar,
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio,
Congregando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança,
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincando e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa
(Zeca Afonso faleceu a 23 de Fevereiro de 1987)
quarta-feira, fevereiro 22, 2012
Poema de agradecimento à Corja
Obrigado, excelências.
Obrigado por nos destruírem o sonho e a oportunidade
de vivermos felizes e em paz.
Obrigado
pelo exemplo que se esforçam em nos dar
de como é possível viver sem vergonha, sem respeito e sem
dignidade.
Obrigado por nos roubarem. Por não nos perguntarem nada.
Por não nos darem explicações.
Obrigado por se orgulharem de nos tirar
as coisas por que lutámos e às quais temos direito.
Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria.
Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero.
Obrigado pela vossa mediocridade.
E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer.
Obrigado por tudo o que não sabem e fingem saber.
Obrigado por transformarem o nosso coração numa sala de espera.
Obrigado por fazerem de cada um dos nossos dias
um dia menos interessante que o anterior.
Obrigado por nos exigirem mais do que podemos dar.
Obrigado por nos darem em troca quase nada.
Obrigado por não disfarçarem a cobiça, a corrupção, a indignidade.
Pelo chocante imerecimento da vossa comodidade
e da vossa felicidade adquirida a qualquer preço.
E pelo vosso vergonhoso descaramento.
Obrigado por nos ensinarem tudo o que nunca deveremos querer,
o que nunca deveremos fazer, o que nunca deveremos aceitar.
Obrigado por serem o que são.
Obrigado por serem como são.
Para que não sejamos também assim.
E para que possamos reconhecer facilmente
quem temos de rejeitar.
(Joaquim Pessoa faz hoje 64 anos)
terça-feira, fevereiro 21, 2012
Funeral Blues
Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Evitem o latido do cachorro com seu osso suculento,
Silenciem os pianos e com tambores lentos
Tragam o caixão, deixem que o luto chore.
Deixem que os aviões voem em círculos altos
Riscando no céu a mensagem Ele Está Morto,
Ponham gravatas beges no pescoço dos pombos brancos do chão,
Deixem que os guardas de trânsito usem luvas pretas de algodão.
Ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste,
Minha semana útil e meu domingo inerte,
Meu meio-dia, minha meia-noite, minha canção, meu papo,
Achei que o amor fosse para sempre: Eu estava errado.
As estrelas não são necessárias: retirem cada uma delas;
Empacotem a lua e façam o sol desmanchar;
Esvaziem o oceano e varram as florestas;
Pois nada no momento pode algum bem causar.
(poeta anglo-americano nascido a 21 de Fevereiro de 1907)
Tradução de Daniel Piza
segunda-feira, fevereiro 20, 2012
Plenitude
Serenamente, tão serenamente
como a folha que cai da azinheira
no verão sem brisa, ao fim da tarde
ponho as mãos no teu rosto
chamas-me Plenitude!
não tenho mais que esse momento
Maria José Lascas Fernandes
(Maria José Lascas Fernandes nasceu a 20 de Fevereiro de 1962 em Lavre, Montemor-O-Novo)
Exilado
Exilado por vezes bato à porta
do meu desterro: uma total mudez
configura nas frinchas a resposta -
a fechadura sem rodar imóvel,
extática a madeira sem ranger.
Torno a bater e doem já os ossos
da mão direita mas ainda ilesos
até que um som ligeiro se descobre
naquela névoa do silêncio e corre
obedecendo a súplice desejo.
Entrei - aberta a porta -: um rosto ameno
serenou-me nas chagas desalentos.
Depois finalizada a luz do dia
fez rechinar a porta
e eu saí.
(poeta albicastrense nascido a 20 de Fevereiro de 1936)
Outro Testamento
Quando eu morrer deitem-me nu à cova
Como uma libra ou uma raiz,
Dêem a minha roupa a uma mulher nova
Para o amante que a não quis.
Façam coisas bonitas por minha alma:
Espalhem moedas, rosas, figos.
Dando-me terra dura e calma,
Cortem as unhas aos meus amigos.
Quando eu morrer mandem embora os lírios:
Vou nu, não quero que me vejam
Assim puro e conciso entre círios vergados.
As rosas sim; estão acostumadas
A bem cair no que desejam:
Sejam as rosas toleradas.
Mas não me levem os cravos ásperos e quentes
Que minha Mulher me trouxe:
Ficam para o seu cabelo de viúva,
Ali, em vez da minha mão;
Ali, naquela cara doce...
Ficam para irritar a turba
E eu existir, para analfabetos, nessa correcta irritação.
Quando eu morrer e for chegando ao cemitério,
Acima da rampa,
Mandem um coveiro sério
Verificar, campa por campa
(Mas é batendo devagarinho
Só três pancadas em cada tampa,
E um só coveiro seguro chega),
Se os mortos têm licor de ausência
(Como nas pipas de uma adega
Se bate o tampo, a ver o vinho):
Se os mortos têm licor de ausência
Para bebermos de cova a cova,
Naturalmente, como quem prova
Da lavra da própria paciência.
Quando eu morrer. . .
Eu morro lá!
Faço-me morto aqui, nu nas minhas palavras,
Pois quando me comovo até o osso é sonoro.
Minha casa de sons com o morador na lua,
Esqueleto que deixo em linhas trabalhado:
Minha morte civil será uma cena de rua;
Palavras, terras onde moro,
Nunca vos deixarei.
Mas quando eu morrer, só por geometria,
Largando a vertical, ferida do ar,
Façam, à portuguesa, uma alegria para todos;
Distraiam as mulheres, que poderiam chorar;
Dêem vinho, beijos, flores, figos a rodos,
E levem-me - só horizonte - para o mar.
(Vitorino Nemésio faleceu a 20 de Fevereiro de 1978)
domingo, fevereiro 19, 2012
Desencontro
Que língua estrangeira é esta
que me roça a flor do ouvido,
um vozear sem sentido
que nenhum sentido empresta?
Sussurro de vago tom,
reminiscência de esfinge,
voz que se julga, ou se finge
sentindo, e é apenas som.
Contracenamos por gestos,
por sorrisos, por olhares,
rodeios protocolares,
cumprimentos indigestos,
firmes aperto de mão,
passeio de braço dado,
mas por som articulado,
por palavras, isso não.
Antes morrer atolado
na mais negra solidão.
(Rómulo Vasco da Gama de Carvalho faleceu há 15 anos)
Poema Intencional
Há em cada substância a sua negativa
e a possibilidade de processo.
Processo inexorável a ir ao fim
meta a ser de pão e flores:
A rosa será uma outra rosa
e nós já não seremos
vejo nos olhos tristes
um filho possível
vejo na árvore antiga do parque,
uma cadeira, uma muleta, mas sobretudo um aríete
descubro na boca angustiada
o hino pronto e pesado:
é inevitável o acontecimento
mas procuro ser um elemento,
Carrego em mim a utilidade
sei que posso dar existência
e na minha total renúncia
utilizo-me para um bem maior:
tenho que colher a rosa
e transformá-la
tenho que possuir Maria
e dar-lhe um filho
tenho que transformar a árvore do parque
em cadeira, em muleta mas, sobretudo em aríete.
(poeta baiano que faz hoje 71 anos)
sábado, fevereiro 18, 2012
A Recompensa
Eis a dádiva da noite:
fenda, cova, gruta, porta
casto pássaro sem canto
cisterna oculta no bosque
concha perdida na praia
viva natureza-morta.
Um corredor de coral
matriz e canal de mangue
trilha, sebe, valva, furna
voluta cheia de adornos
desfiladeiro da tarde
tumba de sol e corola
sereno da madrugada.
Manga madura da infância
que cai num chão de mentira
sol de lábios e camélias
esconderijo dos sonhos
caminho do descaminho
brancura negra da carne
pousada em seu próprio ninho
abertura pura e escura
entre-fechado botão
ou entreaberta rosa
na noite misteriosa.
(escritor alagoano nascido a 18 de Fevereiro de 1924)
sexta-feira, fevereiro 17, 2012
Os países inexistentes
- Queres partir comigo para países muito distantes,
Para países que dormem,
Embalados por oceanos que ninguém conhece?
Oh! Vamos juntos! Vamos partir para esses meus
mundos misteriosos!
Levar-te-ei a planícies brancas, cobertas de neve
como as do Alaska.
Verás que há na altura um sol gelado, envolto na poeira
nívea da neve.
E verás que um vento - um vento que uiva nos montes alvos -
Vem beijar teus cabelos cheirosos.
Levar-te-ei a montanhas encantadas, onde habitam
dragões de olhos de fogo.
Verás que no céu as estrelas se desfazem,
Mandando raios doirados coroarem tua fronte serena.
Levar-te-ei às ilhas paradisíacas,
Que estão dormindo no ritmo das ondas mansas.
Lá as árvores dormindo no ritmo das ondas mansas.
Lá as árvores cheias de sombras são feitas de humanas ternuras
E os pássaros que cantam têm uma voz límpida como violinos.
Levar-te-ei a esses mundos estranhos,
A esses mundos formosos que nunca ninguém viu.
E tu hás de repousar a cabeça no meu peito,
Deslumbrada pelos meus países inexistentes.
(poeta brasileiro nascido a 17 de Fevereiro de 1898)
quinta-feira, fevereiro 16, 2012
Visto de longe
O ARDIL DA AUSTERIDADE
No que consiste a receita de austeridade que esmaga a Grécia, solapa a Itália, esfarela Portugal e Espanha entre outros? Grosseiramente, trata-se de montar uma máquina capaz de pagar os juros aos credores. A meta é dar solvência a uma dívida contraída em regime de cumplicidade imprevidente - entre bancos e governos e entre bancos locais e estrangeiros - prática essa tida como exemplo das virtudes da livre circulação de capitais, cantada em prosa e verso na farra especulativa que antecedeu ao colapso de 2008. Como funciona a engrenagem desse colosso excretor de juros? De novo, em síntese rudimentar, trata-se de arrochar o consumo público e privado, ancorando a geração de caixa nas exportações. Daí a opressão laboral e os cortes de salário mínimo e aposentadorias exigidos pelos centuriões do euro, comandados pela generala Merkel , tendo na garupa seu seu petit Napoleão, Sarkozy. Daí também o desmonte da esfera pública, com a supressão de serviços essenciais, a demissão maciça de funcionários e a contração irrestrita de investimentos. O ajuste europeu poderá gerar um colapso social até mais dramático que o produzido na crise da dívida externa vivida pelos países da América Latina, nos anos 80. Naquele caso, o recurso à desvalorização cambial como alavanca de impulso exportador, embora convergisse igualmente para a perda de poder aquisitivo dos trabalhadores - e era esse o objetivo - não impactava de forma direta e na mesma proporção o bolso de todos os assalariados. No caso europeu, a união em torno de uma moeda supranacional de valor interno fixo impede o ajuste cambial caso a caso. É preciso ir diretamente ao bolso do cidadão confiscar poder aquisitivo. A tal ponto que em Portugal, o governo Pereira Passos tentou ressuscitar a mais valia absoluta, elevando em meia hora diária a carga de trabalho, sem remuneração. É com base nesse torniquete que se pretende reerguer as sociedades afogadas na crise do euro, a partir de uma improvável e avassaladora explosão das exportações em cada país. As metas de receita no comércio exterior são superlativas e fantasiosas, sobretudo por um detalhe: se o mundo está em crise e todos querem exportar, quem dará as ordens de compras necessárias à redenção da engrenagem conservadora? A conta não fecha. A sangria social tende a assumir proporções hemorrágicas de um empobrecimento sem paralelo. Uma espécie de argentinização européia. Na crise produzida pelo governo Menen, a escolarizada e próspera sociedade argentina viu 50% de sua população deslizar para baixo da linha da pobreza. Então as ruas explodiram.
In Carta Maior de 16 de Fevereiro
Ciranda
... e, embora irmãs,
não se vêem, não se dão, não se parecem
as doze tecelãs...
GUILHERME DE ALMEIDA
Vejo a ciranda das horas,
moças lindas a cantar...
doze vestidas de branco,
umas de flores na testa,
outras de flores na mão...
E, no balanço da dança,
quando uma vem, outras vão...
Horas do dia e da noite...
Ó vocês! ... Lindas que são! ...
Qual será mesmo a minha Hora,
minha hora de Redenção?!...
Será das doze de branco,
ou das que de negro estão?!...
Qual virá, vindo o meu dia,
pousar a mão no meu peito,
parando o meu coração?!...
(poeta pernambucano nascido a 16 de Fevereiro de 1888)
quarta-feira, fevereiro 15, 2012
Épura
Geometrias, imaginações destes caminhos
da minha terra!
Curvas de trilhas,
triângulos de asas,
bolas de cor...
Círculos de sombras agachadas entre as árvores,
cilindros de troncos embebidos na luz.
Geometrias, imaginações destes caminhos
da minha terra!
Melancolicamente, nesta alegria geométrica,
pingando bilhas polidas,
o leque das bananeiras abana o ar da manhã...
(poeta carioca falecido a 15 de Fevereiro de 1935)
terça-feira, fevereiro 14, 2012
Para ouvir a dois
Mesmo que entendam latim esqueçam a letra e oiçam este "Motete para 40 vozes", de Thomas Tallis, uma peça coral para 40 vozes individuais. Tentei, sem êxito, encontrar no You Tube a versão que possuo em CD, soberbamente cantada pelo Choir of King's College, Cambridge, mas esta também se ouve bem.
Mesmo que entendam latim esqueçam a letra e oiçam este "Motete para 40 vozes", de Thomas Tallis, uma peça coral para 40 vozes individuais. Tentei, sem êxito, encontrar no You Tube a versão que possuo em CD, soberbamente cantada pelo Choir of King's College, Cambridge, mas esta também se ouve bem.
segunda-feira, fevereiro 13, 2012
NÃO ESPERES O TEMPO
Camarada poeta: se puderes
pega na palavra e não te cales
mais. Digo que não esperes,
para cantar, o tempo da colheita.
Agora a fome é tanta
que a palavra pão também se come.
Quem diz pão diz fome e a fome
de a não ter não é sobeja.
Digo que a palavra seara faz crescer
o grão da raiva de a não ter.
Digo que a palavra fonte faz jorrar
rios de sede até ao mar.
A palavra trabalho, a palavra suor,
a palavra amiga, a palavra amor.
A palavra precisa, de vendaval ou brisa:
a que denuncia, a que profetiza.
Digo que a palavra que disseres
se pode desfolhar como os malmequeres:
ou muito ou pouco ou tudo ou nada.
O que não pode é ficar calada.
(Carlos Aboim Inglez faleceu a 13 de Fevereiro de 2002)
domingo, fevereiro 12, 2012
distribuição do tempo
Cada vez são mais os que crêem menos
Nas coisas que preencheram as nossas vidas,
Os mais altos, os incontestáveis valores de Platão ou Goethe,
O verbo, a pomba sobre a arca da História,
A sobrevivência da obra, a descendência e as heranças.
Nem por isso caem do céu do neófito
Na ciência que expõe máquinas na lua;
Na verdade, tanto faz que o doutor Barnard
Faça transplantes do coração
Era preferível mil vezes que a felicidade de cada um
Fosse o exacto, o necessário reflexo da vida
Até que o coração insubstituível pudesse dizer simplesmente basta.
Cada vez são mais os que crêem menos
Na utilização do humanismo
Para o nirvana estereofónico
De mandarins e estetas.
Sem que isto queira significar
Que quando houver um instante de inspiração
Não se leia Rilke, Verlaine ou Platão,
Ou se escute os nítidos clarins,
Ou se vislumbre os trémulos anjos
De Angélico.
(escritor argentino falecido a 12 de Fevereiro de 1984)
Tradução de Jorge Henrique Bastos
sábado, fevereiro 11, 2012
Ariel
Estancamento no escuro
E então o fluir azul e insubstancial
De montanha e distância.
Leoa do Senhor como nos unimos
Eixo de calcanhares e joelhos!... O sulco
Afunda e passa, irmão
Do arco tenso
Do pescoço que não consigo dobrar.
Sementes
De olhos negros lançam escuros
Anzóis...
Negro, doce sangue na boca,
Sombra,
Um outro voo
Me arrasta pelo ar...
Coxas, pelos;
Escamas e calcanhares.
Branca
Godiva, descasco
Mãos mortas, asperezas mortas.
E então
Ondulo como trigo, um brilho de mares.
O grito da criança
Escorre pela parede.
E eu
Sou a flexa,
O orvalho que voa,
Suicida, unido com o impulso
Dentro do olho
Vermelho, caldeirão da manhã.
(poetisa estado-unidense falecida a 11 de Fevereiro de 1963)
sexta-feira, fevereiro 10, 2012
Idiotices
“Os governantes são completamente idiotas em ter admitido que nós tivéssemos que nos adaptar aos analfabetismos do governo de Lula”, afirmou ontem o encenador Ricardo Pais ao Jornal de Negócios, a propósito do Acordo Ortográfico. Teoricamente, Ricardo Pais deveria ser uma pessoa culturalmente evoluída. E digo teoricamente porque o AO foi aprovado em 1990, 12 anos de Lula ser eleito. Quem é idiota e analfabeto, quem é?
Mas, se a declaração sobre os idiotas é idiotíssima, piores são os comentários dos artolas “entendidos”, que elogiam o encenador e culpam a esquerda pelo estapafúrdio acordo, quando este foi negociado e aprovado em pleno cavaquismo.
Hora grande
1
O mar sairá
Das nossas ilhas
Das nossas ruas
Das nossas casas
Das nossas almas...
0 mar irá para o mar
E limpos finalmente do lodo das algas
E libertos do sal do nosso sorriso de enteados
Seremos frutos de nós mesmos
Nascendo da barriga negra da terra...
2
Os náufragos
Do lago da nossa quietação
Erguerão os seus braços de todas as cores
E as suas mãos se fartarão
Da luz de um poente maduro!
0 negreiro estará perdido na légua do tempo
Porque a alma das nossas vozes
Não morrerá no fundo dos porões...
A fome não se alimentará da fome
E voaremos nas asas do Sol
Com o destino na palma da mão!
3
Nas feridas do seu parto
As raízes do nosso umbigo beberão a seiva
E no ventre da "mamã-terra"
Germinarão as sementes das nossas certezas
E nos embriagaremos da carne dos seus frutos...
As crianças nascerão sem metas nos olhos
E as suas mãos sujar-se-ão
Do mel do nosso olhar...
As crianças serão crianças!
Negras e loiras e brancas
Serão pétalas da mesma flor...
Onésimo da Silveira
(poeta cabo-verdiano nascido a 10 de Fevereiro de 1935)
Louvor do Revolucionário
Quando a opressão aumenta
Muitos se desencorajam
Mas a coragem dele cresce.
Ele organiza a luta
Pelo tostão do salário, pela água do chá
E pelo poder no Estado.
Pergunta à propriedade:
Donde vens tu?
Pergunta às opiniões:
A quem aproveitais?
Onde quer que todos calem
Ali falará ele
E onde reina a opressão e se fala do Destino
Ele nomeará os nomes.
Onde se senta à mesa
Senta-se a insatisfação à mesa
A comida estraga-se
E reconhece-se que o quarto é acanhado.
Pra onde quer que o expulsem, para lá
Vai a revolta, e donde é escorraçado
Fica ainda lá o desassossego.
(Bertolt Brecht nasceu a 10 de Fevereiro de 1898)
Tradução de Paulo Quintela
Subscrever:
Mensagens (Atom)