quarta-feira, novembro 16, 2011

Poema à boca fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.


(José Saramago faria hoje 89 anos)

6 comentários:

Flor de Jasmim disse...

Linda homenagem meu amigo.
Beijo

São disse...

Tive o imenso gosto de o conhecer pessoalmente.E de falar com ele mais do que uma vez.

Era uma pessoa afável, ao contrário do que dizem. E se ele era arrogante, o que é Lobo Antunes?!

Saudações

Manuel Veiga disse...

... e disse tudo (terá dito?) como raros espíritos souberam dizer.

associo-me com amizade à tua bela homenagem.

abraços

BlueShell disse...

Um texto de eleição...meu caro. Maravilha. Grata. Bj

Sensualidades disse...

parabens

e linda homenagem

Bjinhos
Paula

Sofá Amarelo disse...

Fotografei Saramago e Pilar por diversas vezes, inclusive algumas até posaram para mim. Guardo essas fotos com todo o carinho pois Saramago só há um!