sábado, março 29, 2008

Nem as placas resolvem Quando Salustiano comprou a vendinha da encruzilhada, disse para a mulher: - Tô feito! Tudo quanto é viajante pára ali pra perguntar o caminho e aproveita pra tomar uma cerveja. Realmente, deu certo. A estrada de terra bifurcava bem na porta da venda e quem passava a primeira vez por ali tinha mesmo de perguntar, porque não dava para saber qual ia para onde. Mas tudo tem seu lado ruim, e Salustiano logo viu qual era o dessa localização: o pessoal parava pra perguntar na hora que ele queria, que estava pronto pra vender umas cervejinhas na venda e na hora que ele não queria também. Era difícil conseguir uma noite inteira de sono. Sempre passava um carro ou um caminhão de noite, até de madrugada, e batiam na porta para perguntar o caminho. No começo, Salustiano até brincava com a mulher: - Acho que vamos ter mais filhos do que a gente esperava. Esse pessoal acorda a gente de madrugada, nós perdemos o sono e aí... Depois de dois meses, Salustiano e a mulher, Abadia, já não agüentavam mais. Quando ouviam uma buzina ou batidas na porta de madrugada, tinham vontade de sair xingando, ou então de mudar de vez dali. Um dia, justamente esse “lado bom” de acordar de madrugada foi incomodado. Lá pelas três da manhã, um caminhão buzinou, Salustiano acordou, pôs a cara na janela, o motorista perguntou: - Qual a estrada que vai pro Cafundó? - É a da esquerda – respondeu. Tentou dormir, não dava. Aí, percebeu que Abadia também tinha acordado. Começaram umas carícias etc. e tal e, quando iam partir para os finalmentes, ouviram um barulho de motor. Logo batiam à porta com insistência e tiveram de interromper o namoro para Salustiano dar informações para mais um motorista. Quando voltou para a cama, tinha perdido o estímulo. Irritou-se. A Abadia também esbravejava: - Amanhã ponho uma placa nessa porcaria dessa encruzilhada. Logo cedo, Salustiano pegou duas tábuas, cortou em forma de setas e escreveu “Cafundó” numa delas e “Patrimônio” na outra. Fincou um pau no chão, bem na encruzilhada, mas deixou para pregar as tábuas nele no final da tarde, para aproveitar um dia a mais com a parada de motoristas que queriam informações e gastavam um pouco na venda. Acabou pregando as tábuas só de noite, logo antes de dormir. Aí foi tranqüilo para a cama: - Ninguém mais incomoda a gente agora, Abadia. Meia-noite, seu sono profundo foi interrompido por pancadas na porta. Foi ver e era seu compadre, Durvalino, que tinha ido pra cidade a cavalo e estava de volta, parecendo ter bebido um pouco. - Quê que houve, compadre Durvalino? Precisa de alguma coisa? - Nada não, compadre Salustiano. Só queria saber o que é que tá escrito naquelas placas ali. Mouzar Benedito (publicado no livro “Memória vagabunda”, de Mouzar Benedito – editora Publisher Brasil) Retirado daqui

1 comentário:

jrd disse...

Chato, é mesmo aquele que fala quando nós pensamos que já não há mais nada para dizer.