sábado, março 02, 2013

Poema de destroços

Lembro-me de tudo:
Um gesto a abrir,
rosas branca na haste,
o milagre do pão,
a ternura que deixaste
como um rio desliza,
num silêncio de gumes.
Os adeuses digo,
único passageiro no navio,
levo o saibro das lágrimas,
e vou sozinho.
A guitarra da chuva persiste.
Se eu tinha coração? De ouro...
Quase ia dizendo puro,
uma árvore à beira da vida.
Consumiu-o depressa a labareda
neste desolado cais.
No cais da saudade, morre um sonho mais,
a esfumada paisagem, porto solitário,
depois o imenso, profundo oceano,
enquanto o céu ainda é azul.
Comerei o pão que deixaste
para a minha fome,
uma esmola para o pobre marinheiro.
Haverá um sinal?
Apenas um sinal no céu:
Os deuses que tivemos devorámos.
Coração apagado,
uma açucena na estrumeira.
Pior é morrer
culpado de alguma culpa inocente.
E a noite. A noite, por fim, indiferente.


(escritor açoriano que hoje faz 69 anos)

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