sexta-feira, dezembro 14, 2007

Os homens que contam



No próximo sábado, dia 15/12, o arquiteto Oscar Niemeyer completa cem anos de idade. Poucas são as pessoas que têm o privilégio de vidas longevas. Minha avó materna morreu com 102 anos. Tantos anos, ela os atribuía a duas coisas: uma colher de mel que ela sorvia quotidianamente ainda em jejum e uma Salve Rainha antes de dormir. A receita tem pelo menos o encantamento da singeleza. Não sei qual é o segredo do arquiteto, mas obviamente não há de ser a receita de minha avó que, de resto, nem eu mesmo a pratico, embora goste muito de mel e de Nossa Senhora.

Mas o centenário de Niemeyer me faz recordar uma entrevista que ele me concedeu há exatos dez anos. Eu havia traduzido do italiano uma obra de arquitetura e o patrocinador da edição me encarregou de ir ao Rio solicitar um prefácio do mais conhecido arquiteto brasileiro. Marcada a audiência por telefone, pensei que ele fosse me conceder cinco minutos. Entreteve-me toda uma tarde e no final ainda mandou seu motorista levar-me a Niterói para conhecer a sua mais nova obra, o Museu de Arte Moderna.

Na minha memória a figura de Oscar Niemeyer é indissociável de um sacerdote, Frei Matheus Rocha OP. Se estivesse vivo, faria 85 anos no próximo mês. O relacionamento de ambos data da década de 60, quando Darcy Ribeiro convidou Frei Matheus, então Provincial dos Dominicanos, para fundar a Faculdade de Teologia da Universidade de Brasília, uma proposta que contava com o decidido apoio do Papa João XXIII. O religioso convidou Niemeyer para projetar o prédio da faculdade, que chegou a ser construído, professores preparados, tudo pronto etc., quando o golpe de estado de 1964 pôs tudo a perder. Frei Matheus foi vice-reitor do Prof. Anísio Teixeira e foi também reitor da UNB entre 1962 e 1963. O fato é que Brasília e a Teologia uniram esses dois personagens e, pelos testemunhos de frei Matheus, embora se dizendo ateu, Niemeyer era um homem de muita fé. Mas era uma fé obscurecida pelas diversas expressões das contradições e miséria humanas e de alguns contra-testemunhos da Igreja. Encontrou no comunismo um ideal de justiça que não viu na Igreja. Em todo caso, através daquele religioso, debateu muito sobre o universo teologal, conheceu as maravilhas do Evangelho, da missão e da pessoa de Jesus Cristo. Mas a vida humana é mesmo um mistério, e até hoje o arquiteto se auto-define ateu e comunista. Nesses casos, quem poderá emitir juízos?

O homem que construiu com suntuosidade a belíssima catedral da capital federal e, muito antes, construiu com simplicidade a igreja de São Francisco no conjunto da Pampulha em Belo Horizonte, deve ter sido tocado de mil modos pela mão poderosa de Nosso Senhor. Tudo isso é motivo para ação de graças nesse centenário.

Levei de presente para o arquiteto o livro de Frei Matheus "Quem é este homem?", uma bela introdução à Cristologia. Niemeyer recebeu a obra, fez uma longa pausa, percorreu em silêncio várias páginas e disse com convicção: "São esses os homens que contam!"
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Domingos Zamagna *

* Jornalista e professor de Filosofia em São Paulo

Texto retirado daqui

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