quarta-feira, dezembro 12, 2007

O Café na Copa Derramo o café no pires, lentamente, e assim o bebo. Os bicos e as asas dos pássaros, este azul que se queima na ponta da plumagem, tudo como um domingo na gaiola calada, e o pôr o alpiste na pequena cumbuca, e a água, que nos molha as mãos e pinga no soalho, são parte do enredo de meus dias, um dédalo num rio, sem trilhas e pegadas, preciso como o amor e a música. Na calma de uma cesta de ovos, esta manhã me lava o rosto, me procura, para dar-me um espaço sem mistério, para explicar-me o pranto, para fazer-me aceitar a morte, o tempo e seus adeuses, para diante de mim abrir as flores de bananeiras e esventrar, no chão, as jacas. Sei que me afasto da simplicidade da toalha, do balde e do sapato, das coisas a que me aconchego, se as penso como distância e saudade, se não vejo a mão que limpa a mesa e passa o pano sobre piso e azulejos, não como um simulacro de aceitação e tristeza, mas como o que herdei do mundo, a mão que limpa a mesa, a mesa e o pano, o que é alegria e sofrimento, iguais em tantos gestos, entre a luminosa indiferença na praia e nos jardins. Passo-te a xícara. Não te falo do que é invisível em mim, do que me canta. Sei que alguém, de longe, se debruça sobre mim e me desenha no rosto cada ruga: - Frágil é o que nos dá a beleza, mas não cessa o que fomos e vivemos. Somos deuses no tempo e no escuro da noite, o muro branco e as estrelas Alberto da Costa e Silva* *poeta paulista Dedicado à minha companheira, no trigésimo primeiro aniversário do nosso casamento.

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