segunda-feira, dezembro 31, 2007

Viva a vida! Há 71 anos morria, em prisão domiciliária, Miguel de Unamuno y Jugo, figura cimeira da cultura espanhola do século XX. Quase três meses antes, tinha desafiado publicamente o general José Millán-Astray, o falangista celebrizado pelo seu grito demente '¡viva la muerte!'. A todos os meus amigos e amigas, com desejos de um 2008 cheio de tudo de bom, dedico este poema do Miguel, pela voz de José Manuel Castañón: Denso, Denso Mira, amigo: cuando libres al mundo tu pensamiento, cuida que sea, ante todo, denso, denso. Y cuando sueltes la espita que cierra tu sentimiento, que en tus cantos éste mane denso, denso. Y el vaso en que vino escancies de tu sentir los anhelos, de tu pensar los cuidados, denso, denso. Mira que es largo el camino y corto, muy corto, el tiempo: parar en cada posada no podemos. Dinos en pocas palabras, y sin dejar el sendero, lo más que decir se pueda, denso, denso. Con hebra recia de ritmo, hebrosos queden tus versos, sin grasa, con carne prieta, densos, densos. Miguel de Unamuno

domingo, dezembro 30, 2007

A Venezuela vista do Reino Unido Derrota de Chávez no plebiscito traz lições aos bolivarianos. A derrota por pouca margem de Hugo Chávez no referendo foi resultado de uma grande abstenção dos seus partidários. 44% dos eleitores ficou em casa. Por quê? Primeiro, porque não entenderam ou não aceitaram a necessidade do referendo. As medidas relacionadas com a semana laboral e outras reformas sociais poderiam, facilmente, ser objeto de legislação parlamentar. As questões-chave eram remover as restrições à repetição do mandato do chefe de governo (como na maior parte da Europa) e os passos rumo a um "Estado Socialista". Com respeito a esse último, simplesmente faltou debate e discussão entre o povo simples. Tariq Ali Para ler aqui

sábado, dezembro 29, 2007

Disputas laborais insólitas (V) Tony Price, director geral da WStore UK, uma empresa de Tecnologias da Informação sedeada no Surrey, exigiu que os seus 80 empregados se submetessem a um teste de ADN, após um bocado de pastilha elástica ter ficado pegado às calças de um director. Quando a sua mensagem de correio electrónico para toda a gente assinalando o banimento da pastilha elástica na empresa transpirou para os média, Price insinuou descaradamente que forçaria os empregados a sujeitarem-se a testes num detector de mentiras para encontrar o culpado.

sexta-feira, dezembro 28, 2007

O poema a Mário Quintana a Manuel Bandeira a Fernando Pessoa Quem és tu? - Eu?, sou a ânsia de saber quem sou; o esgar de minha boca não é meu. Herdei não sei bem de quem. - Eu?, vim com a chuva de Stroncio, sou a Rosa de Hiroshima, vermelha e fatal. Quem és tu, afinal? - Eu?, não tenho face, uso essa estranha máscara, mais verdadeira e real do que minha própria face, se a tivesse... Alceu Brito Correa* *poeta brasileiro

quinta-feira, dezembro 27, 2007

A Venezuela vista do Brasil As razões de uma derrota e o futuro da Revolução Bolivariana A elevada abstenção no referendo atingiu sobretudo setores sociais simpáticos a Chávez. Mas, em relação à eleição presidencial de 2006, o aumento dos votos da oposição foi pequeno. Algo ocorreu, portanto, na própria base do presidente. Marco Aurélio Weissheimer Artigo a não perder, aqui

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Sabia que...(VII) No Kentucky, Estados Unidos, é ilegal transportar uma arma escondida com mais de 6 pés de comprimento (1,8288 m)? Em Miami, Florida, é ilegal andar de mono patim numa esquadra da polícia? No Lancashire, Reino Unido, não é permito a alguém, depois de mandado parar por um polícia, incitar um cão a ladrar? Na Inglaterra, os Homens Livres podem levar um rebanho de ovelhas a atravessar a London Bridge sem terem de pagar portagem; e que também estão autorizados a passear gansos em Cheapside? Na Inglaterra, todos os homens com mais de 14 anos têm de cumprir com duas horas de prática de tiro com arco por dia?

terça-feira, dezembro 25, 2007

NATAL À BEIRA-RIO É o braço do abeto a bater na vidraça, E o ponteiro pequeno a caminho da meta! Cala-te, vento velho! É o Natal que passa, A trazer-me da água a infância ressurrecta. Da casa onde nasci via-se perto o rio. Tão novos os meus Pais, tão novos no passado! E o Menino nascia a bordo de um navio Que ficava, no cais, à noite iluminado... Ó noite de Natal, que travo a maresia! Depois fui não sei quem que se perdeu na terra. E quanto mais na terra a terra me envolvia E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra. Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me À beira desse cais onde Jesus nascia... Serei dos que afinal, errando em terra firme, Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia? David Mourão-Ferreira, "Obra Poética". 1948-1988

segunda-feira, dezembro 24, 2007

FALAVAM-ME DE AMOR Quando um ramo de doze badaladas se espalhava nos móveis e tu vinhas solstício de mel pelas escadas de um sentimento com nozes e com pinhas, menino eras de lenha e crepitavas porque do fogo o nome antigo tinhas e em sua eternidade colocavas o que a infância pedia às andorinhas. Depois nas folhas secas te envolvias de trezentos e muitos lerdos dias e eras um sol na sombra flagelado. O fel que por nós bebes te liberta e no manso natal que te conserta só tu ficaste a ti acostumado. Natália Correia, in "O Dilúvio e a Pomba", 1979

domingo, dezembro 23, 2007

A Venezuela vista dos Estados Unidos Os vigilantes da democracia O governo e a principal mídia nos Estados Unidos tomaram partido ou pelo menos se declararam árbitros no processo interno venezuelano, ao participar, opinar e criticar o referendo sobre a reforma constitucional. Em Novembro apareceram pelo menos 15 editoriais nos periódicos mais importantes, sem contar os que foram publicados no dia do plebiscito, uma série de artigos de opinião e de comentários na mídia norte-americana. O governo de George Bush não escondeu sua participação no debate venezuelano. Especialistas reconhecidos em matéria de transparência, direitos humanos e outros elementos-chave nos processos democráticos, como o ex-secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, puseram à disposição a sua sabedoria. O aparente consenso editorial e político aqui [nos EUA] foi o de que o referendo representou não só uma tentativa do presidente Hugo Chávez de concentrar o poder, mas também de enfraquecer e até de abolir a democracia na Venezuela. David Brooks Para ler aqui

sábado, dezembro 22, 2007

A Venezuela vista do México Nada de novo na Venezuela Não deixa de ser curiosa essa aliança tácita de forças aparentemente distintas umas das outras (e até opostas) contra Chávez. No México, vimos esse fenômenos na eleição de 2006, incluindo os ultraesquerdistas e os defensores do voto nulo. Octávio Rodriguez Araujo, para o La Jornada, do México Artigo completo, aqui

sexta-feira, dezembro 21, 2007

O Natal da discórdia Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, diz o velho ditado. E eu tenho procurado não me precipitar e não escrever coisas que me forcem a dar o dito por não dito por escrever a quente e sem me documentar devidamente. Por enquanto, tenho conseguido. Vem isto a propósito de uma grossa polémica que está a ocorrer no Brasil. O projecto da adutora do Rio São Francisco, no nordeste brasileiro, que se destina a transvazar uma pequena parte daquele rio para zonas onde a água é escassa, é um projecto estruturante do governo de Lula da Silva. Dom Luís Cappio é um bispo brasileiro titular de uma diocese que já foi grande mas está agora em decadência, que se encontra há duas semanas em greve de fome (já é a segunda vez) contra o projecto, provavelmente até à morte por inanição – até onde disse que estava disposto a ir - considerando que é pouco provável que o governo recue. Muitas vozes se levantaram em seu apoio, desde o Movimento dos Sem Terra, passando por dois Teólogos da Libertação que muito respeito e de quem divulgo aqui textos com alguma frequência – Leonardo Boff e Frei Betto, até às mais variadas ONG’s que se dizem defensoras do ambiente. As muitas tomadas de posição que li deixaram-me sempre a impressão de que a bota não batia com a perdigota, porque sempre me soou algo estranha uma confluência de ataques a um governo provindos de pessoas que defendem interesses antagónicos. Li um primeiro artigo de Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, intitulado O bispo de Barra quer morrer, extremamente crítico da atitude do bispo e pensei cá para comigo: aqui há gato. As violentas críticas de que foi alvo na caixa de comentários do jornal digital em que escreve levaram-no a publicar um segundo artigo, intitulado precisamente O Natal da discórdia, cuja leitura recomendo vivamente, dado tratar-se de uma peça que me parece exemplar em termos de clareza. Embora se trate de um artigo longo, da sua leitura podem tirar-se vários ensinamentos, o menor dos quais não será, certamente, a vantagem de não escrever sobre aquilo que se não domina, principalmente quando se trata de pessoas que penso que agem de boa fé e que têm, seguramente, milhões de cidadãos que lhes dão ouvidos, sobretudo entre as populações menos letradas, como é o caso dos dois teólogos referidos.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

In memoriam


A Aceitação da Fraude

Uma das lições mais tristes da história é a seguinte: Se formos enganados durante muito tempo, temos tendência a rejeitar qualquer prova de fraude. Deixamos de estar interessados em descobrir a verdade. A fraude apanhou-nos. É demasiado doloroso reconhecer, nem que seja para nós mesmos , que fomos levados à certa. Uma vez que damos a um charlatão poder sobre nós mesmos, quase nunca o recuperamos. Por conseguinte, as velhas fraudes têm tendência a persistir, ao mesmo tempo que surgem outras novas.

Carl Sagan, in "O Mundo Infestado de Demónios"

Declaração de interesses: tenho este livro aqui à mão de semear, mas como o texto está disponível no Citador, foi muito mais simples, ao fim de um dia de trabalho, fazer um copiar/colar em vez de o escrever à média luz.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Divertimento com sinais ortográficos ... Em aberto, em suspenso Fica tudo o que digo. E também o que faço é reticente... : Introduzimos, por vezes, Frases nada agradáveis... . Depois de mim maiúscula Ou espaço em branco Contra o qual defendo os textos , Quando estou mal disposta (E estou-o muitas vezes...) Mudo o sentido às frases, Complico tudo... ! Não abuses de mim! ? Serás capaz de responder a tudo o que pergunto? ( ) Quem nos dera bem juntos Sem grandes apartes metidos entre nós! ^ Dou guarida e afecto A vogal que procure um tecto. Alexandre O'Neill* *no 83º aniversário do nascimento
O Desaparecido "Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim. Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me no espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão. Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor." Rubem Braga* - "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1969 *no 17º aniversário da sua morte

terça-feira, dezembro 18, 2007

Disputas laborais insólitas (IV) Wayne Simpson , um vendedor da empresa inglesa EDF Energy, perdeu o sem emprego de vinte e oito mil libras anuais depois de ter enviado a uma cliente uma fotografia sua todo nu, sentado num banho de espuma a beber whisky. Simpson tinha encontrado a cliente do sexo feminino enquanto fazia vendas porta a porta, em Tyneside; conseguiu obter o número de telefone dela e, mais tarde, enviou-lhe a fotografia com uma mensagem a dizer: “queres sair um dia destes para tomar uma bebida?” A mulher não quis e, em vez disso, relatou o caso à empresa e à polícia. Simpson acusou a EDF de falta de sentido de humor. “Eu nem sequer estava a mostrar as minhas partes pudendas”, disse.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

A Venezuela vista da Argentina Dialéctica de uma derrota Como explicar a derrota do Sim e até que ponto foi só uma derrota? Chavez enfrentou uma fenomenal coligação política e social que aglutinava todas as forças da velha ordem, carcomida até às entranhas mas com os seus agentes históricos a travarem uma batalha desesperada para salvá-la. A grande burguesia autóctone, os latifundiários, o capital financeiro, os dirigentes sindicais corruptos, a velha partidocracia, a hierarquia da Igreja Católica, a embaixada norte-americana, obcecada em derrubá-lo, e, a coroar todo este fluxo de descarga, uma confabulação mediática nacional e internacional poucas vezes vista na história, a qual reunia nos seus ataques a Chavez os grandes expoentes da "imprensa livre" da Europa, Estados Unidos e América Latina. O líder bolivariano atraiu contra si todos os espantalhos sociais com os quais deve lidar qualquer governo digno na América Latina e combateu-os quase em solidão e de mãos limpas. O que unificou os conservadores não foi a cláusula da "reeleição permanente" e sim algo muito mais grave: a reforma concedia categoria constitucional ao projecto socialista em gestação, algo totalmente inaceitável. Apesar de tão descomunal disparidade, o resultado eleitoral foi praticamente um empate. Para muitos venezuelanos a eleição não era importante, o que explica os 44 por cento de abstenção. A grande maioria dos que não compareceram para votar tê-lo-iam feito pelo Sim, o que revela a debilidade do trabalho de construção hegemónica e de consciencialização ideológica dos bolivarianos no seio das classes populares. A redistribuição de bens e serviços é imprescindível, mas não necessariamente cria consciência política emancipadora. Por outro lado, alguns governadores e alcaides chavistas não se empenharam a fundo em favor de uma reforma constitucional que democratizaria, em prejuízo das suas atribuições, a organização política do Estado ao criar novas instituições do poder popular. Além disso, há que levar em conta que após nove anos de gestão qualquer governo sofre um desgaste ou deixa de suscitar o entusiasmo colectivo de antanho. A isto há que acrescentar, além disso, alguns erros cometidos na campanha eleitoral intermitente de um presidente que, pelo seu papel protagónico no cenário mundial, não dispõe de muito tempo para outra coisa. De qualquer modo, apesar da derrota, Chavez saiu-se muito bem. Suas credenciais democráticas fortaleceram-se notavelmente. A oposição chegou às eleições dizendo que jamais aceitaria um triunfo do Sim. Caso se verificasse, repudiá-lo-iam por ser produto da fraude e poriam em andamento o "Plano B" da Operación Tenaza . Os que se diziam democratas confessavam que só se comportariam como tais no caso de ganhar; senão, a sua resposta seria a sedição. Chavez, em contrapartida, deu-lhes um lição de republicanismo democrático ao aceitar com fidalguia o veredicto das urnas. Imaginemos o que teria acontecido se por essa ínfima diferença houvesse triunfado o Sim. Os porta-vozes da "democracia" teriam incendiado a Venezuela. Apesar da sua derrota, a estatura moral de Chavez e a sua fidelidade aos valores da democracia converte em pigmeus os seus oportunistas adversários, que só respeitam o resultado das urnas quando este os favorece. E, de passagem, deixa numa posição insustentável os senadores brasileiros que, sob o pretexto da débil vocação democrática de Chavez, querem frustrar a entrada da Venezuela no Mercosul. Atilio Borón* *Economista e sociólogo. Secretario general do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO) até Agosto de 2006. Professor Titular de Teoria Política e Social da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires.

domingo, dezembro 16, 2007

Canto dos emigrantes Com seus pássaros ou a lembrança de seus pássaros, com seus filhos ou a lembrança de seus filhos, com seu povo ou a lembrança de seu povo, todos emigram. De uma quadra a outra do tempo, de uma praia a outra do Atlântico, de uma serra a outra das cordilheiras, todos emigram. Para o corpo de Berenice ou o coração de Wall Street, para o último templo ou a primeira dose de tóxico, para dentro de si ou para todos, para sempre todos emigram. Alberto da Cunha Melo* *poeta brasileiro

sábado, dezembro 15, 2007

Bizarrias Judiciais (V) Em 1980, o Juiz Lord Ormrod, o Juiz Lord Dunn e o Juiz Arnold decidiram , no Tribunal de Apelação do Reino Unido, que uma esposa de Basingstoke que tinha racionado o sexo com o marido a uma vez por semana estava a comportar-se razoavelmente. Lord Hailsham revelou, mais tarde, que a decisão tinha levado a que alguns jornais tentassem entrevistar as esposas de todos os Juízes que intervieram no caso. *** A um pai de Zhengzhou, na China, foi recusada autorização legal para pôr ao seu filho o nome de @, em homenagem a este carácter do teclado. A autorização foi negada com a base legal de que todos os nomes têm de ser susceptíveis de serem traduzidos para Mandarim.

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Os homens que contam



No próximo sábado, dia 15/12, o arquiteto Oscar Niemeyer completa cem anos de idade. Poucas são as pessoas que têm o privilégio de vidas longevas. Minha avó materna morreu com 102 anos. Tantos anos, ela os atribuía a duas coisas: uma colher de mel que ela sorvia quotidianamente ainda em jejum e uma Salve Rainha antes de dormir. A receita tem pelo menos o encantamento da singeleza. Não sei qual é o segredo do arquiteto, mas obviamente não há de ser a receita de minha avó que, de resto, nem eu mesmo a pratico, embora goste muito de mel e de Nossa Senhora.

Mas o centenário de Niemeyer me faz recordar uma entrevista que ele me concedeu há exatos dez anos. Eu havia traduzido do italiano uma obra de arquitetura e o patrocinador da edição me encarregou de ir ao Rio solicitar um prefácio do mais conhecido arquiteto brasileiro. Marcada a audiência por telefone, pensei que ele fosse me conceder cinco minutos. Entreteve-me toda uma tarde e no final ainda mandou seu motorista levar-me a Niterói para conhecer a sua mais nova obra, o Museu de Arte Moderna.

Na minha memória a figura de Oscar Niemeyer é indissociável de um sacerdote, Frei Matheus Rocha OP. Se estivesse vivo, faria 85 anos no próximo mês. O relacionamento de ambos data da década de 60, quando Darcy Ribeiro convidou Frei Matheus, então Provincial dos Dominicanos, para fundar a Faculdade de Teologia da Universidade de Brasília, uma proposta que contava com o decidido apoio do Papa João XXIII. O religioso convidou Niemeyer para projetar o prédio da faculdade, que chegou a ser construído, professores preparados, tudo pronto etc., quando o golpe de estado de 1964 pôs tudo a perder. Frei Matheus foi vice-reitor do Prof. Anísio Teixeira e foi também reitor da UNB entre 1962 e 1963. O fato é que Brasília e a Teologia uniram esses dois personagens e, pelos testemunhos de frei Matheus, embora se dizendo ateu, Niemeyer era um homem de muita fé. Mas era uma fé obscurecida pelas diversas expressões das contradições e miséria humanas e de alguns contra-testemunhos da Igreja. Encontrou no comunismo um ideal de justiça que não viu na Igreja. Em todo caso, através daquele religioso, debateu muito sobre o universo teologal, conheceu as maravilhas do Evangelho, da missão e da pessoa de Jesus Cristo. Mas a vida humana é mesmo um mistério, e até hoje o arquiteto se auto-define ateu e comunista. Nesses casos, quem poderá emitir juízos?

O homem que construiu com suntuosidade a belíssima catedral da capital federal e, muito antes, construiu com simplicidade a igreja de São Francisco no conjunto da Pampulha em Belo Horizonte, deve ter sido tocado de mil modos pela mão poderosa de Nosso Senhor. Tudo isso é motivo para ação de graças nesse centenário.

Levei de presente para o arquiteto o livro de Frei Matheus "Quem é este homem?", uma bela introdução à Cristologia. Niemeyer recebeu a obra, fez uma longa pausa, percorreu em silêncio várias páginas e disse com convicção: "São esses os homens que contam!"
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Domingos Zamagna *

* Jornalista e professor de Filosofia em São Paulo

Texto retirado daqui

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Impressionista Uma ocasião, meu pai pintou a casa toda de alaranjado brilhante. Por muito tempo moramos numa casa, como ele mesmo dizia, constantemente amanhecendo. Adélia Prado* *poetisa brasileira contemporânea (no dia do seu 72º aniversário)

quarta-feira, dezembro 12, 2007

O Café na Copa Derramo o café no pires, lentamente, e assim o bebo. Os bicos e as asas dos pássaros, este azul que se queima na ponta da plumagem, tudo como um domingo na gaiola calada, e o pôr o alpiste na pequena cumbuca, e a água, que nos molha as mãos e pinga no soalho, são parte do enredo de meus dias, um dédalo num rio, sem trilhas e pegadas, preciso como o amor e a música. Na calma de uma cesta de ovos, esta manhã me lava o rosto, me procura, para dar-me um espaço sem mistério, para explicar-me o pranto, para fazer-me aceitar a morte, o tempo e seus adeuses, para diante de mim abrir as flores de bananeiras e esventrar, no chão, as jacas. Sei que me afasto da simplicidade da toalha, do balde e do sapato, das coisas a que me aconchego, se as penso como distância e saudade, se não vejo a mão que limpa a mesa e passa o pano sobre piso e azulejos, não como um simulacro de aceitação e tristeza, mas como o que herdei do mundo, a mão que limpa a mesa, a mesa e o pano, o que é alegria e sofrimento, iguais em tantos gestos, entre a luminosa indiferença na praia e nos jardins. Passo-te a xícara. Não te falo do que é invisível em mim, do que me canta. Sei que alguém, de longe, se debruça sobre mim e me desenha no rosto cada ruga: - Frágil é o que nos dá a beleza, mas não cessa o que fomos e vivemos. Somos deuses no tempo e no escuro da noite, o muro branco e as estrelas Alberto da Costa e Silva* *poeta paulista Dedicado à minha companheira, no trigésimo primeiro aniversário do nosso casamento.

terça-feira, dezembro 11, 2007

Sabia que...(VI) No Bahrain, um médico do sexo masculino pode legalmente examinar os órgãos sexuais duma mulher, mas está proibido de olhar directamente para eles durante o exame, podendo apenas ver o seu reflexo num espelho? Em Chester, no Reino Unido, os homens do País de Gales estão proibidos de entrar na cidade antes do nascer do sol e de lá permanecer após o pôr do sol? Na Florida, Estados Unidos, as mulheres não casadas que saltem de pára-quedas aos Domingos podem ser presas?

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Direitos humanos Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.” Este é o artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 10 de Dezembro de 1948. Porque decorridos 59 anos ainda estamos tão longe de reconhecer os direitos de toda a gente, talvez seja útil ler a Declaração na íntegra, como os seu 7 considerandos e 30 artigos.
A perfeição O que me tranqüiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta. O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete. Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível. O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Poema de Clarice Lispector, arranjado pelo Padre Antonio Damázio

domingo, dezembro 09, 2007

Disputas laborais insólitas (III) Sariya Allen, uma professora auxiliar que deixou o seu trabalho após três anos na escola primária de Durand, em Stockwell, Londres, processou a escola por alegada discriminação contra as suas crenças de Cristã Pentecostal. Allen tinha sido sujeita a um processo disciplinar por se recusar a deixar uma criança ler o Harry Poter, afirmando que glorificava a bruxaria. Perdeu. *** Um vendedor de seguros muçulmano ficou ofendido quando o seu empregador começou a oferecer garrafas de vinho como recompensa do bom desempenho. Imran Khan disse que o esquema de incentivos da Direct Line o colocava numa situação de desvantagem porque a sua religião o proibia de beber bebidas alcoólicas, pelo que tentou conseguir uma indemnização por danos devido a lhe terem “ferido os sentimentos”. Perdeu.

sábado, dezembro 08, 2007

Imagine Imagine there's no heaven It's easy if you try No hell below us Above us only sky Imagine all the people Living for today Imagine there's no countries It isn't hard to do Nothing to kill or die for And no religion too Imagine all the people Living life in peace You may say, I'm a dreamer But I'm not the only one I hope some day You'll join us And the world will be as one Imagine no possessions I wonder if you can No need for greed or hunger A brotherhood of man Imagine all the people Sharing all the world You may say, I'm a dreamer But I'm not the only one I hope some day You'll join us And the world will be as one John Lennon* *no 27º aniversário do seu assassínio
Horas rubras Horas profundas, lentas e caladas Feitas de beijos sensuais e ardentes, De noites de volúpia, noites quentes Onde há risos de virgens desmaiadas… Ouço as olaias rindo desgrenhadas… Tombam astros em fogo, astros dementes. E do luar os beijos languescentes São pedaços de prata p’las estradas… Os meus lábios são brancos como lagos… Os meus braços são leves como afagos, Vestiu-os o luar de sedas puras… Sou chama e neve branca misteriosa… E sou talvez, na noite voluptuosa, Ó meu Poeta, o beijo que procuras! Florbela Espanca* *no aniversário do nascimento e morte

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Alteridade Quem é esse ser que me habita Que por mim fala e em mim cala Quem é este estranho ser Que vive em mim entre ter e haver Que em mim se esconde Que por mim responde Que se perfaz em devaneios Sempre aqui, acolá ou de permeio. Que mais existe quanto mais anseio Que sofre em mim quando amo Que se alegra quando sofro Que procura tecer sua trama Nesse drama em que sou chama Quem é este ser que me habita Que me desdiz sem me dizer Que se desfaz no meu fazer Que grita em minha garganta Que quanto menor mais se agiganta Quem este poema escreve? Sou eu mesmo ou um outro ser em mim? Alberto Beuttenmüller* *poeta brasileiro

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Quem disse que o inglês é fácil?! É comum dizer-se que o inglês é uma linguagem muito mais fácil do que o português. Mão amiga fez-me chegar um teste que proponho leiam rapidamente em voz alta, para avaliar se é mesmo assim: 1. Módulo básico Em português: Três bruxas observam três relógios Swatch. Que bruxa observa que relógio Swatch? Em inglês: Three witches watch three Swatch watches. Which witch watch which Swatch watch ? 2. Módulo avançado Em português: Três bruxas travestis observam os botões de três relógios Swatch. Que bruxa travesti observa que botão de que relógio Swatch ? Em inglês: Three switched witches watch three Swatch watch switches. Which switched witch watch which Swatch watch switch? 3. E agora para especialistas Em português: Três bruxas Suecas transexuais observam os botões de três relógios Swatch Suiços. Que bruxa sueca transexual observa que botão de que relógio Swatch Suiço ? Em inglês: Three Swedish switched witches watch three Swiss Swatch watch switches. Which Swedish switched witch watch which Swiss Swatch watch switch?

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Derrotado! E agora, quê? Enfim aconteceu. Depois de mais de dez anos e dezenas de eleições, finalmente, Hugo Chávez foi derrotado. O louco, o ditador, o intempestivo, o "negro", o insuportável populista. Desde Atlanta, o braço armado da comunicação capitalista, foram disparados todos os torpedos midiáticos possíveis e não foi pouco o dinheiro derramado para financiar a campanha do não às reformas constitucionais. Junte-se a isso toda a mesma velha e já conhecida conspiração envolvendo a tão velha e conhecida CIA (Central de Inteligência dos Estados Unidos). Assim, com praticamente o mundo todo fazendo torcida contra (inclusive a Rede Globo, fiel representante da classe dominante brasileira) e com alguns erros estratégicos, Chávez perdeu pela primeira vez. 50,7% a 49,29. Uma diferença apertada que bem mostra a dureza da luta de classe na Venezuela. No início da noite, tão logo saíram os resultados, o presidente foi à televisão, reconheceu a derrota e disse que a Venezuela vai seguir seu caminho respeitando a decisão das urnas. E agora, o que mais vão dizer de Chávez? No meio de tanta intoxicação por parte de todos os órgãos de comunicação social, quer dos portugueses quer dos estrangeiros a que temos mais fácil acesso, julgo que vale a pena ler este artigo da Jornalista brasileira Elaine Tavares.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Eles continuam por aí


Christine Castillo Comer, a simpática senhora da fotografia ao lado, considerada a maior especialista do Estado do Texas em questões de educação em ciências, foi professora de ciências durante 27 anos e directora de ciência da Agência de Educação do Texas durante 9 anos, até que foi obrigada a demitir-se em 7 de Novembro passado.

Barbara Carrol Forrest é uma reputada filósofa estado-unidense, professora de filosofia na Southeastern Louisiana University e co-autora do livro Cavalo de Tróia do Criacionismo – A Cunha do Desígnio Inteligente.

Qual a relação entre as duas personagens?

Embora para a imensa maioria de nós, portugueses e europeus, a teoria da evolução das espécies não mereça qualquer contestação, o mesmo não se passa nos Estados Unidos, onde cerca de metade da população acredita piamente que a terra e todos os seres vivos foram criados recentemente, numa data localizada algures ente dez mil e seis mil anos, e os criacionistas (apoiados pelo inefável Mr. W. Bush) querem introduzir o Desígnio Inteligente* (o termo filosófico para Intelligent Design, muitas vezes traduzido por “Desenho Inteligente”) no currículo escolar de ciências, como alternativa à evolução.

Barbara Forrest, uma das maiores críticas do Desígnio Inteligente, proferiu uma palestra em Austin, no Texas, no passado dia 2 de Novembro, organizada pelo Centro Nacional para a Educação em Ciência, um grupo defensor da teoria da evolução. Christine Castilho Comer, que tinha recebido do Centro uma mensagem electrónica sobre a palestra, reencaminhou-a para uma comunidade online local, como sempre fazia com todos os assuntos ligados à ciência, fosse o aquecimento global, a investigação em células estaminais, ou outros, sem que daí lhe tivesse alguma vez advindo qualquer problema.

Cerca de uma hora depois de ter reencaminhado a mensagem, Christine foi chamada e informada de que Lizette Reynolds, vice comissária para os programas e política estadual e antiga conselheira de Bush enquanto governador do Texas, tinha visto uma cópia da mensagem e tinha-se queixado, apelidando-a de “uma ofensa que exige que se lhe ponha termo”.

Poucos dias depois, Christine foi forçada a demitir-se do seu cargo, que lhe garantia um rendimento anual de 60.000 dólares, apenas por bem desempenhar as suas funções de defender o correcto ensino da ciência aos alunos do ensino básico e secundário. Não faz a mínima ideia do modo como Lizette Reynolds teve um acesso tão rápido à mensagem, mas não deixou de se interrogar: “O que é isto, polícia do pensamento, ou quê?”.

*Quem se interessar pelos argumentos que refutam o Desígnio Inteligente, tem aqui um excelente ensaio sobre o assunto, de acesso livre.

(Imagem de Erich Schlegel para o The New York Times)

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Não é Ninguém... Somos todos Nós! É necessário ainda repetir: política é coisa da terra e feita por humanos. Não é coisa de anjos e deuses. Vale o que dizia brutalmente, Pascal: quem quiser se fazer de anjo, acaba se fazendo de besta. Políticos que somos temos limites. A ação política é inerente e imanente, não transcendente. Tem alcances inimagináveis, mexe com o poder, com o destino da polis, vale dizer dos seus habitantes. Se não nos permite fazer operações e cirurgias em um campo completamente asséptico, também não se pode fazê-la no esgoto (Geertz). Até porque de maneira radical, de um cano de esgoto não se pode beber uma gota de água pura (Antonio Callado). Vale a pena ler este artigo do filósofo brasileiro Luiz Augusto Passos, publicado aqui.

domingo, dezembro 02, 2007

Bizarrias Judiciais (IV) Em 2006, um jovem de Jiaxing, perto de Shangai, viu-se em apuros por não se ter aconselhado antes de pôr a sua alma à venda num sítio de leilões online. O anúncio foi finalmente retirado pelo leiloeiro e o vendedor foi informado de que apenas poderia ser reposto se ele fosse capaz de apresentar uma permissão escrita de uma “autoridade mais elevada” para vender a sua alma. *** Em 1874, Francis Evans Cornish, agindo como um magistrado, em Winnipeg, Canadá, teve de julgar-se a si próprio da acusação de ter aparecido bêbado em público. Declarou-se culpado e multou-se a si mesmo em 5 dólares de custas judiciais. Mas, claro, ditou para o registo: “Francis Evans Cornish, tomando em consideração o bom comportamento passado, a sua multa é perdoada”.

sábado, dezembro 01, 2007

Primeiro aniversário 365 dias é muito tempo. Quando aqui afixei a minha primeira posta, há precisamente 1 ano, não tinha a mínima ideia sobre a forma de colocar uma ligação para o que quer que fosse, muito menos para uma canção. Por isso, aqui a repito, para que Simon and Garfunkel possam ser ouvidos no espectáculo que deram no Central Park. The Sound of Silence Hello darkness, my old friend, I've come to talk with you again, Because a vision softly creeping, Left its seeds while I was sleeping, And the vision that was planted in my brain Still remains Within the sound of silence. In restless dreams I walked alone Narrow streets of cobblestone, 'neath the halo of a street lamp, I turned my collar to the cold and damp When my eyes were stabbed by the flash of a neon light That split the night And touched the sound of silence. And in the naked light I saw Ten thousand people, maybe more. People talking without speaking, People hearing without listening, People writing songs that voices never share And no one dare Disturb the sound of silence. 'fools' said I, 'you do not know Silence like a cancer grows. Hear my words that I might teach you, Take my arms that I might reach to you.' But my words like silent as raindrops fell, And echoed In the wells of silence And the people bowed and prayed To the neon god they made. And the sign flashed out its warning, And the words that it was forming. And the sign said, 'the words of the prophets Are written on the subway walls And tenement halls.' And whisper'd in the sound of silence. Paul Simon Cantam Paul Simon e Art Garfunkel