sexta-feira, março 06, 2015

Atado ao leito deste hospício em ruínas 
 Para Claudio Willer 
Apliquem-me, por Zeus,
uma Grécia na veia!
A vida anda tão feia, tão disparatada,
que só uma renovada visão helênica
me pode servir de instância
capaz de transcender tamanha ignorância.

Esbarro a cada passo como um asno,
uma anta, um suíno, e nos olhos
do menino antevejo o assassino.

A estupidez é um incêndio atado
pelos tolos, que faz arder
a secura do Ser, erguendo rolos
de basófia em meio a escombros
crepitantes, enquanto ignorantes
dão de ombros e indiferentes
riem a plenos dentes.

Vai-se o esmalte civilizatório
e já estão a queimar os móveis
do escritório; rangem as juntas,
desabam telhas, desconjuntam-se os caixilhos,
o edifício social dança nos trilhos,
vem tudo abaixo num estrondo colossal
sem que se altere o sono do boçal.

E eu, atado ao leito deste hospício
em ruínas — embora não esteja convencido
de que tenha (jamais!) enlouquecido —,
vejo descer sobre mim a noite definitiva,
que, em trajes de enfermeira,
rodeada por uma comitiva zombeteira,
acende o candelabro, no qual ficam a luzir
o escárnio, o crime, o descalabro.


(poeta carioca que hoje faz 79 anos)

Sem comentários: