How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
terça-feira, setembro 30, 2014
Canto-cântaro
De que
argila foste feito
Canto
cântaro de amor?
Em que torno
te tornaste
Dona e duna,
chão e pluma!
Com que
mármore marcaste
O perfil das
alamedas?
Céu de selva
onde caminho
Sem
possíveis salvações!
Qual o sol
por soletrar
Teus
bizarros compromissos?
Ah! cilada
tão silente,
Tecla solta
em cravo rubro!
Fiandeira
onde me fio
Dedos-dédalos
danando:
- Se sou
chuva é porque morro,
Canto-cântaro
de amor!
(poeta
paulista que hoje faz 88 anos)
segunda-feira, setembro 29, 2014
A Fome
Aqui, onde a
mão não
alcança o
interruptor da vida, aqui
só brilha a
solidão.
Desfazem-se
as lembranças contra os vidros.
Aqui, onde a
brancura
dum lenço é
a brancura do infortúnio,
aqui a
solidão
não brilha,
apenas
se estorce.
A fome fala
através das feridas
(Luís Miguel
Nava faria hoje 57 anos)
domingo, setembro 28, 2014
Vadiagem
Naquela hora
já noite
quando o
vento nos traz mistérios a desvendar
musseque em
fora fui passear as loucuras
com os
rapazes das ilhas:
Uma viola a
tocar
o Chico a
cantar
(que bem que
canta o Chico!)
e a noite
quebrada na luz das nossas vozes.
Vieram
também, vieram também
cheirando a
flor de mato
- cheiro grávido
de terra fértil -
as moças das
ilhas
sangue moço
aquecendo
a Bebiana, a
Teresa, a Carminda, a Maria.
Uma viola a
tocar
o Chico a
cantar
a vida
aquecida com o sol esquecido
a noite é
caminho
caminho,
caminho, tudo caminho serenamente negro
sangue
fervendo
cheiro bom a
flor de mato
a Maria a
dançar
(que bem que
dança remexendo as ancas!)
E eu a
querer, a querer a Maria
e ela sem se
dar
Vozes dolentes
no ar
a esconder
os punhos cerrados
alegria nas
cordas da viola
alegria nas
cordas da garganta
e os anseios
libertados
das cordas
de nos amordaçar
Lua morna a
cantar com a gente
as estrelas
se namorando sem romantismo
na praia da
Boavista
o mar
ronronante a nos incitar
Todos
cantando certezas
a Maria a
bailar se aproximando
sangue a
pulsar
sangue a
pulsar
mocidade
correndo
a vida
peito com
peito
beijos e
beijos
as vozes
cada vez mais bêbadas de liberdade
a Maria se
chegando
a Maria se
entregando
Uma viola a
tocar
e a noite
quebrada na luz do nosso amor...
(poeta
angolano nascido faz hoje 90 anos)
sábado, setembro 27, 2014
Mar
Desconhecido
Se eu
tivesse tido saúde, rapazes,
não estaria
aqui fazendo versos.
Já teria
percorrido todo o mundo.
A estas
horas, talvez os meus pés estivessem quebrando
o último
bloco de gelo
da última
ilha conhecida de um dos pólos.
Descobriria
um mundo desconhecido,
para onde
fossem os japoneses
que teimam
em vir para o Brasil...
Porque em
minha alma se concentrou
toda a ânsia
aventureira
que semeou
nos cinco oceanos deste mundo
buques de
Espanha e naus de Portugal!
Rapazes, eu
sou um marinheiro!
Por isso em
dia vindouro, nevoento,
porque há de
ser sempre de névoa esse dia supremo,
eu partirei
numa galera frágil
pelo Mar
Desconhecido.
Como em
redor dos meus antepassados
que partiram
de Sagres e de Palos,
o choro
estalará em derredor de mim.
Será agudo e
longo como um uivo,
o choro de
minha tia e minha irmã.
Meu irmão
chorará, castigando, entre as mãos, o pobre
rosto
apavorado.
E até meu
pai, esse homem triste e estranho,
que eu
jamais compreendi, estará soluçando,
numa
angústia quase igual à que lhe veio,
quando mamãe
se foi numa tarde comprida...
Mas nos meus
olhos brilhará uma chama inquieta.
Não pensem
que será a febre.
Será o Sant
Elmo que brilhou nos mastros altos
das naves
tontas que se foram à Aventura.
Saltarei na
galera apodrecida,
que me
espera no meu porto de Sagres,
no mais
áspero cais da vida.
Saltarei um
pouco feliz, um pouco contente,
porque não
ouvirei o choro de minha mãe.
O choro das
mães é lento e cansado.
E é o único
choro capaz de chumbar à terra firme
o mais
ousado mareante.
Com um golpe
rijo cortarei as amarras.
Entrarei, um
sorriso nos lábios pálidos,
pelo imenso
Mar Desconhecido.
Mas,
rapazes, não gritarei JAMAIS!
não gritarei
NUNCA! não gritarei ATÉ A OUTRA VIDA!
Porque eu
posso muito bem voltar do Mar Desconhecido,
para contar
a vocês as maravilhas de um país estranho.
Quero que
vocês, à moda antiga, me bradem BOA VIAGEM!,
e tenham a
certeza de que serei mais feliz.
Eu gritarei
ATÉ BREVE!, e me sumirei na névoa espessa,
fazendo um
gesto carinhoso de despedida.
(poeta
paulista nascido faz hoje 117 anos)
sexta-feira, setembro 26, 2014
Conto
erótico
-Assim?
-É. Assim.
-Mais
depressa?
-Não. Assim
está bem. Um pouco mais para...
-Assim?
-Não,
espere.
-Você disse
que...
-Eu sei.
Vamos recomeçar. Diga quando estiver bem.
-Estava
perfeito e você...
-Desculpe.
-Você se
descontrolou e perdeu o...
-Eu já pedi
desculpa!
-Está bem.
Vamos tentar outra vez. Agora.
-Assim?
-Um pouco
mais pra cima.
-Aqui?
-Quase. Está
quase!
-Me diga
como você quer. Oh, querido...
-Um pouco
mais para baixo.
-Sim.
-Agora para
o lado. Rápido!
-Amor, eu...
-Para cima!
Um pouquinho...
-Assim?
-Aí! Aí!
-Está bom?
-Sim. Oh,
sim.
-Pronto.
-Não!
Continue.
-Puxa, mas
você..
-Olha aí...
Agora você...
-Deixa
ver...
-Não, não.
Mais para cima.
-Aqui?
-Mais para o
lado.
-Assim?
-Para a
esquerda!! O lado esquerdo!
-Aqui?
-Isso! Agora
coça.
(Luís
Fernando Veríssimo faz hoje 78 anos)
Alquimia
O poema flui
como água
corrente,
tal um rio
calcário,
submerge e
torna a ser.
Da alquimia
do meu
coração
desagua
grande amor.
Desligo-me
das neuroses,
procuro
minha alegria
(minha marca
registrada)
e acho
meu caminho
de volta
tecendo
poemas.
Alice Spíndola
(poetisa
mineira que hoje faz 74 anos)
quinta-feira, setembro 25, 2014
quarta-feira, setembro 24, 2014
terça-feira, setembro 23, 2014
Uma Voz na
Pedra
Não sei
se respondo
ou se pergunto.
Sou uma voz
que nasceu na penumbra do vazio.
Estou um
pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a
sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito
ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha
ebriedade é a da sede e a da chama.
Com esta
pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo
não sei. Amo em total abandono.
Sinto a
minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e
ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou
perdida, estou entre o vento e o olvido.
Quero
conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a
destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém
que espera ser aberto por uma palavra.
(António
Ramos Rosa faleceu faz hoje 1 ano)
A Rainha
Nomeei-te
rainha.
Há maiores
do que tu, maiores.
Há mais
puras do que tu, mais puras.
Há mais
belas do que tu, há mais belas.
Mas tu és a
rainha.
Quando andas
pelas ruas
ninguém te
reconhece.
Ninguém vê a
tua coroa de cristal, ninguém olha
a passadeira
de ouro vermelho
que pisas
quando passas,
a passadeira
que não existe.
E quando
surges
todos os
rios se ouvem
no meu
corpo,
sinos fazem
estremecer o céu,
enche-se o
mundo com um hino.
Só tu e eu,
só tu e eu,
meu amor,
o ouvimos.
(Pablo
Neruda faleceu - ou foi assassinado - faz hoje 41 anos)
segunda-feira, setembro 22, 2014
Telegramando
e
lá estou eu
a fazer mais um espectáculo
agora com
poemas estranhos
(experimentais…
etc & tais)
e
claro.
para meia
dúzia de devotos
em vez de me
pirar deste rectângulo
mal
frequentado…
até já
tinha
pensado ir para a grécia quando vi
(com agrado)
um cão anarquista a dar
trabalho à
bófia
tinha
pensado ir para moçambique (que é
longe e podia perder a vontade de voltar)
tinha
pensado ir para cabo verde…
mas não
que porra…!?
vou-me
quedando por aqui…
dêem-me um
passaporte de cão!!!
é.
nunca me
entenderei com a humanidade
(poeta
madeirense nascido a 22 de Setembro de 1925)
domingo, setembro 21, 2014
Canção de outono
Se fui teu
filho, teu pai, teu dono,
que o outono
o diga.
Maio te
conte nos fins de sonho
- de amor
mendiga -
se fui teu
filho, teu pai, teu dono.
Quem te
sugava nos mornos seios
não era eu.
Se alguém
foi dono do que não mostras
mesmo a ti mesma,
jamais fui eu.
Eu sou
apenas o que te falta,
e em noite
alta te tira o sono
como os
outonos que te consomem.
Eu sou o teu
homem...
(poeta
paulista falecido faz hoje 32 anos)
sábado, setembro 20, 2014
sexta-feira, setembro 19, 2014
Serenos e
pulverizados continuamos
Aqui tens os
teus mitos tu
um dia
também terás notícias nossas
os nossos
olhos não desistem de furar o asfalto
e crescer
como flores proibidas
rastejando
entre espingardas e vidros
furamos as
paredes e o nevoeiro
rastejamos
como vermes
mas nunca à
maneira dos desesperados
um dia terás
notícias nossas
podes
pulverizar-nos
é quase
certo que nos pulverizes
podes
odiar-nos
é quase
certo que nos odeias
podes
destruir-nos
é
indiscutível que seremos destruídos
mas um dia
terás notícias nossas
porque
através das paredes e do mar
e do vidro e
da dinamite e do ódio
nós
continuamos
serenos e
pulverizados continuamos.
(escritora
salaciense nascida a 19 de Setembro de 1935)
quinta-feira, setembro 18, 2014
Paraíso
Perdido
Outro, não
eu, que desespero, ao cabo
de, em
pedrarias de arte e versos de ouro,
ter
dissipado todo o meu tesouro,
como os
florins e as jóias de um nababo;
outro, não
eu, que para o chão desabo,
esquecendo-te
as culpas e o desdouro,
e a teus pés
de marfim, como o rei mouro,
em torrentes
de lágrimas acabo:
outro
conspurca-te a beleza augusta,
cujo anseio
de posse ainda me custa
como um
verme faminto andar de rastros.
E mais
deploro este meu sonho falso
ao recordar
que andei no teu encalço
pelo caminho
rútilo dos astros!
(poeta
carioca falecido a 18 de Setembro de 1916)
quarta-feira, setembro 17, 2014
Sabedoria
Desde que
tudo me cansa,
Comecei eu a
viver.
Comecei a
viver sem esperança...
E venha a
morte quando
Deus quiser.
Dantes, ou
muito ou pouco,
Sempre
esperara:
Às vezes,
tanto, que o meu sonho louco
Voava das
estrelas à mais rara;
Outras, tão
pouco,
Que ninguém
mais com tal se conformara.
Hoje, é que
nada espero.
Para quê,
esperar?
Sei que já
nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é
só enquanto apenas quero;
Só de longe,
e secreto, é que inda posso amar...
E venha a
morte quando Deus quiser.
Mas, com
isto, que têm as estrelas?
Continuam
brilhando, altas e belas.
(José Régio
nasceu faz hoje 113 anos)
terça-feira, setembro 16, 2014
As Usinas
Desce o rio, lento, pesadão, molengo.
Mas, de repente,
se despenha no desespero do despenhadeiro.
É a cachoeira, a acachoar, zoando e retumbando no seio
virgem da floresta virgem.
E, além, são as águas, que se refreiam,
que
se represam,
e é a luta esplêndida de mil cavalos imaginários
nos canos grossos,
nos tubos longos,
pelas turbinas adentro, - em turbilhão.
E, então, lá no alto, à luz do dia, apoteóticamente,
as fábricas gemem,
os teares cantam,
as serras guincham,
- e, à noite, como que num milagre, é a cidadela
toda esplendente de alampadários.
Henrique de Resende
(poeta mineiro falecido a 16 de Setembro de 1973)
segunda-feira, setembro 15, 2014
Lembro-me de
ti...
Lembro-me de
ti
Nesse
instante absoluto,
A vida
conduzida por um fio de música.
Intenso e
delicado, ele vai-nos fechando num casulo
Onde tudo
será permitido.
Se é só isso
que podemos ter,
Que seja
forte. Que seja único.
Tão íntimo
quanto ouvirmos a mesma melodia,
Tendo o
mesmo - esplêndido - pensamento.
(poetisa
gaúcha que hoje faz 76 anos)
domingo, setembro 14, 2014
Lua
congelada
Com esta
solidão
ingrata
tranquila
com esta
solidão
de sangrados
achaques
de distantes
uivos
de
monstruoso silêncio
de
lembranças em alerta
de lua
congelada
de noite
para outros
de olhos bem
abertos
com esta
solidão
desnecessária
vazia
se pode
algumas vezes
entender
o amor.
(poeta
uruguaio nascido faz hoje 94 anos)
sábado, setembro 13, 2014
COMO DIZER O
SILÊNCIO?
Se em
folhagem de poema
me catais
anacolutos
é vossa a
fraude. A gema
não desce a
sons prostitutos.
O saltério,
diletante,
fere a Musa
com um jasmim?
Só daí para
diante
da busca
estará o fim.
Aberta a
porta selada,
sou pensada
já não penso.
Se a Musa
fica calada
como dizer o
silêncio?
Atirar
pérola a porco?
Não me
queimo na parábola.
Em mãos que
brincam com o fogo
é que eu não
ponho a espada.
Dos confins,
o peristilo
calo com
pontas de fogo,
e desse
casto sigilo
versos são
só desafogo.
E também
para que me lembrem
deixo-os no
mercado negro,
que neles
glórias se vendem
e eu não sou
só desapego.
Raiz de Deus
entre os dentes,
aí, pára a
transmissão.
Ultrassons
dessas nascentes
só aves
entenderão.
(Natália
Correia nasceu faz hoje 91 anos)
sexta-feira, setembro 12, 2014
Frágil
Mar azul
opala
Calmo sem
ondas
Dourado pelo
sol
Que se põe
alhures...
Encontro da
terra, da água e do céu,
Infinito de
nós.
Na areia
turbilhões de
Asas brancas
confundem-se
Com a espuma
do mar.
No ruflar
das asas brancas
- em louco
bálé -,
Morrer...
plantas esmagadas
Pelo vai e
vem das ondas...
Solitária na
imensidão,
Como um
borrão na paisagem
Caminhava,
só...
Imensamente
só!
Frágil como
um cristal!
(poetisa
sul-mato-grossense que hoje faz 64 anos)
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