Panfleto
Fere-me esta
idolatria mais do que todos os crimes: 
Tanto fervor
desviado e perdido! 
Tanta gente
ajoelhando à passagem do tempo 
e tão poucos
lutando para lhe abrir caminho! 
Há uma vida
inteira a jogar e gastar 
no pano
verde imenso das campinas do mundo. 
Há desertos
cativos de uma ausência dos povos. 
Há uma
guerra devastando a vida, 
enquanto a
supuserem redimida! 
E em nós a
redenção quase perdida!... 
Vamos
rasgar, ó poetas, esta mentira da alma, 
vamos gritar
aos homens que os enganam, 
que não é a
força, que não é a glória, 
que não é o
sol nem a lua nem as estrelas, 
nem os lares
nem os filhos, nem os mares floridos, 
nem o prazer
nem a dor nem a amizade, 
nem o
indivíduo só compreendendo as causas, 
nem os
livros nem os poemas, nem as audácias heróicas, 
- a redenção
sou eu, se formos nós sem forma, 
sem
liberdade ou corpo, sem programas ou escolas! 
Aqui está a
redenção. Tomai-a toda. 
E se é
verdade a fome, 
se é verdade
o abismo, 
se é verdade
o pensamento úmido 
que
pestaneja ansioso nos cortejos públicos, 
se são
verdade as redenções que mentem: 
Matem essa
gente para salvar a Vida! 
E matem-me
com elas para que as queime ainda!
(Jorge de
Sena nasceu faz hoje 93 anos)
 
 
1 comentário:
muito actual infelizmente, até arrepia.
beijinho e uma flor
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