segunda-feira, fevereiro 28, 2011


Poente

As minhas sensações - barcos sem velas -
Erram de mim. Ocaso roxo. Cismo.
Meus olhos de Não-ver-me são janelas
         Dando sobre o abismo.

Abismo d'Outro Ser. E a Hora chora
Nostálgica de Si, mas eu de vê-las
Erro de Ser-me, e a noite sem estrelas
         Apavora.

Delírio roxo d'agonia. Prece.
Poente feito noite. Escuridão.
Perturbo-me de mim em sensação
      E dentro em mim desfalece
         E anoitece
A sombra do meu Ser na solidão
         Do dia que morreu
         E se perdeu
      E jamais amanhece.


(Armando César Côrtes-Rodrigues nasceu a 28 de Fevereiro de 1891)

(poema publicado no primeiro número da Revista Orpheu, de Janeiro/Fevereiro/Março de 1915)

domingo, fevereiro 27, 2011


As velas da memória

Há nos silvos que as manhãs me trazem
chaminés que se desmoronam:
são a infância e a praia os sonhos de partida

Abrir esse portão junto ao vento que a vida
aquém ou além desta me abre?
Em que  outro mundo ouvi o rouxinol
tão leve que o voo lhe aumentava as asas?
Onde adiava ele a morte contra os dias
essa primeira morte?
Vinham núpcias sem conto na inconcebível voz
Que plenitude aquela: cantar
como quem não tivesse nenhum pensamento.

Quem me deixou de novo aqui sentado à sombra
deste mês de junho? Como te chamas tu
que me enfunas as velas da memória ventilando: «aquela vez...»?

Quando aonde foi em que país?
Que vento faz quebrar nas costas destes dias
as ondas de uma antiga música que ouvida
obriga a recuar a noite prometida
em círculos quebrados para além das dunas
fazendo regressar rebanhos de alegrias
abrindo em plena tarde um espaço ao amor?
Que morte vem matar a lábil curva da dor?
Que dor me faz doer de não ter mais que morrer?

E ouve-se o silêncio descer pelas vertentes da tarde
chegar à boca da noite e responder


(Ruy Belo nasceu a 27 de Fevereiro de 1933)

sábado, fevereiro 26, 2011


PARÁBOLA

O frio da noite
é um impulso invisível
ao oculto
desconhecido -
as aves migrantes há muito
partiram
em direcção
a outro lado
deixam as cidades
poluídas
por cemitérios de sucata
e baldios onde
crianças sem-nome
dormitam
no silêncio das estrelas
as mãos pequenas
inflamadas
mal aquecem em volta
das fogueiras de rua
cada lágrima é um verso
traçado a fogo
como sinal genético
predefinido
a barreira das dunas
sua última fronteira

assim
a cor do fumo
deste imenso nevoeiro
fala ao nosso tempo
deixando
ante os vírus mortais
um recado de inverno
intimidado
neste vagar

só de manhã
o sol aparece... a enxugar as lágrimas

sexta-feira, fevereiro 25, 2011


Poemas da Amiga - VII

Gosto de estar a teu lado,
Sem brilho.
Tua presença é uma carne de peixe,
De resistência mansa e de um branco
Ecoando azuis profundos.

Eu tenho liberdade em ti.
Anoiteço feito um bairro,
Sem brilho algum.

Estamos no interior duma asa
Que fechou.


(poeta paulista falecido a 25 de Fevereiro de 1945)

quinta-feira, fevereiro 24, 2011


Crepúsculo

É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
quando a noite se destaca
da cortina;
quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
quando a força de vontade
ressuscita;
quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
É quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida.


(David-Mourão Ferreira nasceu a 24 de Fevereiro de 1927)

quarta-feira, fevereiro 23, 2011


A rainha



Quem diz que é pela rainha
Não precisa de mais nada
Embora roube à vontade
Ninguém lhe chama ladrão
Todos lhe apertam a mão
É homem de sociedade

Acima da pobre gente
Subiu quem tem bons padrinhos
De colarinhos gomados
Perfumando os ministérios
É dono dos homens sérios
Ninguém lhe vai aos costados


(Zeca Afonso faleceu a 23 de Fevereiro de 1987)

Outras lutas


















Senadores e Representantes estaduais democratas do Wisconsin e Indiana esconderam-se no Illinois para impedirem a votação de tais leis por falta de quórum (parece que para isso têm de estar escondidos e fora dos Estados respectivos).

Por temerem que o contágio se estenda a Portugal ou por ainda não terem recebido as respectivas ordens da Sra. Clinton e da CIA, os órgãos de comunicação social ditos de referência silenciam – nem uma imagem fugaz, nem uma simples linha.

terça-feira, fevereiro 22, 2011


Resistir

Dobrar na boca o frio da espora
Calcar o passo sobre lume
Abrir o pão a golpes de machado
Soltar pelo flanco os cavalos do espanto
Fazer do corpo um barco e navegar a pedra
Regressar devagar ao corpo morno
Beber um outro vinho pisado por um astro

Possuir o fogo ruivo sob a própria casa
numa chama de flechas ao redor.


(Joaquim Pessoa nasceu a 22 de Fevereiro de 1948)

segunda-feira, fevereiro 21, 2011


Cromoterapia

Do vermelho, a mensagem: pare!
Puro paradoxo!
Me excita a boca sensual,
e sigo.

Do branco, as vestes da paz.
Pura coerência!
Mistura de todas as cores,
um dia...

Do rosa, fez-se a Rosa.
Pura beleza!
Da cor, a flor. Minha irmã,
que adoro.

Do preto, diz-se ausência.
Puro preconceito!
Na noite se vive a vida,
marco presença.

Do verde, a essência: natureza.
Pura ecologia!
Matéria prima da preservação: o homem,
maduro.

Do amarelo, pinta-se o pálido.
Puro despeito!
Oriente, tua cabeça é guia,
e força.

Do azul, o céu, a glória.
Puro pleonasmo!
Teu nome reflete as estrelas,
Cruzeiro.

João Márcio Furtado Costa

(poeta brasileiro)

domingo, fevereiro 20, 2011


O cão atómico

Este cão tem folhas nas orelhas,
com quatro talos
mas o que este cão deveria ter era calos,
e só tem olhos e ossos
e morrinha num dente!
Mas, meu Deus, este cão
quase o diria meu irmão
parece gente!

Este cão é redondo. Está deitado,
rosna com gengivas de uivo.
Dizem-me que foi lobo,
mas perdeu a alcateia
como os homens perderam a razão,
que hoje serve de osso ao cão
escapou ao cogumelo nuclear,
e por isso se foi deitar.


(Vitorino Nemésio faleceu a 20 de Fevereiro de 1978)

sábado, fevereiro 19, 2011


Gota de água

Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
as lágrimas são minhas
mas o choro não é meu.


(Rómulo Vasco da Gama de Carvalho faleceu a 19 de Fevereiro de 1997)

sexta-feira, fevereiro 18, 2011


Primeira Lição

Na escola primária
Ivo viu a uva
e aprendeu a ler.

Ao ficar rapaz
Ivo viu a Eva
e aprendeu a amar.

E sendo homem feito
Ivo viu o mundo
seus comes e bebes.

Um dia num muro
Ivo soletrou
a lição da plebe.

E aprendeu a ver.
Ivo viu a ave?
Ivo viu o ovo?

Na nova cartilha
Ivo viu a greve
Ivo viu o povo.


(escritor alagoano nascido a 18 de Fevereiro de 1924)

Porque o Povo Diz Verdades

Porque o povo diz verdades,
Tremem de medo os tiranos,
Pressentindo a derrocada
Da grande prisão sem grades
Onde há já milhares de anos
A razão vive enjaulada.

Vem perto o fim do capricho
Dessa nobreza postiça,
Irmã gémea da preguiça,
Mais asquerosa que o lixo.

Já o escravo se convence
A lutar por sua prol
Já sabe que lhe pertence
No mundo um lugar ao sol.

Do céu não se quer lembrar,
Já não se deixa roubar,
Por medo ao tal satanás,
Já não adora bonecos
Que, se os fazem em canecos,
Nem dão estrume capaz.

Mostra-lhe o saber moderno
Que levou a vida inteira
Preso àquela ratoeira
Que há entre o céu e o inferno.

António Aleixo, in Este Livro que Vos Deixo

(António Aleixo nasceu a 18 de Fevereiro e 1899)

quinta-feira, fevereiro 17, 2011


Viver como os pássaros

Não cuides desta vida, unicamente.

Que importa o que amanhã ireis vestir?

A vida é um bem apenas aparente
E o corpo humano um simples manto triste,
Que se desfaz em poeira lentamente...


(poeta brasileiro nascido a 17 de Fevereiro de 1898)

quarta-feira, fevereiro 16, 2011


As Muralhas da Noite

A mão ia para as costas da madrugada.
As mulheres estendiam as janelas da alegria
nos ouvidos onde não se apagavam as alegrias.

Entre os dentes do mar acendiam-se braços.

Os dias namoravam sob a barca do espelho.
Havia uma chuva de barcos enquanto o dia tossia.
E da chuva de barcos chegavam colchões,
camas, cadeiras, manadas de estradas perdidas
onde cantavam soldados de capacetes
por pintar no coração da meia-noite.

Eram os barcos que guardavam as muralhas
da noite que a mão ouvia nas costas
da madrugada entre os dentes do mar.

João Maimona

(poeta angolano)

terça-feira, fevereiro 15, 2011


Meio-dia

Choque de claridades
Palmas paradas
Brilhos saltando nas pedras enxutas.
Batendo de chofre na luz
as andorinhas levam o sol na ponta das asas!


(poeta carioca falecido a 15 de Fevereiro de 1935)

segunda-feira, fevereiro 14, 2011





Poema de Casimiro de Brito e foto de Luísa Ferreira.

Do Poema

O problema não é
meter o mundo no poema; alimentá-lo
de luz, planetas, vegetação. Nem
tão-pouco
enriquecê-lo, ornamentá-lo
com palavras delicadas, abertas
ao amor e à morte, ao sol, ao vício,
aos corpos nus dos amantes -

o problema é torná-lo habitável, indispensável
a quem seja mais pobre, a quem esteja
mais só
do que as palavras
acompanhadas
no poema.


Casimiro de Brito nasceu em Loulé a 14 de Fevereiro e 1938

domingo, fevereiro 13, 2011


Tema de fogo e mar

Só o fogo e o mar podem olhar-se
sem fim. Nem sequer o céu com a s suas nuvens.
Só o teu rosto, só o mar e o fogo.
As chamas, e as ondas, e os teus olhos.

Serás de fogo e mar, olhos escuros.
De onda e chama serás, negros cabelos.
Conhecerás o desenlace da fogueira.
E saberás o segredo da espuma.

Coroada de azul como a onda.
Aguda e sideral como a chama.
Só o teu rosto interminavelmente.
Como o fogo e o mar. Como a morte.


Poeta colombiano falecido a 13 de Fevereiro de 1985

(Tradução José Agostinho Batista)

sábado, fevereiro 12, 2011


Itinerários

Especializei-me
em rotas de colisão.
Depois aprendi
a dar a volta por cima.

João Luiz Pacheco Mendes

(poeta brasileiro)

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

As excepções do império



PALAVRAS

Golpes
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.

A seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
Sobre a rocha

Que cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro

Essas palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.


(poetisa estado-unidense falecida a 11 de Fevereiro de 1963)

(tradução de Ana Cristina César)

quinta-feira, fevereiro 10, 2011


Sobre A Violência

A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas ao leito de rio que a contém
Ninguém chama de violento.

A tempestade que faz dobrar as bétulas
É tida como violenta
E a tempestade que faz dobrar
Os dorsos dos operários na rua?


(Bertolt Brecht nasceu a 10 de Fevereiro de 1898)
Um despertar violento


Esta tese de Soraya Sepahpour-Ulrich, muito bem fundamentada no artigo de que faz parte o parágrafo acima, não deixa de ganhar credibilidade face a um facto que a chamada imprensa de referência tem ignorado ostensivamente: que o enviado especial dos Estados Unidos ao Egipto, o Sr. Frank Wisner que esta semana tanto escandalizou alguns seguidores do império, faz parte de uma firma de advocacia Em Nova Iorque e Washington que trabalha para o governo do ditador egípcio.

quarta-feira, fevereiro 09, 2011


Outrossim

Para que não se vá a vida ainda
e a amada volte

                                pede à palavra
                                outra palavra
                                outra

                                          sob palavra


(poeta paraense falecido a 9 de Fevereiro de 2009)

Tamanho único


Até do outro lado do oceano se pensa que a política do sapato de tamanho único para qualquer pé não faz sentido, mas os nossos políticos vergonhosos acham que a proposta foi histórica.

terça-feira, fevereiro 08, 2011


Homens do futuro 

Homens do futuro:  

ouvi, ouvi este poeta ignorado
que cá de longe fechado numa gaveta
no suor do século vinte
rodeado de chamas e de trovões,
vai atirar para o mundo
versos duros e sonâmbulos como eu.
Versos afiados como dentes duma serra em mãos de injúria.
Versos agrestes como azorragues de nojo.
Versos rudes como machados de decepar.
Versos de lâmina contra a Paisagem do mundo
- essa prostituta que parece andar às ordens dos ricos
para adormecer os poetas.  

Fora, fora do planeta,
tu, mulher lânguida
de braços verdes
e cantos de pássaros no coração!

Fora, fora as árvores inúteis
- ninfas paradas
para o cio dos faunos
escondidos no vento...  

Fora, fora o céu
com nuvens onde não há chuva
mas cores para quadros de exposição!  

Fora, fora os poentes
com sangue sem cadáveres
a iludir-nos de campos de batalha suspensos!  

Fora, fora as rosas vermelhas,
flâmulas de revolta para enterros na primavera
dos revolucionários mortos na cama!   

Fora, fora as fontes
com água envenenada da solidão
para adormecer o desespero dos homens!


Fora, fora as heras nos muros
a vestirem de luz verde as sombras dos nossos mortos sempre
de pé!  

Fora, fora os rios
a esquecerem-nos as lágrimas dos pobres!  

Fora, fora as papoilas,
tão contentes de parecerem o rosto de sangue heróico dum
fantasma ferido!  

Fora, fora tudo o que amoleça de afrodites
a teima das nossas garras
curvas de futuro!  

Fora!  Fora!  Fora!  Fora!

Deixem-nos o planeta descarnado e áspero
para vermos bem os esqueletos de tudo, até das nuvens.
Deixem-nos um planeta sem vales rumorosos de ecos húmidos
nem mulheres de flores nas planícies estendidas.
Um planeta feito de lágrimas e montes de sucata
com morcegos a trazerem nas asas a penumbra das tocas.
E estrelas que rompem do ferro fundente dos fornos!
E cavalos negros nas nuvens de fumo das fábricas!
E flores de punhos cerrados das multidões em alma!
E barracões, e vielas, e vícios, e escravos
a suarem um simulacro de vida
entre bolor, fome, mãos de súplica e cadáveres,
montes de cadáveres, milhões de cadáveres, silêncios de cadáveres
e pedras!  

Deixem-nos um planeta sem árvores de estrelas
a nós os poetas que estrangulamos os pássaros
para ouvirmos mais alto o silêncio dos homens
- terríveis, à espera, na sombra do chão
sujo da nossa morte.


(José Gomes Ferreira faleceu a 8 de Fevereiro de 1985)

segunda-feira, fevereiro 07, 2011


Nas ruas de Lisboa

Veio avisar
Veio com rosto
de sombra:
morrerá um poeta
nas ruas de Lisboa.

Chove muito,
a chuva lavará
o seu cadáver.

Alguém dirá
o seu nome
alguém lhe fechará
os olhos
que ele desejava
abertos
sobre o mar


(Yvette Kace Centeno nasceu em Lisboa a 7 de Fevereiro de 1940)

domingo, fevereiro 06, 2011


Aforismo

Havia uma formiga
compartilhando comigo o isolamento
e comendo juntos.
Estávamos iguais
com duas diferenças:
Não era interrogada
e por descuido podiam pisa-la.
Mas aos dois intencionalmente
podiam por-nos de rastos
mas não podiam
ajoelhar-nos.


(José João Craveirinha faleceu a 6 de Fevereiro de 2003)

sábado, fevereiro 05, 2011


semi-ótica

esteiras de linho
tenho cruzado adagas
e cegado meus caminhos

o vento toca seu alaúde
estão trancados nossos sonhos
bem guardados no escuro

vermelhidão de mar
mortovivo, plasma de segredos
e os medos nossos

não sei bem se posso seguir
estes desígnios ou
minguar à fome

destes signos.

João Gulart de Souza Gomes

(poeta baiano)

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

Poemas aos Homens do nosso Tempo - VIII

Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua

Aquietá-los.

Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.

Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.

Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.


(poetisa paulista falecida a 4 de Fevereiro de 2004)

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

De pequenino...

















...se ajuda a mãe a limpar a neve, em Cohassett, Massachusetts.

Imagem: Stephan Savoia/AP


ANATOMIA

Um poema é uma guerra: nele e nela
se desintegram a palavra e a vida
e o que resta é perda que ressuscita:

ler um poema de certo modo o mata,
pois morre o que não se pensou ao ler,
embora a leitura aos poucos esclareça

o que se pensou jamais se fosse ler.
Poema é duelo plural e infinitivo:
é, acrobática, sobre o papel a escrita

ao mesmo tempo enigma, estigma, ígnea.
Ler o poema, mas não resolvê-lo:
isso acontece há muito tempo,

e somos nós que estamos lá dentro.
O poema nos faz e desfaz, a guerra também,
e é com palavra e arma que sabemos

o quanto nos resta de sonho e de renascimento.


(Luis Felipe Silvério Fortuna nasceu no Rio de Janeiro a 3 de Fevereiro de 1963)

quarta-feira, fevereiro 02, 2011


As pequenas palavras

De todas as palavras escolhi água,
porque lágrima, chuva, porque mar
porque saliva, bátega, nascente
porque rio, porque sede, porque fonte.
De todas as palavras escolhi dar.

De todas as palavras escolhi flor
porque terra, papoila, cor, semente
porque rosa, recado, porque pele
porque pétala, pólen, porque vento.
De todas as palavras escolhi mel.

De todas as palavras escolhi voz
porque cantiga, riso, porque amor
porque partilha, boca, porque nós
porque segredo, água, mel e flor.

E porque poesia e porque adeus
de todas as palavras escolhi dor.


(Rosa Lobato de Faria faleceu a 2 de Fevereiro de 2010)

A Tirania do Medo

O nosso mundo vive demasiado sob a tirania do medo e insistir em mostrar-lhe os perigos que o ameaçam só pode conduzi-lo à apatia da desesperança. O contrário é que é preciso: criar motivos racionais de esperança, razões positivas de viver. Precisamos mais de sentimentos afirmativos do que de negativos. Se os afirmativos tomarem toda a amplitude que justifique um exame estritamente objectivo da nossa situação, os negativos desagregar-se-ão, perdendo a sua razão de ser. Mas se insistirmos em demasia nos negativos, nunca sairemos do desespero.

Bertrand Russell, in A Última Oportunidade do Homem

(Bertrand Russell faleceu a 2 de Fevereiro de 1970)

terça-feira, fevereiro 01, 2011


ACONSELHO-VOS O AMOR

Aconselho-vos o amor:
o equilíbrio dos contrários.
Aconselho-vos o amor cheio de força;
os moinhos girando ao vento desbridado.
Aconselho-vos a liberdade
do amor (que logo passa
- vão dizer-vos que não -
para os gestos diários).

ACONSELHO-VOS A LUTA.


(Fernando Assis Pacheco nasceu a 1 de Fevereiro de 1937)

Os biocombustíveis e a…fome



Pedro Santos Guerreiro in Jornal de Negócios

Soneto do exílio

Mais além, leve e alada, a imaginária
arquitetura irreal, sombra a crescer
sobre a terra dos mortos, solitária.
Na falsa noite não deixou de ser

ouvida a melodia perdulária.
Se acaso o húmus da vida fez nascer
luz esquiva na angústia milenária,
é chegado o momento de esquecer

as obscuras heranças desvividas
por desamor e amor: frágil reinado
em manhãs de magia, pressentidas

além de tempo e espaço. (E, roto o manto,
na torre enoitecida um exilado
rei de si mesmo. Que lhe resta? O canto.)


(poeta pernambucano nascido há 100 anos)