quinta-feira, junho 25, 2009

O acidental paladino ocidental De regresso ao nosso rectângulo após 12 dias de uma espécie de “paz celestial”, durante a qual não houve jornais, rádio, internet ou televisão (no barco havia várias televisões mas nunca encontrei nenhuma ligada e, mesmo que o estivesse, era provável que não houvesse novidades em língua compreensível para mim), vi-me avassalado por uma catadupa de notícias, provindas de meios nacionais e estrangeiros, sobre um pretensa “revolução” verde surgida no Irão após as eleições do dia 12 de Junho. Como tenho sempre grandes dúvidas sobre as “revoluções” que o ocidente promove e apoia (Geórgia, Ucrânia, Kosovo) e poucas sobre aquelas que combate (Bolívia, Equador, Nicarágua, Venezuela), fui procurar informação sobre o currículo do tal paladino da democracia que o Ocidente queria à força que vencesse as eleições contra a vontade da esmagadora maioria do povo iraniano (votaram 40 milhões de almas, representando 85% dos que têm capacidade eleitoral, e 25 milhões escolherem o “diabo” contra 13,5 milhões que preferiram o “anjo” protegido do império). O que apurei não me surpreendeu. Mir-Hossein Moussavi foi um protegido de Khomeini, o líder espiritual da dita revolução de 1979, exerceu o cargo de primeiro ministro do Irão entre de 1981 e 1989, durante a guerra com o Iraque, e deixou feitos de se lhe tirar o chapéu. Durante o seu mandato, todos os partidos e organizações políticas, sindicatos, organizações feministas, estudantis e outras foram perseguidos e os seus membros - incluindo milhares de jovens estudantes de universidades e institutos - foram detidos, torturados e assassinados, na maior matança (estimam-se mais de 30.000 mortos, em poucos meses do ano de 1988) da história contemporânea do Irão. Entre as vítimas do massacre, contaram-se mais de 50 membros do comité central do partido comunista - Tudeh - dos quais 4 tinham passado 25 anos nas masmorras do Xá. Poetas, escritores, professores universitários, médicos, dezenas de militares, os principais representantes das minorias religiosas no parlamento (todos de esquerda), foram executados depois de sofrerem horríveis torturas físicas e psicológicas (como, por exemplo, serem obrigados a dar o tiro de misericórdia nos seus companheiros). As reivindicações das minorias étnicas que, no seu conjunto, constituíam à volta de 60% da população do país, pela autonomia administrativa, foram duramente esmagadas e centenas de curdos e turcomanos foram enforcados nas praças. A magnitude da repressão política, religiosa, étnica e de género foi tal que mais de 4 milhões de pessoas tomaram o caminho do exílio, no maior êxodo iraniano da história. Em 2008, no 20º aniversário da matança, a Amnistia Internacional publicou um relatório onde pediu que os responsáveis pela “matança das prisões” (assim chamada porque grande parte das vítimas já estava presa quando foi assassinada) prestassem contas à justiça. Os iranianos não esqueceram este passado sangrento e, durante a campanha eleitoral, os estudantes de várias universidades exigiram a Moussavi explicações sobre o papel por ele desempenhado. Mas não se ficam por aqui as “boas” acções do tal defensor da democracia apadrinhado pelo ocidente. Durante a guerra com o Iraque mandou recrutar grupos de crianças para marcharem através dos campos de batalha a fim de eliminarem as minas terrestres; reintroduziu a pena de morte e os castigos corporais em público para quem não respeitasse a sharia; o consumo de álcool, o sexo fora do casamento e a homossexualidade passaram a ser crimes; o islamismo passou a ser a religião do estado, tendo sido proibidas todas as outras; marxistas, laicos, judeus e católicos foram fuzilados; as mulheres foram proibidas de se maquilharem ou de usarem mini-saias; ouvir música rock ou qualquer outro produto da “decadência” ocidental passou a ser motivo de encarceramento. Este é o democrata que perdeu por 11,5 milhões de votos para Ahmadinejad e que os políticos e a imprensa ocidental de referência apoiam como paladino de uma “revolução de veludo”. É verdade que Ahmadinejad não é flor que se cheire. Mas, comparado com o seu opositor, mais parece um menino de coro merecedor das mil virgens que lhe estarão destinadas quando for ter com Alá. A hipocrisia não tem mesmo limites.

2 comentários:

jrd disse...

Excelente e imperdível!
A explicação das "pedradas" e de tudo o resto.
Abraço

Martita disse...

Parece que o Ocidente apoia sempre o lado errado da história. Isto quando não tenta ele mesmo reescreve-la...