How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
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segunda-feira, dezembro 31, 2007
Viva a vida!
Há 71 anos morria, em prisão domiciliária, Miguel de Unamuno y Jugo, figura cimeira da cultura espanhola do século XX.
Quase três meses antes, tinha desafiado publicamente o general José Millán-Astray, o falangista celebrizado pelo seu grito demente '¡viva la muerte!'.
A todos os meus amigos e amigas, com desejos de um 2008 cheio de tudo de bom, dedico este poema do Miguel, pela voz de José Manuel Castañón:
Denso, Denso
Mira, amigo: cuando libres
al mundo tu pensamiento,
cuida que sea, ante todo,
denso, denso.
Y cuando sueltes la espita
que cierra tu sentimiento,
que en tus cantos éste mane
denso, denso.
Y el vaso en que vino escancies
de tu sentir los anhelos,
de tu pensar los cuidados,
denso, denso.
Mira que es largo el camino
y corto, muy corto, el tiempo:
parar en cada posada
no podemos.
Dinos en pocas palabras,
y sin dejar el sendero,
lo más que decir se pueda,
denso, denso.
Con hebra recia de ritmo,
hebrosos queden tus versos,
sin grasa, con carne prieta,
densos, densos.
Miguel de Unamuno
domingo, dezembro 30, 2007
A Venezuela vista do Reino Unido
Derrota de Chávez no plebiscito traz lições aos bolivarianos.
A derrota por pouca margem de Hugo Chávez no referendo foi resultado de uma grande abstenção dos seus partidários. 44% dos eleitores ficou em casa. Por quê? Primeiro, porque não entenderam ou não aceitaram a necessidade do referendo. As medidas relacionadas com a semana laboral e outras reformas sociais poderiam, facilmente, ser objeto de legislação parlamentar. As questões-chave eram remover as restrições à repetição do mandato do chefe de governo (como na maior parte da Europa) e os passos rumo a um "Estado Socialista". Com respeito a esse último, simplesmente faltou debate e discussão entre o povo simples.
Tariq Ali
Para ler aqui
sábado, dezembro 29, 2007
Disputas laborais insólitas (V)
Tony Price, director geral da WStore UK, uma empresa de Tecnologias da Informação sedeada no Surrey, exigiu que os seus 80 empregados se submetessem a um teste de ADN, após um bocado de pastilha elástica ter ficado pegado às calças de um director. Quando a sua mensagem de correio electrónico para toda a gente assinalando o banimento da pastilha elástica na empresa transpirou para os média, Price insinuou descaradamente que forçaria os empregados a sujeitarem-se a testes num detector de mentiras para encontrar o culpado.
sexta-feira, dezembro 28, 2007
O poema
a Mário Quintana
a Manuel Bandeira
a Fernando Pessoa
Quem és tu?
- Eu?, sou a ânsia de saber quem sou;
o esgar de minha boca
não é meu.
Herdei não sei bem de quem.
- Eu?, vim com a chuva de Stroncio,
sou a Rosa de Hiroshima,
vermelha e fatal.
Quem és tu, afinal?
- Eu?, não tenho face,
uso essa estranha máscara,
mais verdadeira e real
do que minha própria face,
se a tivesse...
Alceu Brito Correa*
*poeta brasileiro
quinta-feira, dezembro 27, 2007
A Venezuela vista do Brasil
As razões de uma derrota e o futuro da Revolução Bolivariana
A elevada abstenção no referendo atingiu sobretudo setores sociais simpáticos a Chávez. Mas, em relação à eleição presidencial de 2006, o aumento dos votos da oposição foi pequeno. Algo ocorreu, portanto, na própria base do presidente.
Marco Aurélio Weissheimer
Artigo a não perder, aqui
quarta-feira, dezembro 26, 2007
Sabia que...(VII)
No Kentucky, Estados Unidos, é ilegal transportar uma arma escondida com mais de 6 pés de comprimento (1,8288 m)?
Em Miami, Florida, é ilegal andar de mono patim numa esquadra da polícia?
No Lancashire, Reino Unido, não é permito a alguém, depois de mandado parar por um polícia, incitar um cão a ladrar?
Na Inglaterra, os Homens Livres podem levar um rebanho de ovelhas a atravessar a London Bridge sem terem de pagar portagem; e que também estão autorizados a passear gansos em Cheapside?
Na Inglaterra, todos os homens com mais de 14 anos têm de cumprir com duas horas de prática de tiro com arco por dia?
terça-feira, dezembro 25, 2007
NATAL À BEIRA-RIO
É o braço do abeto a bater na vidraça,
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?
David Mourão-Ferreira, "Obra Poética". 1948-1988
segunda-feira, dezembro 24, 2007
FALAVAM-ME DE AMOR
Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.
Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.
O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.
Natália Correia, in "O Dilúvio e a Pomba", 1979
domingo, dezembro 23, 2007
A Venezuela vista dos Estados Unidos
Os vigilantes da democracia
O governo e a principal mídia nos Estados Unidos tomaram partido ou pelo menos se declararam árbitros no processo interno venezuelano, ao participar, opinar e criticar o referendo sobre a reforma constitucional. Em Novembro apareceram pelo menos 15 editoriais nos periódicos mais importantes, sem contar os que foram publicados no dia do plebiscito, uma série de artigos de opinião e de comentários na mídia norte-americana. O governo de George Bush não escondeu sua participação no debate venezuelano. Especialistas reconhecidos em matéria de transparência, direitos humanos e outros elementos-chave nos processos democráticos, como o ex-secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, puseram à disposição a sua sabedoria.
O aparente consenso editorial e político aqui [nos EUA] foi o de que o referendo representou não só uma tentativa do presidente Hugo Chávez de concentrar o poder, mas também de enfraquecer e até de abolir a democracia na Venezuela.
David Brooks
Para ler aqui
sábado, dezembro 22, 2007
A Venezuela vista do México
Nada de novo na Venezuela
Não deixa de ser curiosa essa aliança tácita de forças aparentemente distintas umas das outras (e até opostas) contra Chávez. No México, vimos esse fenômenos na eleição de 2006, incluindo os ultraesquerdistas e os defensores do voto nulo.
Octávio Rodriguez Araujo, para o La Jornada, do México
Artigo completo, aqui
sexta-feira, dezembro 21, 2007
O Natal da discórdia
Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, diz o velho ditado. E eu tenho procurado não me precipitar e não escrever coisas que me forcem a dar o dito por não dito por escrever a quente e sem me documentar devidamente. Por enquanto, tenho conseguido. Vem isto a propósito de uma grossa polémica que está a ocorrer no Brasil.
O projecto da adutora do Rio São Francisco, no nordeste brasileiro, que se destina a transvazar uma pequena parte daquele rio para zonas onde a água é escassa, é um projecto estruturante do governo de Lula da Silva.
Dom Luís Cappio é um bispo brasileiro titular de uma diocese que já foi grande mas está agora em decadência, que se encontra há duas semanas em greve de fome (já é a segunda vez) contra o projecto, provavelmente até à morte por inanição – até onde disse que estava disposto a ir - considerando que é pouco provável que o governo recue.
Muitas vozes se levantaram em seu apoio, desde o Movimento dos Sem Terra, passando por dois Teólogos da Libertação que muito respeito e de quem divulgo aqui textos com alguma frequência – Leonardo Boff e Frei Betto, até às mais variadas ONG’s que se dizem defensoras do ambiente.
As muitas tomadas de posição que li deixaram-me sempre a impressão de que a bota não batia com a perdigota, porque sempre me soou algo estranha uma confluência de ataques a um governo provindos de pessoas que defendem interesses antagónicos.
Li um primeiro artigo de Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, intitulado O bispo de Barra quer morrer, extremamente crítico da atitude do bispo e pensei cá para comigo: aqui há gato. As violentas críticas de que foi alvo na caixa de comentários do jornal digital em que escreve levaram-no a publicar um segundo artigo, intitulado precisamente O Natal da discórdia, cuja leitura recomendo vivamente, dado tratar-se de uma peça que me parece exemplar em termos de clareza.
Embora se trate de um artigo longo, da sua leitura podem tirar-se vários ensinamentos, o menor dos quais não será, certamente, a vantagem de não escrever sobre aquilo que se não domina, principalmente quando se trata de pessoas que penso que agem de boa fé e que têm, seguramente, milhões de cidadãos que lhes dão ouvidos, sobretudo entre as populações menos letradas, como é o caso dos dois teólogos referidos.
quinta-feira, dezembro 20, 2007
In memoriam
A Aceitação da Fraude
Uma das lições mais tristes da história é a seguinte: Se formos enganados durante muito tempo, temos tendência a rejeitar qualquer prova de fraude. Deixamos de estar interessados em descobrir a verdade. A fraude apanhou-nos. É demasiado doloroso reconhecer, nem que seja para nós mesmos , que fomos levados à certa. Uma vez que damos a um charlatão poder sobre nós mesmos, quase nunca o recuperamos. Por conseguinte, as velhas fraudes têm tendência a persistir, ao mesmo tempo que surgem outras novas.
Carl Sagan, in "O Mundo Infestado de Demónios"
Declaração de interesses: tenho este livro aqui à mão de semear, mas como o texto está disponível no Citador, foi muito mais simples, ao fim de um dia de trabalho, fazer um copiar/colar em vez de o escrever à média luz.
A Aceitação da Fraude
Uma das lições mais tristes da história é a seguinte: Se formos enganados durante muito tempo, temos tendência a rejeitar qualquer prova de fraude. Deixamos de estar interessados em descobrir a verdade. A fraude apanhou-nos. É demasiado doloroso reconhecer, nem que seja para nós mesmos , que fomos levados à certa. Uma vez que damos a um charlatão poder sobre nós mesmos, quase nunca o recuperamos. Por conseguinte, as velhas fraudes têm tendência a persistir, ao mesmo tempo que surgem outras novas.
Carl Sagan, in "O Mundo Infestado de Demónios"
Declaração de interesses: tenho este livro aqui à mão de semear, mas como o texto está disponível no Citador, foi muito mais simples, ao fim de um dia de trabalho, fazer um copiar/colar em vez de o escrever à média luz.
quarta-feira, dezembro 19, 2007
Divertimento com sinais ortográficos
...
Em aberto, em suspenso
Fica tudo o que digo.
E também o que faço é reticente...
:
Introduzimos, por vezes,
Frases nada agradáveis...
.
Depois de mim maiúscula
Ou espaço em branco
Contra o qual defendo os textos
,
Quando estou mal disposta
(E estou-o muitas vezes...)
Mudo o sentido às frases,
Complico tudo...
!
Não abuses de mim!
?
Serás capaz de responder a tudo o que pergunto?
( )
Quem nos dera bem juntos
Sem grandes apartes metidos entre nós!
^
Dou guarida e afecto
A vogal que procure um tecto.
Alexandre O'Neill*
*no 83º aniversário do nascimento
O Desaparecido
"Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.
Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me no espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.
Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor."
Rubem Braga* - "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1969
*no 17º aniversário da sua morte
terça-feira, dezembro 18, 2007
Disputas laborais insólitas (IV)
Wayne Simpson , um vendedor da empresa inglesa EDF Energy, perdeu o sem emprego de vinte e oito mil libras anuais depois de ter enviado a uma cliente uma fotografia sua todo nu, sentado num banho de espuma a beber whisky. Simpson tinha encontrado a cliente do sexo feminino enquanto fazia vendas porta a porta, em Tyneside; conseguiu obter o número de telefone dela e, mais tarde, enviou-lhe a fotografia com uma mensagem a dizer: “queres sair um dia destes para tomar uma bebida?” A mulher não quis e, em vez disso, relatou o caso à empresa e à polícia. Simpson acusou a EDF de falta de sentido de humor. “Eu nem sequer estava a mostrar as minhas partes pudendas”, disse.
segunda-feira, dezembro 17, 2007
A Venezuela vista da Argentina
Dialéctica de uma derrota
Como explicar a derrota do Sim e até que ponto foi só uma derrota?
Chavez enfrentou uma fenomenal coligação política e social que aglutinava todas as forças da velha ordem, carcomida até às entranhas mas com os seus agentes históricos a travarem uma batalha desesperada para salvá-la. A grande burguesia autóctone, os latifundiários, o capital financeiro, os dirigentes sindicais corruptos, a velha partidocracia, a hierarquia da Igreja Católica, a embaixada norte-americana, obcecada em derrubá-lo, e, a coroar todo este fluxo de descarga, uma confabulação mediática nacional e internacional poucas vezes vista na história, a qual reunia nos seus ataques a Chavez os grandes expoentes da "imprensa livre" da Europa, Estados Unidos e América Latina. O líder bolivariano atraiu contra si todos os espantalhos sociais com os quais deve lidar qualquer governo digno na América Latina e combateu-os quase em solidão e de mãos limpas. O que unificou os conservadores não foi a cláusula da "reeleição permanente" e sim algo muito mais grave: a reforma concedia categoria constitucional ao projecto socialista em gestação, algo totalmente inaceitável. Apesar de tão descomunal disparidade, o resultado eleitoral foi praticamente um empate.
Para muitos venezuelanos a eleição não era importante, o que explica os 44 por cento de abstenção. A grande maioria dos que não compareceram para votar tê-lo-iam feito pelo Sim, o que revela a debilidade do trabalho de construção hegemónica e de consciencialização ideológica dos bolivarianos no seio das classes populares. A redistribuição de bens e serviços é imprescindível, mas não necessariamente cria consciência política emancipadora. Por outro lado, alguns governadores e alcaides chavistas não se empenharam a fundo em favor de uma reforma constitucional que democratizaria, em prejuízo das suas atribuições, a organização política do Estado ao criar novas instituições do poder popular. Além disso, há que levar em conta que após nove anos de gestão qualquer governo sofre um desgaste ou deixa de suscitar o entusiasmo colectivo de antanho. A isto há que acrescentar, além disso, alguns erros cometidos na campanha eleitoral intermitente de um presidente que, pelo seu papel protagónico no cenário mundial, não dispõe de muito tempo para outra coisa.
De qualquer modo, apesar da derrota, Chavez saiu-se muito bem. Suas credenciais democráticas fortaleceram-se notavelmente. A oposição chegou às eleições dizendo que jamais aceitaria um triunfo do Sim. Caso se verificasse, repudiá-lo-iam por ser produto da fraude e poriam em andamento o "Plano B" da Operación Tenaza . Os que se diziam democratas confessavam que só se comportariam como tais no caso de ganhar; senão, a sua resposta seria a sedição. Chavez, em contrapartida, deu-lhes um lição de republicanismo democrático ao aceitar com fidalguia o veredicto das urnas. Imaginemos o que teria acontecido se por essa ínfima diferença houvesse triunfado o Sim. Os porta-vozes da "democracia" teriam incendiado a Venezuela. Apesar da sua derrota, a estatura moral de Chavez e a sua fidelidade aos valores da democracia converte em pigmeus os seus oportunistas adversários, que só respeitam o resultado das urnas quando este os favorece. E, de passagem, deixa numa posição insustentável os senadores brasileiros que, sob o pretexto da débil vocação democrática de Chavez, querem frustrar a entrada da Venezuela no Mercosul.
Atilio Borón*
*Economista e sociólogo. Secretario general do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO) até Agosto de 2006. Professor Titular de Teoria Política e Social da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires.
domingo, dezembro 16, 2007
Canto dos emigrantes
Com seus pássaros
ou a lembrança de seus pássaros,
com seus filhos
ou a lembrança de seus filhos,
com seu povo
ou a lembrança de seu povo,
todos emigram.
De uma quadra a outra
do tempo,
de uma praia a outra
do Atlântico,
de uma serra a outra
das cordilheiras,
todos emigram.
Para o corpo de Berenice
ou o coração de Wall Street,
para o último templo
ou a primeira dose de tóxico,
para dentro de si
ou para todos, para sempre
todos emigram.
Alberto da Cunha Melo*
*poeta brasileiro
sábado, dezembro 15, 2007
Bizarrias Judiciais (V)
Em 1980, o Juiz Lord Ormrod, o Juiz Lord Dunn e o Juiz Arnold decidiram , no Tribunal de Apelação do Reino Unido, que uma esposa de Basingstoke que tinha racionado o sexo com o marido a uma vez por semana estava a comportar-se razoavelmente. Lord Hailsham revelou, mais tarde, que a decisão tinha levado a que alguns jornais tentassem entrevistar as esposas de todos os Juízes que intervieram no caso.
***
A um pai de Zhengzhou, na China, foi recusada autorização legal para pôr ao seu filho o nome de @, em homenagem a este carácter do teclado. A autorização foi negada com a base legal de que todos os nomes têm de ser susceptíveis de serem traduzidos para Mandarim.
sexta-feira, dezembro 14, 2007
Os homens que contam
No próximo sábado, dia 15/12, o arquiteto Oscar Niemeyer completa cem anos de idade. Poucas são as pessoas que têm o privilégio de vidas longevas. Minha avó materna morreu com 102 anos. Tantos anos, ela os atribuía a duas coisas: uma colher de mel que ela sorvia quotidianamente ainda em jejum e uma Salve Rainha antes de dormir. A receita tem pelo menos o encantamento da singeleza. Não sei qual é o segredo do arquiteto, mas obviamente não há de ser a receita de minha avó que, de resto, nem eu mesmo a pratico, embora goste muito de mel e de Nossa Senhora.
Mas o centenário de Niemeyer me faz recordar uma entrevista que ele me concedeu há exatos dez anos. Eu havia traduzido do italiano uma obra de arquitetura e o patrocinador da edição me encarregou de ir ao Rio solicitar um prefácio do mais conhecido arquiteto brasileiro. Marcada a audiência por telefone, pensei que ele fosse me conceder cinco minutos. Entreteve-me toda uma tarde e no final ainda mandou seu motorista levar-me a Niterói para conhecer a sua mais nova obra, o Museu de Arte Moderna.
Na minha memória a figura de Oscar Niemeyer é indissociável de um sacerdote, Frei Matheus Rocha OP. Se estivesse vivo, faria 85 anos no próximo mês. O relacionamento de ambos data da década de 60, quando Darcy Ribeiro convidou Frei Matheus, então Provincial dos Dominicanos, para fundar a Faculdade de Teologia da Universidade de Brasília, uma proposta que contava com o decidido apoio do Papa João XXIII. O religioso convidou Niemeyer para projetar o prédio da faculdade, que chegou a ser construído, professores preparados, tudo pronto etc., quando o golpe de estado de 1964 pôs tudo a perder. Frei Matheus foi vice-reitor do Prof. Anísio Teixeira e foi também reitor da UNB entre 1962 e 1963. O fato é que Brasília e a Teologia uniram esses dois personagens e, pelos testemunhos de frei Matheus, embora se dizendo ateu, Niemeyer era um homem de muita fé. Mas era uma fé obscurecida pelas diversas expressões das contradições e miséria humanas e de alguns contra-testemunhos da Igreja. Encontrou no comunismo um ideal de justiça que não viu na Igreja. Em todo caso, através daquele religioso, debateu muito sobre o universo teologal, conheceu as maravilhas do Evangelho, da missão e da pessoa de Jesus Cristo. Mas a vida humana é mesmo um mistério, e até hoje o arquiteto se auto-define ateu e comunista. Nesses casos, quem poderá emitir juízos?
O homem que construiu com suntuosidade a belíssima catedral da capital federal e, muito antes, construiu com simplicidade a igreja de São Francisco no conjunto da Pampulha em Belo Horizonte, deve ter sido tocado de mil modos pela mão poderosa de Nosso Senhor. Tudo isso é motivo para ação de graças nesse centenário.
Levei de presente para o arquiteto o livro de Frei Matheus "Quem é este homem?", uma bela introdução à Cristologia. Niemeyer recebeu a obra, fez uma longa pausa, percorreu em silêncio várias páginas e disse com convicção: "São esses os homens que contam!".
Domingos Zamagna *
* Jornalista e professor de Filosofia em São Paulo
Texto retirado daqui
No próximo sábado, dia 15/12, o arquiteto Oscar Niemeyer completa cem anos de idade. Poucas são as pessoas que têm o privilégio de vidas longevas. Minha avó materna morreu com 102 anos. Tantos anos, ela os atribuía a duas coisas: uma colher de mel que ela sorvia quotidianamente ainda em jejum e uma Salve Rainha antes de dormir. A receita tem pelo menos o encantamento da singeleza. Não sei qual é o segredo do arquiteto, mas obviamente não há de ser a receita de minha avó que, de resto, nem eu mesmo a pratico, embora goste muito de mel e de Nossa Senhora.
Mas o centenário de Niemeyer me faz recordar uma entrevista que ele me concedeu há exatos dez anos. Eu havia traduzido do italiano uma obra de arquitetura e o patrocinador da edição me encarregou de ir ao Rio solicitar um prefácio do mais conhecido arquiteto brasileiro. Marcada a audiência por telefone, pensei que ele fosse me conceder cinco minutos. Entreteve-me toda uma tarde e no final ainda mandou seu motorista levar-me a Niterói para conhecer a sua mais nova obra, o Museu de Arte Moderna.
Na minha memória a figura de Oscar Niemeyer é indissociável de um sacerdote, Frei Matheus Rocha OP. Se estivesse vivo, faria 85 anos no próximo mês. O relacionamento de ambos data da década de 60, quando Darcy Ribeiro convidou Frei Matheus, então Provincial dos Dominicanos, para fundar a Faculdade de Teologia da Universidade de Brasília, uma proposta que contava com o decidido apoio do Papa João XXIII. O religioso convidou Niemeyer para projetar o prédio da faculdade, que chegou a ser construído, professores preparados, tudo pronto etc., quando o golpe de estado de 1964 pôs tudo a perder. Frei Matheus foi vice-reitor do Prof. Anísio Teixeira e foi também reitor da UNB entre 1962 e 1963. O fato é que Brasília e a Teologia uniram esses dois personagens e, pelos testemunhos de frei Matheus, embora se dizendo ateu, Niemeyer era um homem de muita fé. Mas era uma fé obscurecida pelas diversas expressões das contradições e miséria humanas e de alguns contra-testemunhos da Igreja. Encontrou no comunismo um ideal de justiça que não viu na Igreja. Em todo caso, através daquele religioso, debateu muito sobre o universo teologal, conheceu as maravilhas do Evangelho, da missão e da pessoa de Jesus Cristo. Mas a vida humana é mesmo um mistério, e até hoje o arquiteto se auto-define ateu e comunista. Nesses casos, quem poderá emitir juízos?
O homem que construiu com suntuosidade a belíssima catedral da capital federal e, muito antes, construiu com simplicidade a igreja de São Francisco no conjunto da Pampulha em Belo Horizonte, deve ter sido tocado de mil modos pela mão poderosa de Nosso Senhor. Tudo isso é motivo para ação de graças nesse centenário.
Levei de presente para o arquiteto o livro de Frei Matheus "Quem é este homem?", uma bela introdução à Cristologia. Niemeyer recebeu a obra, fez uma longa pausa, percorreu em silêncio várias páginas e disse com convicção: "São esses os homens que contam!".
Domingos Zamagna *
* Jornalista e professor de Filosofia em São Paulo
Texto retirado daqui
quinta-feira, dezembro 13, 2007
Impressionista
Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.
Adélia Prado*
*poetisa brasileira contemporânea
(no dia do seu 72º aniversário)
quarta-feira, dezembro 12, 2007
O Café na Copa
Derramo o café no pires, lentamente,
e assim o bebo.
Os bicos e as asas dos pássaros,
este azul que se queima na ponta da plumagem,
tudo como um domingo na gaiola calada,
e o pôr o alpiste na pequena cumbuca,
e a água,
que nos molha as mãos e pinga no soalho,
são parte do enredo de meus dias,
um dédalo num rio, sem trilhas e pegadas,
preciso como o amor e a música.
Na calma de uma cesta de ovos,
esta manhã me lava o rosto,
me procura,
para dar-me um espaço sem mistério,
para explicar-me o pranto,
para fazer-me aceitar a morte, o tempo
e seus adeuses,
para diante de mim abrir as flores
de bananeiras e esventrar,
no chão, as jacas.
Sei que me afasto
da simplicidade da toalha, do balde e do sapato,
das coisas a que me aconchego,
se as penso
como distância e saudade,
se não vejo
a mão que limpa a mesa
e passa o pano
sobre piso e azulejos,
não como um simulacro de aceitação e tristeza,
mas como o que herdei do mundo,
a mão que limpa a mesa, a mesa e o pano,
o que é alegria e sofrimento,
iguais em tantos gestos,
entre
a luminosa indiferença
na praia e nos jardins.
Passo-te a xícara.
Não te falo
do que é invisível em mim,
do que me canta.
Sei que alguém, de longe, se debruça
sobre mim
e me desenha no rosto
cada ruga:
- Frágil
é o que nos dá a beleza,
mas não cessa o que fomos e vivemos.
Somos deuses no tempo
e no escuro
da noite, o muro branco
e as estrelas
Alberto da Costa e Silva*
*poeta paulista
Dedicado à minha companheira, no trigésimo primeiro aniversário do nosso casamento.
terça-feira, dezembro 11, 2007
Sabia que...(VI)
No Bahrain, um médico do sexo masculino pode legalmente examinar os órgãos sexuais duma mulher, mas está proibido de olhar directamente para eles durante o exame, podendo apenas ver o seu reflexo num espelho?
Em Chester, no Reino Unido, os homens do País de Gales estão proibidos de entrar na cidade antes do nascer do sol e de lá permanecer após o pôr do sol?
Na Florida, Estados Unidos, as mulheres não casadas que saltem de pára-quedas aos Domingos podem ser presas?
segunda-feira, dezembro 10, 2007
Direitos humanos
“Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.”
Este é o artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 10 de Dezembro de 1948.
Porque decorridos 59 anos ainda estamos tão longe de reconhecer os direitos de toda a gente, talvez seja útil ler a Declaração na íntegra, como os seu 7 considerandos e 30 artigos.
A perfeição
O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Poema de Clarice Lispector, arranjado pelo Padre Antonio Damázio
domingo, dezembro 09, 2007
Disputas laborais insólitas (III)
Sariya Allen, uma professora auxiliar que deixou o seu trabalho após três anos na escola primária de Durand, em Stockwell, Londres, processou a escola por alegada discriminação contra as suas crenças de Cristã Pentecostal. Allen tinha sido sujeita a um processo disciplinar por se recusar a deixar uma criança ler o Harry Poter, afirmando que glorificava a bruxaria. Perdeu.
***
Um vendedor de seguros muçulmano ficou ofendido quando o seu empregador começou a oferecer garrafas de vinho como recompensa do bom desempenho. Imran Khan disse que o esquema de incentivos da Direct Line o colocava numa situação de desvantagem porque a sua religião o proibia de beber bebidas alcoólicas, pelo que tentou conseguir uma indemnização por danos devido a lhe terem “ferido os sentimentos”. Perdeu.
sábado, dezembro 08, 2007
Imagine
Imagine there's no heaven
It's easy if you try
No hell below us
Above us only sky
Imagine all the people
Living for today
Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace
You may say,
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will be as one
Imagine no possessions
I wonder if you can
No need for greed or hunger
A brotherhood of man
Imagine all the people
Sharing all the world
You may say,
I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day
You'll join us
And the world will be as one
John Lennon*
*no 27º aniversário do seu assassínio
Horas rubras
Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas…
Ouço as olaias rindo desgrenhadas…
Tombam astros em fogo, astros dementes.
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p’las estradas…
Os meus lábios são brancos como lagos…
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras…
Sou chama e neve branca misteriosa…
E sou talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!
Florbela Espanca*
*no aniversário do nascimento e morte
sexta-feira, dezembro 07, 2007
Alteridade
Quem é esse ser que me habita
Que por mim fala e em mim cala
Quem é este estranho ser
Que vive em mim entre ter e haver
Que em mim se esconde
Que por mim responde
Que se perfaz em devaneios
Sempre aqui, acolá ou de permeio.
Que mais existe quanto mais anseio
Que sofre em mim quando amo
Que se alegra quando sofro
Que procura tecer sua trama
Nesse drama em que sou chama
Quem é este ser que me habita
Que me desdiz sem me dizer
Que se desfaz no meu fazer
Que grita em minha garganta
Que quanto menor mais se agiganta
Quem este poema escreve?
Sou eu mesmo ou um outro ser em mim?
Alberto Beuttenmüller*
*poeta brasileiro
quinta-feira, dezembro 06, 2007
Quem disse que o inglês é fácil?!
É comum dizer-se que o inglês é uma linguagem muito mais fácil do que o português. Mão amiga fez-me chegar um teste que proponho leiam rapidamente em voz alta, para avaliar se é mesmo assim:
1. Módulo básico
Em português:
Três bruxas observam três relógios Swatch. Que bruxa observa que relógio Swatch?
Em inglês:
Three witches watch three Swatch watches. Which witch watch which Swatch watch ?
2. Módulo avançado
Em português:
Três bruxas travestis observam os botões de três relógios Swatch. Que bruxa travesti observa que botão de que relógio Swatch ?
Em inglês:
Three switched witches watch three Swatch watch switches. Which switched witch watch which Swatch watch switch?
3. E agora para especialistas
Em português:
Três bruxas Suecas transexuais observam os botões de três relógios Swatch Suiços. Que bruxa sueca transexual observa que botão de que relógio Swatch Suiço ?
Em inglês:
Three Swedish switched witches watch three Swiss Swatch watch switches. Which Swedish switched witch watch which Swiss Swatch watch switch?
quarta-feira, dezembro 05, 2007
Derrotado! E agora, quê?
Enfim aconteceu. Depois de mais de dez anos e dezenas de eleições, finalmente, Hugo Chávez foi derrotado. O louco, o ditador, o intempestivo, o "negro", o insuportável populista. Desde Atlanta, o braço armado da comunicação capitalista, foram disparados todos os torpedos midiáticos possíveis e não foi pouco o dinheiro derramado para financiar a campanha do não às reformas constitucionais. Junte-se a isso toda a mesma velha e já conhecida conspiração envolvendo a tão velha e conhecida CIA (Central de Inteligência dos Estados Unidos). Assim, com praticamente o mundo todo fazendo torcida contra (inclusive a Rede Globo, fiel representante da classe dominante brasileira) e com alguns erros estratégicos, Chávez perdeu pela primeira vez. 50,7% a 49,29. Uma diferença apertada que bem mostra a dureza da luta de classe na Venezuela. No início da noite, tão logo saíram os resultados, o presidente foi à televisão, reconheceu a derrota e disse que a Venezuela vai seguir seu caminho respeitando a decisão das urnas. E agora, o que mais vão dizer de Chávez?
No meio de tanta intoxicação por parte de todos os órgãos de comunicação social, quer dos portugueses quer dos estrangeiros a que temos mais fácil acesso, julgo que vale a pena ler este artigo da Jornalista brasileira Elaine Tavares.
terça-feira, dezembro 04, 2007
Eles continuam por aí
Christine Castillo Comer, a simpática senhora da fotografia ao lado, considerada a maior especialista do Estado do Texas em questões de educação em ciências, foi professora de ciências durante 27 anos e directora de ciência da Agência de Educação do Texas durante 9 anos, até que foi obrigada a demitir-se em 7 de Novembro passado.
Barbara Carrol Forrest é uma reputada filósofa estado-unidense, professora de filosofia na Southeastern Louisiana University e co-autora do livro Cavalo de Tróia do Criacionismo – A Cunha do Desígnio Inteligente.
Qual a relação entre as duas personagens?
Embora para a imensa maioria de nós, portugueses e europeus, a teoria da evolução das espécies não mereça qualquer contestação, o mesmo não se passa nos Estados Unidos, onde cerca de metade da população acredita piamente que a terra e todos os seres vivos foram criados recentemente, numa data localizada algures ente dez mil e seis mil anos, e os criacionistas (apoiados pelo inefável Mr. W. Bush) querem introduzir o Desígnio Inteligente* (o termo filosófico para Intelligent Design, muitas vezes traduzido por “Desenho Inteligente”) no currículo escolar de ciências, como alternativa à evolução.
Barbara Forrest, uma das maiores críticas do Desígnio Inteligente, proferiu uma palestra em Austin, no Texas, no passado dia 2 de Novembro, organizada pelo Centro Nacional para a Educação em Ciência, um grupo defensor da teoria da evolução. Christine Castilho Comer, que tinha recebido do Centro uma mensagem electrónica sobre a palestra, reencaminhou-a para uma comunidade online local, como sempre fazia com todos os assuntos ligados à ciência, fosse o aquecimento global, a investigação em células estaminais, ou outros, sem que daí lhe tivesse alguma vez advindo qualquer problema.
Cerca de uma hora depois de ter reencaminhado a mensagem, Christine foi chamada e informada de que Lizette Reynolds, vice comissária para os programas e política estadual e antiga conselheira de Bush enquanto governador do Texas, tinha visto uma cópia da mensagem e tinha-se queixado, apelidando-a de “uma ofensa que exige que se lhe ponha termo”.
Poucos dias depois, Christine foi forçada a demitir-se do seu cargo, que lhe garantia um rendimento anual de 60.000 dólares, apenas por bem desempenhar as suas funções de defender o correcto ensino da ciência aos alunos do ensino básico e secundário. Não faz a mínima ideia do modo como Lizette Reynolds teve um acesso tão rápido à mensagem, mas não deixou de se interrogar: “O que é isto, polícia do pensamento, ou quê?”.
*Quem se interessar pelos argumentos que refutam o Desígnio Inteligente, tem aqui um excelente ensaio sobre o assunto, de acesso livre.
(Imagem de Erich Schlegel para o The New York Times)
Barbara Carrol Forrest é uma reputada filósofa estado-unidense, professora de filosofia na Southeastern Louisiana University e co-autora do livro Cavalo de Tróia do Criacionismo – A Cunha do Desígnio Inteligente.
Qual a relação entre as duas personagens?
Embora para a imensa maioria de nós, portugueses e europeus, a teoria da evolução das espécies não mereça qualquer contestação, o mesmo não se passa nos Estados Unidos, onde cerca de metade da população acredita piamente que a terra e todos os seres vivos foram criados recentemente, numa data localizada algures ente dez mil e seis mil anos, e os criacionistas (apoiados pelo inefável Mr. W. Bush) querem introduzir o Desígnio Inteligente* (o termo filosófico para Intelligent Design, muitas vezes traduzido por “Desenho Inteligente”) no currículo escolar de ciências, como alternativa à evolução.
Barbara Forrest, uma das maiores críticas do Desígnio Inteligente, proferiu uma palestra em Austin, no Texas, no passado dia 2 de Novembro, organizada pelo Centro Nacional para a Educação em Ciência, um grupo defensor da teoria da evolução. Christine Castilho Comer, que tinha recebido do Centro uma mensagem electrónica sobre a palestra, reencaminhou-a para uma comunidade online local, como sempre fazia com todos os assuntos ligados à ciência, fosse o aquecimento global, a investigação em células estaminais, ou outros, sem que daí lhe tivesse alguma vez advindo qualquer problema.
Cerca de uma hora depois de ter reencaminhado a mensagem, Christine foi chamada e informada de que Lizette Reynolds, vice comissária para os programas e política estadual e antiga conselheira de Bush enquanto governador do Texas, tinha visto uma cópia da mensagem e tinha-se queixado, apelidando-a de “uma ofensa que exige que se lhe ponha termo”.
Poucos dias depois, Christine foi forçada a demitir-se do seu cargo, que lhe garantia um rendimento anual de 60.000 dólares, apenas por bem desempenhar as suas funções de defender o correcto ensino da ciência aos alunos do ensino básico e secundário. Não faz a mínima ideia do modo como Lizette Reynolds teve um acesso tão rápido à mensagem, mas não deixou de se interrogar: “O que é isto, polícia do pensamento, ou quê?”.
*Quem se interessar pelos argumentos que refutam o Desígnio Inteligente, tem aqui um excelente ensaio sobre o assunto, de acesso livre.
(Imagem de Erich Schlegel para o The New York Times)
segunda-feira, dezembro 03, 2007
Não é Ninguém... Somos todos Nós!
É necessário ainda repetir: política é coisa da terra e feita por humanos. Não é coisa de anjos e deuses. Vale o que dizia brutalmente, Pascal: quem quiser se fazer de anjo, acaba se fazendo de besta. Políticos que somos temos limites. A ação política é inerente e imanente, não transcendente. Tem alcances inimagináveis, mexe com o poder, com o destino da polis, vale dizer dos seus habitantes. Se não nos permite fazer operações e cirurgias em um campo completamente asséptico, também não se pode fazê-la no esgoto (Geertz). Até porque de maneira radical, de um cano de esgoto não se pode beber uma gota de água pura (Antonio Callado).
Vale a pena ler este artigo do filósofo brasileiro Luiz Augusto Passos, publicado aqui.
domingo, dezembro 02, 2007
Bizarrias Judiciais (IV)
Em 2006, um jovem de Jiaxing, perto de Shangai, viu-se em apuros por não se ter aconselhado antes de pôr a sua alma à venda num sítio de leilões online. O anúncio foi finalmente retirado pelo leiloeiro e o vendedor foi informado de que apenas poderia ser reposto se ele fosse capaz de apresentar uma permissão escrita de uma “autoridade mais elevada” para vender a sua alma.
***
Em 1874, Francis Evans Cornish, agindo como um magistrado, em Winnipeg, Canadá, teve de julgar-se a si próprio da acusação de ter aparecido bêbado em público. Declarou-se culpado e multou-se a si mesmo em 5 dólares de custas judiciais. Mas, claro, ditou para o registo: “Francis Evans Cornish, tomando em consideração o bom comportamento passado, a sua multa é perdoada”.
sábado, dezembro 01, 2007
Primeiro aniversário
365 dias é muito tempo. Quando aqui afixei a minha primeira posta, há precisamente 1 ano, não tinha a mínima ideia sobre a forma de colocar uma ligação para o que quer que fosse, muito menos para uma canção.
Por isso, aqui a repito, para que Simon and Garfunkel possam ser ouvidos no espectáculo que deram no Central Park.
The Sound of Silence
Hello darkness, my old friend,
I've come to talk with you again,
Because a vision softly creeping,
Left its seeds while I was sleeping,
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence.
In restless dreams I walked alone
Narrow streets of cobblestone,
'neath the halo of a street lamp,
I turned my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash of a neon light
That split the night
And touched the sound of silence.
And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more.
People talking without speaking,
People hearing without listening,
People writing songs that voices never share
And no one dare
Disturb the sound of silence.
'fools' said I, 'you do not know
Silence like a cancer grows.
Hear my words that I might teach you,
Take my arms that I might reach to you.'
But my words like silent as raindrops fell,
And echoed
In the wells of silence
And the people bowed and prayed
To the neon god they made.
And the sign flashed out its warning,
And the words that it was forming.
And the sign said, 'the words of the prophets
Are written on the subway walls
And tenement halls.'
And whisper'd in the sound of silence.
Paul Simon
Cantam Paul Simon e Art Garfunkel
sexta-feira, novembro 30, 2007
Abdicação
Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho. Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu ceptro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.
Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.
Fernando Pessoa* - Cancioneiro
* no 72º aniversário do seu falecimento
quinta-feira, novembro 29, 2007
Disputas laborais insólitas (II)
Fred Raine foi recompensado com £ 2.300,00 após um tribunal industrial ter reconhecido que o seu antigo empregador, Lee’s Coaches, em Langley Moor, Reino Unido, lhe tinha pago pouco quando ele deixou a companhia devido a doença, em 2005. Nada de extraordinário nesse facto, mas o mesmo não pode ser dito da forma de pagamento escolhida pelo seu ex-patrão, Malcolm Lee. A primeira tranche da indemnização, no montante de mil libras esterlinas, foi paga através de cheque, mas as restantes mil e trezentas libras foram-lhe colocadas à porta de casa numa caixa cheia de moedas, com o peso de 69 quilos e 850 gamas. Raine descreveu o gesto como “inaceitável” e disse que ia consultar o seu advogado.
quarta-feira, novembro 28, 2007
Nasceu há 300 anos
O corpo de Abel encontrado por Adão e Eva - De William Blake
A Poison Tree
I was angry with my friend:
I told my wrath, my wrath did end.
I was angry with my foe:
I told it not, my wrath did grow.
And I watered it in fears,
Night and morning with my tears;
And I sunned it with smiles,
And with soft deceitful wiles.
And it grew both day and night,
Till it bore an apple bright.
And my foe beheld it shine.
And he knew that it was mine,
And into my garden stole
When the night had veiled the pole;
In the morning glad I see
My foe outstretched beneath the tree.
William Blake
O corpo de Abel encontrado por Adão e Eva - De William Blake
A Poison Tree
I was angry with my friend:
I told my wrath, my wrath did end.
I was angry with my foe:
I told it not, my wrath did grow.
And I watered it in fears,
Night and morning with my tears;
And I sunned it with smiles,
And with soft deceitful wiles.
And it grew both day and night,
Till it bore an apple bright.
And my foe beheld it shine.
And he knew that it was mine,
And into my garden stole
When the night had veiled the pole;
In the morning glad I see
My foe outstretched beneath the tree.
William Blake
A falta de Erico Verissimo
Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de sexta-feira.
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.
Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda - como tarda!
a clarear o mundo.
Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente.
Falta o casal passeando no trigal.
Falta um solo de clarineta.
Carlos Drummond de Andrade*
Homenagem ao amigo Erico Verissimo, falecido em 28 de Novembro de 1975
terça-feira, novembro 27, 2007
Uísque e mulher ranzinza
Eu tinha doze garrafas de uísque na minha adega e minha mulher me disse para despejar todas na pia, porque se não...
- Assim seja! Seja feita a vossa vontade, disse eu, humildemente. E comecei a desempenhar, com religiosa obediência, a minha ingrata tarefa.
Tirei a rolha da primeira garrafa e despejei o seu conteúdo na pia, com exceção de um copo, que bebi.
Extraí a rolha da segunda garrafa e procedi da mesma maneira, com exceção de um copo, que virei.
Arranquei a rolha da terceira garrafa e despejei o uísque na pia, com exceção de um copo, que empinei.
Puxei a pia da quarta rolha e despejei o copo na garrafa, que bebi.
Apanhei a quinta rolha da pia, despejei o copo no resto e bebi a garrafa, por exceção.
Agarrei o copo da sexta pia, puxei o uísque e bebi a garrafa, com exceção da rolha.
Tirei a rolha seguinte, despejei a pia dentro da garrafa, arrolhei o copo e bebi por exceção.
Quando esvaziei todas as garrafas, menos duas, que escondi atrás do banheiro, para lavar a boca amanhã cedo, resolvi conferir o serviço que tinha feito, de acordo com as ordens da minha mulher, a quem não gosto de contrariar, pelo mau gênio que tem.
Segurei então a casa com uma mão e com a outra contei direitinho as garrafas, rolhas, copos e pias, que eram exatamente trinta e nove. Quando a casa passou mais uma vez pela minha frente, aproveitei para recontar tudo e deu noventa e três, o que confere, já que todas as coisas no momento estão ao contrário.
Para maior segurança, vou conferir tudo mais uma vez, contando todas as pias, rolhas, banheiros, copos, casas e garrafas, menos aquelas duas que escondi e acho que não vão chegar até amanhã, porque estou com uma sede louca ...
Barão de Itararé
Apparício Torelli, Barão de Itararé, o Brando, (1895/1971), "campeão olímpico da paz", "marechal-almirante e brigadeiro do ar condicionado", "cantor lírico", "andarilho da liberdade", "cientista emérito", "político inquieto", "artista matemático, diplomata, poeta, pintor, romancista e bookmaker", como se definia, era gaúcho e é um dos maiores humoristas de todos os tempos. Dele disse Jorge Amado: "Mais que um pseudônimo, o Barão de Itararé foi um personagem vivo e atuante, uma espécie de Dom Quixote nacional, malandro, generoso, e gozador, a lutar contra as mazelas e os malfeitos".
O Barão de Itararé deixou o nosso convívio em 27 de Novembro de 1971
segunda-feira, novembro 26, 2007
Estação
Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho
Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça.
Mário Cesariny*
*no primeiro aniversário da sua ausência
Domingo na Praia
Sol de manhã
Galera no cio
Lira do delírio
Lirismo e desvario.
Dialética do Rio
Idílio permitido
Entre Ipanema e Ramos
Todos nós estamos.
Multipli-Cidade!
Cumpli-Cidade!
Sincretismo carnal!
Dos Tupis e Tapuias
Tapioca e paçoca.
Do quilombo d'Angola
Cânhamo e cannabis
Santarém e Bragança
Herança Lusitana.
Lírica do Rio
Larica carioca
Bunda balançando?
Bagunça tropical!
Seios a saçaricar
Pernas a se roçar
Perseguidas a ciscar
Passarinhos atrás de ninhos.
Lúdica paisagem
Mestiça libertinagem
Nem quero saber sua idade.
Quero você por perto
Orgia a céu aberto.
Bocas calam, corpos falam
Falos fluem, periquitas voam.
Musica-lidade!
Multi-cultura-lidade!
Plasti-Cidade!
Simpli-Cidade!
Ricardo Muniz de Ruiz*
*poeta carioca – no dia do seu 51º aniversário
domingo, novembro 25, 2007
Sabia que...(V)
Em Bolder, no Colorado, Estados Unidos, é ilegal matar um pássaro dentro dos limites da cidade e também “ter” animais de estimação – os cidadãos da cidade, legalmente falando, são meros “guarda-costas dos animais de estimação”?
No Vermont, Estados Unidos, as mulheres têm de ter autorização escrita dos maridos para puderem usar dentadura postiça?
Em Londres, é ilegal fazer sinal a um táxi para parar se se tiver a peste?
sábado, novembro 24, 2007
Êxtase
Quando vens para mim, abrindo os braços
Numa carícia lânguida e quebrada,
Sinto o esplendor de cantos de alvorada
Na amorosa fremência dos teus passos.
Partindo os duros e terrestres laços,
A alma tonta, em delírio, alvoroçada,
Sobe dos astros a radiosa escada
Atravessando a curva dos espaços.
Vens, enquanto que eu, perplexo d’espanto,
Mal te posso abraçar, gozar-te o encanto
Dos seios, dentre esses rendados folhos.
Nem um beijo te dou! abstrato e mudo
Diante de ti, sinto-te, absorto em tudo,
Uns rumores de pássaros nos olhos.
Cruz e Sousa*
*poeta barsileiro
sexta-feira, novembro 23, 2007
Disputas laborais insólitas
Sue Storer, uma professora de 48 anos de idade na Escola Secundária de Bedminster Down, em Bristol, Reino Unido, tentou conseguir, junto do Tribunal de Apelação do Trabalho, uma indemnização por perdas e danos no valor de um milhão de libras por discriminação sexual e por ter sido “obrigada” a resignar, alegando que tinha sido forçada a sentar-se numa cadeira que fazia uns ruídos embaraçosos de cada vez que ela se mexia. “Comentava-se regularmente em tom jocoso que a minha cadeira produzia sons semelhantes a peidos* e com muita frequência tive de pedir desculpas, dado que não era eu, era a minha cadeira”, disse. Disse ainda que os seus pedidos de uma nova cadeira tinham sido repetidamente ignorados, enquanto aos seus colegas homens eram dadas elegantes cadeiras tipo executivo. A sua pretensão foi recusada pelo Tribunal.
*(ventosidade sonora expelida pelo ânus, mas com o acordo ortográfico vai ser peido mesmo, ué!)
quinta-feira, novembro 22, 2007
Bizarrias judiciais (III)
Em 2005, Marina Bai, uma astróloga Russa, processou a NASA em cerca de 250 milhões de euros por “interromper o equilíbrio do universo”. Alegou que a sonda espacial Deep Impact da Agência Espacial dos Estados Unidos, a qual se destinava a colidir contra um cometa para recolher material resultante do impacto, para análise, era um “acto terrorista”. Um tribunal de Moscovo considerou que a Rússia tinha jurisdição para analisar a pretensão, mas esta acabou por ser rejeitada.
***
Em 2005, o Tribunal de Apelação do Massachusetts foi chamado a decidir se uma técnica sexual era perigosa. Uma bela manhã, bem cedo, um homem e uma mulher, com uma relação duradoira, estavam entretidos a ter relações sexuais. Durante o acto apaixonado e sem o consentimento do homem, a mulher retorceu-se repentinamente de tal forma que provocou ao homem uma ruptura do pénis, o que requereu uma cirurgia de emergência. O tribunal decidiu que, embora uma conduta sexual “temerária” talvez possa ser objecto de acção judicial, uma conduta “simplesmente negligente” não o era, pelo que encerrou o caso.
quarta-feira, novembro 21, 2007
O Bem Supremo
Muito discutiu a antiguidade em torno do supremo bem. O que é o supremo bem? Seria o mesmo que perguntar o que é o supremo azul, o supremo acepipe, o supremo andar, o ler supremo, etc. Cada um põe a felicidade onde pode, e quanto pode ao seu gosto. (...) Sumo bem é o bem que vos deleita a ponto de nos polarizar toda a sensibilidade, assim como mal supremo é aquele que vos torna completamente insensível. Eis os dois pólos da natureza humana. Esses dois momentos são curtos. Não existem deleites extremos nem extremos tormentos capazes de durar a vida inteira. Supremo bem e supremo mal são quimeras. Conhecemos a bela fábula de Crântor, que fez comparecer aos jogos olímpicos a Fortuna, a Volúpia, a Saúde e a Virtude.
Fortuna: - O sumo bem sou eu, pois comigo tudo se obtém.
Volúpia: - Meu é o pomo, porquanto não se aspira à riqueza senão para ter-me a mim.
Saúde: - Sem mim não há volúpia e a riqueza seria inútil.
Virtude: - Acima da riqueza, da volúpia e da saúde estou eu, que embora com ouro, prazeres e saúde pode haver infelicidade, se não há virtude.
Teve o pomo a Virtude.
A fábula é engenhosa, mas não resolve o problema absurdo do supremo bem. Virtude não é bem, senão dever. Pertence a um plano superior. Nada tem que ver com as sensações dolorosas ou agradáveis. Com cálculos e gota, sem arrimo, sem amigos, privado do necessário, perseguido, agrilhoado por um tirano voluptuoso aboletado no fausto, o homem virtuoso é infelicíssimo, e o perseguidor insolente que acaricia uma nova amante no seu leito de púrpura, felicíssimo. Podeis dizer ser preferível o sábio perseguido ao perseguidor impertinente. Podeis dizer amar a um e detestar o outro. Mas esqueceis-vos de que le sage dans les fers enrage. Se não concordar o sábio, engana-vos: é um charlatão.
Voltaire - in Dicionário Filosófico
Retirado do Citador
terça-feira, novembro 20, 2007
Onde estão os mártires? (II)
Menos de uma mês decorrido sobre a “fantochada” encenada em Roma para a beatificação de 498 padres e freiras espanhóis mortos durante a Guerra Civil Espanhola, todos afectos ao Caudilho, o presidente da Conferência Episcopal Espanhola apresentou, ontem, um pedido de desculpas sem precedentes pelo papel da Igreja Católica naquela Guerra Civil.
Até agora, a Igreja Católica sempre tinha realçado o seu papel de vítima na guerra que, ao fim de quatro anos, acabou com a vitória de Francisco Franco e marcou o início da ditadura fascista em Espanha, que durou até à morte do ditador, em 20 de Novembro de 1975.
Mas ontem, o presidente da Conferência Episcopal afirmou que a Igreja deve pedir perdão por “actos concretos” ocorridos durante o dilacerante período de guerra. “ Em muitas ocasiões temos razões para agradecer a Deus por aquilo que foi feito e pelas pessoas que agiram, mas, provavelmente, noutros momentos... deveríamos pedir perdão e mudar de direcção”, disse à Conferência Episcopal Ricardo Blauez, bispo de Bilbau.
Muitos bispos, na assistência, pareceram ficar estupefactos com o inesperado pedido de desculpas, entre eles António Maria Rouco Varela, bispo de Madrid , antecessor de Ricardo Blauez e reconhecido defensor da “linha dura” no seio da Igreja.
O bispo de Bilbau também enfureceu os conservadores ao elogiar um bispo que é tido como figura chave na transição da Espanha da ditadura para a democracia, nos anos 70. Vicente Enrique y Tarancon – o chamado “Bispo Vermelho”, vituperado por muitos conservadores pelos seus esforços de distanciar a Igreja de Franco após a morte do ditador - foi qualificado por Ricardo Blauez como “um eficiente instrumento de reconciliação”.
É caso para dizer: mais vale tarde do que nunca!
segunda-feira, novembro 19, 2007
Amanhecer
Floresce, na orilha da campina,
esguio ipê
de copa metálica e esterlina.
Das mil corolas,
saem vespas, abelhas e besouros,
polvilhados de ouro,
a enxamear no leste, onde vão pousando
nas piritas que piscam nas ladeiras,
e no riso das acácias amarelas.
Dos charcos frios
sobem a caçá-los redes longas,
lentas e rasgadas de neblina.
Nuvens deslizam, despetaladas,
e altas, altas,
garças brancas planam.
Dançam fadas alvas,
cantam almas aladas,
na taça ampla,
na prata lavada,
na jarra clara da manhã...
João Guimarães Rosa* (in Magma)
*poeta brasileiro, no 40º aniversário do seu falecimento
domingo, novembro 18, 2007
Sabia que...(IV)
No Reino Unido é um acto de traição colar um selo postal com a efígie do(a) monarca de cabeça para baixo?
De acordo com as Tax Avoidance Schemes Regulations de 2006, no Reino Unido é ilegal não dizer ao cobrador de impostos algo que não se quer que ele saiba, embora não seja obrigatório dizer-lhe coisas que não tem importância que ele saiba?
Os barcos da Royal Navy que entram no Porto de Londres têm de dar um barril de rum ao Constable da Torre de Londres?
sábado, novembro 17, 2007
Bizarrias judiciais (II)
Em 2004, um advogado alemão, Dr. Juergen Graefe, representou uma pensionista idosa de St Augustin, perto de Bona, a quem tinha sido enviada uma notificação para pagamento de impostos no montante de 287 milhões de euros, apesar de os rendimentos da senhora serem apenas de 17 mil euros. O Dr. Graefe resolveu o problema com uma simples “carta chapa” enviada às autoridades fiscais, mas a lei Alemã permite-lhe calcular os seus honorários com base no montante da redução de impostos obtida, pelos que os fixou em € 440,234,00, que irão ser pagos pelo estado. Não há provas de que tenha tentado a sua sorte escrevendo uma carta de agradecimento.
***
Em 2005, uma brasileira processou o seu companheiro, culpando-o pelo facto de ela não conseguir atingir o orgasmo. A mulher, de 31 anos de idade, de Jundiai, argumentou, no seu processo, que o companheiro, de 38 anos, acabava habitualmente a relação sexual após ele próprio ter atingido o orgasmo. Após um início promissor, a acção acabou numa espécie de anti-clímax para a senhora, quando as suas pretensões foram rejeitadas pelo Tribunal.
sexta-feira, novembro 16, 2007
...e António Aleixo...
...deixou-nos há 58 anos.
Mote
Morre o rico, dobram sinos;
Morre o pobre, não há dobres...
Que Deus é esse dos padres,
Que não faz caso dos pobres?
António Aleixo
In memoriam
Jose Saramago...
...completa hoje 85 anos.
Eu luminoso não sou
Eu luminoso não sou. Nem sei que haja
Um poço mais remoto, e habitado
De cegas criaturas, de histórias e assombros.
Se, no fundo poço, que é o mundo
Secreto e intratável das águas interiores,
Uma roda de céu ondulando se alarga,
Digamos que é o mar: como o rápido canto
Ou apenas o eco, desenha no vazio irrespirável
O movimento de asas. O musgo é um silêncio,
E as cobras-d'água dobram rugas no céu,
Enquanto, devagar, as aves se recolhem.
José Saramago
Longa vida, José!
quinta-feira, novembro 15, 2007
Lugar
La luz agria de tu barrio
me ronda con tus cristales.
Por entre mis manos fluye
el agua añil de la tarde.
El aire queda vencido
en la pared de mi carne.
Las esquinas giran locas
alrededor de mi talle.
Pájaros perdidos cantan
porque mi lengua no hable.
La llama de mis cabellos
negra se tuerce en el aire.
Por el cielo va deshecha
la flor de mis voluntades.
¡Ay, se me corta la vida
en el cristal de esta tarde!.
Joaquín Romero Murube*
*poeta sevilhano
quarta-feira, novembro 14, 2007
Metamorfose
Repara: - a imóvel crisálida
Já se agitou, inquieta,
Cedo, rasgando a mortalha,
Ressurgirá borboleta.
Que misteriosa influência
A metamorfose opera!
Um raio de sol, um sopro!
Ao passar, a vida gera.
Assim minh’alma, inda ontem
Crisálida entorpecida,
Já hoje treme, e amanhã
Voará cheia de vida.
Tu olhaste - e do letargo
Mago influxo me desperta:
Surjo ao amor, surjo à vida
À luz de uma aurora incerta.
Júlio Dinis – 1 de Maio de 1860
(Obras completas - Círculo de Leitores - Dezembro de 1992)
terça-feira, novembro 13, 2007
Sabia que...(III)
No Ohio, Estados Unidos, é contrário à lei estadual embebedar um peixe?
No Alabama, Estados Unidos, é ilegal vendar os olhos de um condutor, quando este for a conduzir um veículo?
No Reino Unido é ilegal morrer nas Casas do Parlamento (Houses of Parliament), mais conhecidas por Palácio de Westminster?
Em São Salvador, os condutores embriagados podem ser punidos com a morte perante um pelotão de fuzilamento?
segunda-feira, novembro 12, 2007
Todas as crianças
"Todas as crianças querem a paz no mundo, mas nem todas são educadas livres da ótica da discriminação, do preconceito, em condições de encarar, como dotados de igual dignidade, brancos, negros, amarelos e indígenas.
Todas as crianças gostam de falar com Deus, mas nem todas aprendem que Deus ama, sem distinção, muçulmanos, judeus, cristãos, adeptos do candomblé, do Santo Daime, e até mesmo quem não crê.
Todas as crianças necessitam brincar, mas nem todos os pais têm condições de evitar que enveredem pela senda do trabalho precoce, do ponto de esmola na esquina, da exploração sexual, das sendas do crime.
Todas as crianças adoram perder tempo com seus amigos e amigas, mas algumas tornam-se adultas antes do tempo, devido à agenda sobrecarregada imposta pela família, com aulas de balé e natação, de idiomas e de música, sem nunca terem se sujado no barro. Ou, empobrecidas, são obrigadas a lutar desde cedo pela sobrevivência.
Todas as crianças são dotadas de incomensurável fantasia, mas muitas não têm sonhos próprios, porque delegaram à TV o direito de imaginar por elas. Assim, crescem saturadas de (des)informações que não processam, vulneráveis em seu código de valores e confusas quanto aos princípios éticos a serem abraçados.
Todas as crianças são generosas, mas nem sempre há quem lhes ensine partilhar o que acumulam nos armários, na lancheira e no coração.
Todas as crianças precisam de muito amor, mas nem todas conhecem quem preste atenção no que falam e fazem, passeie com elas nos fins de semana, evite barganhar o carinho sonegado por presentes e promessas.
Todas as crianças gostam de doces, mas nem todas são educadas para apreciar frutas e verduras, evitando desde cedo preencher com a boca o que lhes falta no coração.
Todas as crianças adoram ouvir histórias, mas nem todas conhecem quem se disponha a contar-lhes o mundo da carochinha ou a ler para elas os textos sagrados.
Todas as crianças imitam adultos que admiram, mas nem todas aprendem a conhecer Jesus e Francisco de Assis, Gandhi e Che Guevara, e crescem empolgadas com o exterminador do passado, do presente e do futuro.
Todas as crianças são sedentas de alegria, mas como esperar que sorriam se os adultos discutem na frente delas ou expressam seu racismo, seu ódio e sua ganância por dinheiro e bens?
Todas as crianças ignoram a morte como ameaça real, e nenhuma delas se propõe a matar o semelhante, a fabricar ou comercializar armas, a bombardear populações civis. Se uma criança rouba, droga-se ou mata é porque o mundo dos adultos condenou-a a ser o reverso de si mesma.
Todas as crianças adoram sonhar, mas se não encontram pelo caminho quem infle os seus sonhos, como um balão que voa rumo à utopia, correm o risco de buscar na química das drogas o que lhes falta em auto-estima.
Todas as crianças são convencidas de que, entregue nas mãos delas, o mundo seria bem melhor, pois nenhuma delas suporta ver o semelhante com fome, na miséria ou vítima de guerras.
Todos nós deveríamos cultivar para sempre a criança que um dia fomos."
Frei Betto
Retirado daqui
Nota: Este é um texto dedicado a todas as crianças, de ambos os sexos. Decidi reproduzi-lo aqui depois de ter lido os insultos que um anónimo me dirigiu na caixa de comentários do blogue da minha amiga bianca castafiore, apenas porque não alinhei nas louvaminhices a uma pseudo defensora de alguns “meninos” portugueses.
domingo, novembro 11, 2007
Bizarrias judiciais
Em 2004, Timothy Dumouchel, de Fond du Lac, Wisconsin, Estados Unidos, processou uma companhia de televisão por fazer com que a mulher engordasse e por transformar os seus filhos em “surfistas de canais mandriões”. Disse: “Eu creio que a razão pela qual fumo e bebo todos os dias e a minha mulher é obesa é porque temos vistos TV diariamente nos últimos quatro anos”. O caso manteve ocupados, durante uns tempos, pelo menos dois dos então 1.058.662 advogados existentes nos Estados Unidos, mas não chegou ao Supremo Tribunal.
****
Em 2007, um tribunal da Índia foi chamado a decidir se um preservativo vibrador é um anticonceptivo ou um brinquedo sexual. Os preservativos contêm um dispositivo em formato de anel que funciona a pilhas e, para evitar dúvidas, é comercializado com a nome de Crezendo. Os oponentes argumentam que é um brinquedo sexual e, como tal, ilegal na Índia, ao passo que a empresa produtora afirma que é um contraceptivo e um meio de promover a saúde pública. O processo ainda decorre.
Nota: Quem estiver interessado, pode procurar no Google e descobrir que em Portugal é vendido com o mesmo nome, em pacotes de 3, pelo menos numa grande superfície.
sábado, novembro 10, 2007
Como um archote
Vem tudo à superfície.
Como se
dentro da casa
um maremoto levantasse
as pedras todas, uma a uma; como se
no centro, iluminadas,
as esferas rodassem
no seu eixo - tudo
de repente se inclina, tudo arde
nesta fogueira acesa
como um archote de sangue, uma lua
de enxofre.
Albano Martins*
*poeta português contemporâneo
sexta-feira, novembro 09, 2007
Sabia que...(II)
Em França é proibido chamar Napoleão a um porco?
Na cidade de Londres é ilegal um táxi transportar cães raivosos ou cadáveres?
A cabeça de qualquer baleia encontrada morta na costa Britânica é, legalmente, propriedade do Rei e, por seu lado, a cauda pertence à Rainha, no caso de ela necessitar dos ossos para o corpete?
Na Indonésia, a punição para a masturbação é a decapitação?
quinta-feira, novembro 08, 2007
Especulação
Todos os dias somos confrontados com novos máximos do preço do petróleo nos mercados de Nova Iorque e Londres, o qual se aproxima perigosamente dos 100 dólares por barril, se é que não os ultrapassou já no momento em que escrevo.
Os motivos apresentados pelos jornalistas e pelos vários “especialistas” ouvidos ou lidos de quando em vez variam desde o aumento da procura por parte da China e da Índia, à insuficiência das reservas dos Estados Unidos, passando pela guerra no Iraque, as sanções ao Irão ou o receio de invasão do Curdistão iraquiano por parte da Turquia, sem esquecer as tempestades no golfo do México.
Mas a verdadeira causa pode ser apenas uma e tem o nome de especulação. Há alguns meses, andava o barril pelos 70 dólares, ouvi uma entrevista de Hugo Chaves a afirmar que 50 dólares seria um preço justo. Agora, o ministro do petróleo da Índia, Sr. M. S. Srinivasan, que não consta que tenha inclinações socialistas, fez uma recomendação pouco ortodoxa e quase blasfema para os ouvidos dos neo-liberais paladinos da economia de mercado sem controlo. Retirar o crude das Bolsas de Mercadorias de Nova Iorque e Londres, eliminando pura e simplesmente os intermediários.
“Não há, neste momento, constrangimento no fornecimento e a procura não está fora de controlo”, disse o Sr. Srinivasan numa entrevista em Nova Deli, acrescentando que a sua comercialização em mercados como o Nymex (New York Mercantile Exchange) está a contribuir “enormemente” para os preços altos. Se o crude fosse eliminado das mercadorias (ou commodities, como dizem os tais especialistas) transaccionadas no Nymex, o mundo “assistiria a uma redução drástica do preço”, referiu ainda.
A recomendação do Sr. Srinivasan está baseada na crença, altamente difundida, de que os investidores estão a inflacionar artificialmente os preços. Bancos, Fundos de Pensões e Hedge Funds investiram, nos últimos anos, rios de dinheiro no comércio do petróleo, apostando num aumento da procura. Embora não haja consenso entre os analistas sobre o aumento do preço que poderá ser imputado a tais investidores, as estimativas variam entre 10 e 30 dólares por barril.
E o Sr. Srinivasan não está sozinho. Vozes tão díspares como Mohammad Alipour-Jeddi, responsável pela análise de mercado da OPEP, e William F. Galvin, secretário de estado no Massachusetts, responsabilizaram os especuladores pelo aumento dos preços. “Existe crude suficiente nos mercados”, disse o Sr. Alipour-Jeddi na segunda-feira. Problemas na refinação e “actividades especulativas” estão a forçar o aumento dos preços, acrescentou.
E assim, enquanto alguns enchem os bolsos em actividades que, mesmo sendo perfeitamente legais, não deixam de ser eticamente condenáveis, a maioria do planeta sufoca com os aumentos dos preços, quer o do petróleo em si quer o de todos os bens cujos preços são enormemente influenciados por aquele.
(Fontes: The New York Times e The Washington Post)
A Nuvem
Sulcas o ar de um rastro perfumoso
Que os nervos me alvoroça e tantaliza,
Quando o teu corpo musical desliza
Ao hino do teu passo harmonioso.
A pressão do teu lábio saboroso
Verte-me na alma um vinho que eletriza,
Que os músculos me embebe, e os nectariza,
E afrouxa-os, num delíquio langoroso.
E quando junto a mim passas, criança,
Revolta a crespa, luxuosa trança,
Na espádua arfando em túrbidos negrumes,
Naufraga-me a razão em sombra densa,
Como se houvera sobre mim suspensa
Uma nuvem de cálidos perfumes!
Teófilo Dias *
*poeta brasileiro
Do livro Fanfarras (1882)
quarta-feira, novembro 07, 2007
Sabia que...
Há leis mesmo ridículas, em qualquer parte do mundo. Por cá, já houve a célebre proibição de utilizar isqueiro, a menos que fosse “debaixo de telha”, o que levou muito boa alma a andar com um pedaço de telha partida no bolso, para fugir à punição.
Mas, sabia mesmo que:
No Reino Unido, uma mulher grávida pode “aliviar-se” onde muito bem lhe der na gana, inclusive, se assim o solicitar, dentro do capacete de um polícia?
No mesmo Reino Unido, um homem que se veja forçado a urinar em público pode fazê-lo, desde que aponte para a sua roda traseira e mantenha a mão direita sobre o seu veículo?
Na cidade de York é legal assassinar um Escocês dentro dos muros da cidade antiga, mas só se ele for portador de arco e flecha?
Metamorfose
Súbito pássaro
dentro dos muros
caído,
pálido barco
na onda serena
chegado.
Noite sem braços!
Cálido sangue
corrido.
E imensamente
o navegante
mudado.
Seus olhos densos
apenas sabem
ter sido.
Seu lábio leva
um outro nome
mandado.
súbito pássaro
por altas nuvens
bebido.
Pálido barco
nas flores quietas
quebrado.
Nunca, jamais
e para sempre
perdido
o eco do corpo
no próprio vento
pregado.
Cecília Meireles*
*poetisa carioca
terça-feira, novembro 06, 2007
Poesia
Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.
Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.
Aqui livre sou eu - eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.
Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos actos que vivi,
Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.
Sophia de Mello Breyner Andresen*
*no 88º aniversário do seu nascimento
segunda-feira, novembro 05, 2007
Viagem
Vida: vagão de um trem
a qualquer hora
a soltar-se pelos trilhos.
Se fendem as trancas
na ferrugem das peças,
nenhuma alavanca detém a carga.
Sigo. Passageira sem estação de rota.
Quando vou, estou indo de volta
como se por mim tudo fosse outra vez
sem ter sido nunca a primeira.
Meu corpo é minha bagagem
arma atenta à cicatriz
que não fecha
e a que se cava
em tua ausência
materializada na cadeira vazia.
Ao meu lado, o passado:
sentença do efêmero,
algema sem trancas.
Sigo como um vagão
desgarrado do comboio,
querendo ainda obedecer
ao freio das alavancas
Aíla Sampaio*
*poetisa brasileira
domingo, novembro 04, 2007
Liberdade
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.
Carlos Marighella*
São Paulo, Presídio Especial, 1939
*poeta e político brasileiro, assassinado em São Paulo pela Junta Militar, em 4 de Novembro de 1969.
sábado, novembro 03, 2007
Não me deixes!
Debruçada nas águas dum regato
A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava:
"Ai, não me deixes, não!
"Comigo fica ou leva-me contigo
"Dos mares à amplidão;
"Límpido ou turvo, te amarei constante;
"Mas não me deixes, não!"
E a corrente passava; novas águas
Após as outras vão;
E a flor sempre a dizer curva na fonte:
"Ai, não me deixes, não!"
E das águas que fogem incessantes
À eterna sucessão
Dizia sempre a flor, e sempre embalde:
"Ai, não me deixes, não!"
Por fim desfalecida e a cor murchada,
Quase a lamber o chão,
Buscava inda a corrente por dizer-lhe
Que a não deixasse, não.
A corrente impiedosa a flor enleia,
Leva-a do seu torrão;
A afundar-se dizia a pobrezinha:
"Não me deixaste, não!"
Gonçalves Dias*
*poeta brasileiro
sexta-feira, novembro 02, 2007
Poeta
Quando a primeira lágrima aflorou
Nos meus olhos, divina claridade
A minha pátria aldeia alumiou
Duma luz triste, que era já saudade.
Humildes, pobres cousas, como eu sou
Dor acesa na vossa escuridade...
Sou, em futuro, o tempo que passou -
Em num, o antigo tempo é nova idade.
Sou fraga da montanha, névoa astral,
Quimérica figura matinal,
Imagem de alma em terra modelada.
Sou o homem de si mesmo fugitivo;
Fantasma a delirar, mistério vivo,
A loucura de Deus, o sonho e o nada.
Teixeira de Pascoaes
quinta-feira, novembro 01, 2007
MAIS UMA VEZ
o menino chora no meio da noite
no meio da praça
no meio do coração.
o menino chupa laranjas e abismos
as bombas caem.
está sozinho no meio do oceano
no meio de cem milhões
no meio do infinito.
o menino desenha navios submersos
enquanto chovem granadas
enquanto mais uma vez
o povo é saqueado.
o menino chora sob um turbilhão
de cavalos em febre
sob um teia de equívocos e fracassos.
estamos no meio da noite barroca
no meio da praça
onde os tiranos engolem o ouro
no meio do coração torturado
por mil punhais envenenados
e um punho de sombra redigindo lei imóveis.
o menino uiva um labirinto
(não há pai nem mãe
nem lembrança de ternura
para consolar o pranto).
o menino uiva uma farpa de cristal
um relâmpago de estrelas podres
o abandono definitivo
(não há luz no quarto
onde o menino chora
sob um fedor de sinfonia
estarrecida).
no meio da fome
no meio da morte
no meio do coração.
Afonso Henriques Neto*
*poeta brasileiro
quarta-feira, outubro 31, 2007
Onde estão os mártires?
O Vaticano decidiu, mais uma vez, encenar uma palhaçada em Roma, ao distribuir, a granel, o certificado de beatitude a 498 frades e freiras, alegados “mártires” da Guerra Civil Espanhola.
Será bom que se saiba que os tais “mártires” foram assassinados porque se puseram ao lado do futuro ditador do país vizinho, Francisco Franco, o Caudillho, contra o governo republicano, legal porque democraticamente eleito.
Como será conveniente não esquecer que nessa guerra foram assasinadas mais de 500.000 pessoas, a maior parte civis e do lado republicano e da legalidade, entre as quais muitas dezenas de milhares de fervorosos católicos. Mas a esses, o Opus Dei, A Conferência Episcopal Espanhola, o Vaticano e o Partido Popular não reconhecem sequer o estatuto de pessoas, quanto mais o de mártires, esses sim, que o foram verdadeiramente por uma causa legítima.
Felizmente o arraial não correu da melhor maneira, dado que os mais entusiastas prometiam uma assistência de um milhão de pessoas e não terão estado na Praça mais de 30.000, contando com muitos tradicionais turistas dos domingos.
Mas, muito melhor do que eu, poderá falar alguém que partilha o mesmo credo e que foi testemunha ocular do que se passou na Guerra Civil. Recomendo, por isso, a leitura da crónica do El Pais com o título que encima esta posta, da autoria do teólogo católico secular espanhol E. Miret Magdalena.
Para o caso de haver dúvidas sobre alguns vocábulos castelhanos, poderão encontrar aqui um Dicionário Multi-Línguas, entra as quais Espanhol-Português.
Será bom que se saiba que os tais “mártires” foram assassinados porque se puseram ao lado do futuro ditador do país vizinho, Francisco Franco, o Caudillho, contra o governo republicano, legal porque democraticamente eleito.
Como será conveniente não esquecer que nessa guerra foram assasinadas mais de 500.000 pessoas, a maior parte civis e do lado republicano e da legalidade, entre as quais muitas dezenas de milhares de fervorosos católicos. Mas a esses, o Opus Dei, A Conferência Episcopal Espanhola, o Vaticano e o Partido Popular não reconhecem sequer o estatuto de pessoas, quanto mais o de mártires, esses sim, que o foram verdadeiramente por uma causa legítima.
Felizmente o arraial não correu da melhor maneira, dado que os mais entusiastas prometiam uma assistência de um milhão de pessoas e não terão estado na Praça mais de 30.000, contando com muitos tradicionais turistas dos domingos.
Mas, muito melhor do que eu, poderá falar alguém que partilha o mesmo credo e que foi testemunha ocular do que se passou na Guerra Civil. Recomendo, por isso, a leitura da crónica do El Pais com o título que encima esta posta, da autoria do teólogo católico secular espanhol E. Miret Magdalena.
Para o caso de haver dúvidas sobre alguns vocábulos castelhanos, poderão encontrar aqui um Dicionário Multi-Línguas, entra as quais Espanhol-Português.
Quadro: Guernica, de Pablo Picasso
terça-feira, outubro 30, 2007
Cenas da vida (ir)real
De segunda a sexta, chova ou faça sol, ao passar de carro à porta da Procuradoria Geral da República, na Rua da Escola Politécnica (a 50 metros do Rato), por volta das 7H00 da manhã, lá está um casal de seniores a montar o seu painel de protesto.
Já tinha lá passado várias vezes a pé, apercebendo-me de que reclamavam justiça para alguma malfeitoria de que tinham sido vítimas. Até que um dia destes indaguei sobre os motivos da sua presença diária ali, há mais de 11 anos (mais de 4.000 dias). E o que ouvi é de estarrecer.
Segundo o Sr. Florindo - assim se chama o cavalheiro - que conta 72 anos de idade, ele veio para Lisboa, fugido à pobreza de Nelas, ainda antes dos dez anos de idade, completando a quarta classe e arranjando logo emprego numa fábrica de vidros ali ao Campo de Santana. Mandou, então, vir ter com ele os seus dois irmãos, ocupando-se do sustento e educação dos dois até que eles conseguissem um lugar ao sol: um é juiz desembargador e outro notário.
Casou com Flora - a senhora que o acompanha no protesto - em Novembro de 1964 e era proprietário de uma pequena fábrica de espelhos em Santiago do Cacém, donde se reformou em 1995.
Um dia, tentaram vender uma das suas propriedades e verificaram, com espanto, que a mesma se encontrava registada em nome de outra pessoa. O que se teria passado?
Diz o Sr. Florindo que tudo começou em 1964, alguns dias depois do casamento, em que ele terá sido dado como morto e a esposa como casada com outro homem, após o que viria, também, a ser dada como morta. Estão ambos “sepultados” no cemitério de Aljustrel.
Tratar-se-ia de uma maquinação diabólica dos seus dois irmãos - um juiz desembargador e um notário, registe-se - para lhe sacarem os documentos, os bens e o dinheiro. Durante bastante tempo havia na parede um enorme cartaz, onde se acusavam os dois da enorme falcatrua. Recordo perfeitamente que tinham o apelido Beja, o mesmo do Sr. Florindo, mas omito os nomes próprios.
E assim, desde o dia 18 de Março de 1996, a casal “morto” e “sepultado” em Aljustrel, protesta ali, junto à Procuradoria, tentando ver apurada a verdade. Já por lá passaram Cunha Rodrigues, Souto de Moura e, agora, Pinto Monteiro, que devem achar “divertida” a atitude do casal. Já foram dados como “maluquinhos” por um psiquiatra do Hospital Miguel Bombarda e medicados com uma dose de drogas - cujo nome exibem e não compraram – que me pareceu suficiente para pôr verdadeiramente maluco um touro de lide. O Sr. Florindo diz que já foi preso mais de 30 vezes e que tentaram interná-los num hospício à força. Recorreram a tudo e mais alguma coisa, desde o Provedor de Justiça ao Presidente da República, do Primeiro Ministro ao Grupo Parlamentar de CDS-PP, da Ordem dos Médicos ao Conselho Superior de Magistratura, da Procuradoria ao Supremo Tribunal de Justiça e ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Mortos não estão, que eu falei com eles e ainda na passada sexta feira lá surgiram na televisão quando as câmaras filmavam a provedora da Casa Pia a sair da Procuradoria. Maluquinhos também não parecem, mas nunca se sabe. Mas não é difícil apurar a verdade. As suas impressões digitais hão-de constar em qualquer arquivo. Se tinham prédios que lhes foram “roubados”, tem de haver notícia nos registos prediais. Se tiveram problemas com “roubo” de dinheiros e com as pensões de reforma, deve haver informação nos bancos. Com os actuais meios de investigação, é possível saber a quem pertencem as ossadas do túmulo de Aljustrel. Então porque não se apura a verdade? Estão à espera de que o país seja alvo de chacota na arena internacional, se o Tribunal Europeu intervier?
Senhor Procurador Geral da República: deixe-se de tretas hilariantes sobre ruídos no seu telemóvel, pois qualquer leigo sabe que é possível efectuar escutas sem provocar ruídos e cumpra as suas obrigações, seja na questão das escutas ilegais sejam “ressuscitando” legalmente dois cidadãos que todos os dias estão bem vivos à sua porta. E se tiverem razão, que se puna exemplarmente os dois responsáveis, que ocupam cargos destacados na Administração Pública; se, pelo contrário, se tratar mesmo de uma patologia psíquica (uma tal de “folie à deux”, que lhes “diagnosticaram”), então que se propicie ao casal um tratamento adequado.
Assim, é que não!
(fotografia de Jorge Godinho/Correio da Manhã)
De segunda a sexta, chova ou faça sol, ao passar de carro à porta da Procuradoria Geral da República, na Rua da Escola Politécnica (a 50 metros do Rato), por volta das 7H00 da manhã, lá está um casal de seniores a montar o seu painel de protesto.
Já tinha lá passado várias vezes a pé, apercebendo-me de que reclamavam justiça para alguma malfeitoria de que tinham sido vítimas. Até que um dia destes indaguei sobre os motivos da sua presença diária ali, há mais de 11 anos (mais de 4.000 dias). E o que ouvi é de estarrecer.
Segundo o Sr. Florindo - assim se chama o cavalheiro - que conta 72 anos de idade, ele veio para Lisboa, fugido à pobreza de Nelas, ainda antes dos dez anos de idade, completando a quarta classe e arranjando logo emprego numa fábrica de vidros ali ao Campo de Santana. Mandou, então, vir ter com ele os seus dois irmãos, ocupando-se do sustento e educação dos dois até que eles conseguissem um lugar ao sol: um é juiz desembargador e outro notário.
Casou com Flora - a senhora que o acompanha no protesto - em Novembro de 1964 e era proprietário de uma pequena fábrica de espelhos em Santiago do Cacém, donde se reformou em 1995.
Um dia, tentaram vender uma das suas propriedades e verificaram, com espanto, que a mesma se encontrava registada em nome de outra pessoa. O que se teria passado?
Diz o Sr. Florindo que tudo começou em 1964, alguns dias depois do casamento, em que ele terá sido dado como morto e a esposa como casada com outro homem, após o que viria, também, a ser dada como morta. Estão ambos “sepultados” no cemitério de Aljustrel.
Tratar-se-ia de uma maquinação diabólica dos seus dois irmãos - um juiz desembargador e um notário, registe-se - para lhe sacarem os documentos, os bens e o dinheiro. Durante bastante tempo havia na parede um enorme cartaz, onde se acusavam os dois da enorme falcatrua. Recordo perfeitamente que tinham o apelido Beja, o mesmo do Sr. Florindo, mas omito os nomes próprios.
E assim, desde o dia 18 de Março de 1996, a casal “morto” e “sepultado” em Aljustrel, protesta ali, junto à Procuradoria, tentando ver apurada a verdade. Já por lá passaram Cunha Rodrigues, Souto de Moura e, agora, Pinto Monteiro, que devem achar “divertida” a atitude do casal. Já foram dados como “maluquinhos” por um psiquiatra do Hospital Miguel Bombarda e medicados com uma dose de drogas - cujo nome exibem e não compraram – que me pareceu suficiente para pôr verdadeiramente maluco um touro de lide. O Sr. Florindo diz que já foi preso mais de 30 vezes e que tentaram interná-los num hospício à força. Recorreram a tudo e mais alguma coisa, desde o Provedor de Justiça ao Presidente da República, do Primeiro Ministro ao Grupo Parlamentar de CDS-PP, da Ordem dos Médicos ao Conselho Superior de Magistratura, da Procuradoria ao Supremo Tribunal de Justiça e ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Mortos não estão, que eu falei com eles e ainda na passada sexta feira lá surgiram na televisão quando as câmaras filmavam a provedora da Casa Pia a sair da Procuradoria. Maluquinhos também não parecem, mas nunca se sabe. Mas não é difícil apurar a verdade. As suas impressões digitais hão-de constar em qualquer arquivo. Se tinham prédios que lhes foram “roubados”, tem de haver notícia nos registos prediais. Se tiveram problemas com “roubo” de dinheiros e com as pensões de reforma, deve haver informação nos bancos. Com os actuais meios de investigação, é possível saber a quem pertencem as ossadas do túmulo de Aljustrel. Então porque não se apura a verdade? Estão à espera de que o país seja alvo de chacota na arena internacional, se o Tribunal Europeu intervier?
Senhor Procurador Geral da República: deixe-se de tretas hilariantes sobre ruídos no seu telemóvel, pois qualquer leigo sabe que é possível efectuar escutas sem provocar ruídos e cumpra as suas obrigações, seja na questão das escutas ilegais sejam “ressuscitando” legalmente dois cidadãos que todos os dias estão bem vivos à sua porta. E se tiverem razão, que se puna exemplarmente os dois responsáveis, que ocupam cargos destacados na Administração Pública; se, pelo contrário, se tratar mesmo de uma patologia psíquica (uma tal de “folie à deux”, que lhes “diagnosticaram”), então que se propicie ao casal um tratamento adequado.
Assim, é que não!
(fotografia de Jorge Godinho/Correio da Manhã)
segunda-feira, outubro 29, 2007
CAIXA CORAL
Adiei o mundo que no escuro
preparava o bote – coral na caixa
preta do destino
Sem descobrir
o código – cobertor de ruído
sobre o túnel –
acordei diante do trem
em direção ao corpo
preso na ferrugem
Nenhum desvio
salvou-me do som
despedaçado do violino
Adeus dos outros,
feito pão mofado
na mesa posta de um cortiço
Acolheu-me a musa
no lado oposto à vida
com o olhar mortiço
para quem ficou encarando
a minha sorte
Ela escolhe e fisga o coração
de quem não morre
Para o resto – o inconformismo
em mar de inveja repulsivo –
ela tem o olhar que petrifica
Fósseis na mira da Medusa
fogem do Tempo, rosto final
do Medo, que assoma
como surda carruagem
Enquanto somem, a seiva
interminável cobre o sonho
que guardei no bolso
Carne oferecida à eternidade
Nei Duclós*
*poeta brasileiro que celebra hoje o seu 59º aniversário
domingo, outubro 28, 2007
O DNA do racismo
James Watson, o co-descobridor da molécula de DNA e ganhador do Nobel de 1953, pisou na bola. Em Londres para a divulgação de seu novo livro "Avoid Boring People" (evite pessoas chatas ou evite chatear as pessoas), ele deu declarações escandalosamente racistas. Acho que nem o Borat ou qualquer outro comediante querendo troçar do politicamente correto teria ido tão longe.
Em entrevista ao jornal britânico "The Sunday Times", o laureado disse na semana passada que africanos são menos inteligentes do que ocidentais e que, por isso, era pessimista em relação ao futuro da África. "Todas as nossas políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles [dos negros] é igual à nossa, apesar de todos os testes dizerem que não", afirmou.
Vale a pena ler na íntegra esta crónica de Hélio Schwartsman , publicada na Follha Online (versão digital da Folha de São Paulo) na passada quinta feira, sobretudo agora, quando o politicamente correcto obrigou o velho Professor a renunciar a todas a suas funções no "Cold Spring Harbor Laboratory", para onde entrou há 40 anos e que tranformou de laborátório desconhecido num dos centros de pesquisa modelo de todo o mundo .
sábado, outubro 27, 2007
Do tempo...
Sou do tempo, seu moço,
que os campos e espaços
eram livres.
Podíamos por eles caminhar
sem receio de abordagens:
“por invasão de propriedade”
“suspeição de má intenção”
ou,
“ter que pagar pedágio”.
Do tempo de liberdade
verdadeira,
sem adjetivações.
Do tempo de subir
e descer livremente ladeiras,
falando aos barrancos piçarrentos.
De banhar nos córregos,
pescar piabas,
e do dormir cedo.
Do tempo
que o próprio tempo
consumiu...
Adriles Ulhoa Filho*
*poeta mineiro
sexta-feira, outubro 26, 2007
A queixa
Quando eu era menino - oh mãe - não te deixava;
Então nunca sem mim conseguiste sair:
Tivestes de ir à rua, e embirrando eu chorava;
e ralhavas: "eu volto" e eu: leva-me! quero ir!
Pois se eras o meu sol.. Tua ausência enoitava,
e a noite era terror... Como à noite sorrir?
Mas ante a minha teimosia infantil justa e brava
fugia-te, sem mim, o ânimo de partir.
Porque naquela vez - na última somente
foste só - sem me ver, num protesto veemente
chorar como em criança ou com maior pesar?
- Mãe! é longe aonde vais? Oh leva-me contigo...
Leva... Quero ir lá longe... ir também ao Jazigo...
E lá foste a sorrir sem querer me levar!
Murilo Araújo*
do livro "Carrilhões" (1917)
*poeta brasileiro
Não Apaguem a Memória
Pediram-me para divulgar esta mensagem:
O núcleo do Porto do movimento "Não Apaguem a Memória!", movimento cívico que visa a preservação da memória histórica das lutas de resistência à ditadura, promove os Encontros em Lugares de Memória da Resistência, esperando que as histórias contadas pelos protagonistas das acções de resistência anti-fascista venham enriquecer a nossa memória colectiva do fascismo.
Contando com os testemunhos dos que participaram nas lutas informais e nas actividades promovidas por associações de todo o tipo, como colectividades culturais, entidades cooperativas, organizações de jovens trabalhadores e associações estudantis, o movimento "Não Apaguem a Memória!" convida todos quantos frequentaram os lugares simbólicos dessas acções.
Tendo-se iniciado este ciclo de tertúlias no café "Piolho", apelamos agora à sua participação activa, no próximo sábado, 27 de Outubro, às 15.30h no café CEUTA , local onde se realiza o segundo encontro.
Se resido no Porto ou redondezas, apareça. Acha que a memória está viva? Então veja e oiça este vídeo.
Pediram-me para divulgar esta mensagem:
O núcleo do Porto do movimento "Não Apaguem a Memória!", movimento cívico que visa a preservação da memória histórica das lutas de resistência à ditadura, promove os Encontros em Lugares de Memória da Resistência, esperando que as histórias contadas pelos protagonistas das acções de resistência anti-fascista venham enriquecer a nossa memória colectiva do fascismo.
Contando com os testemunhos dos que participaram nas lutas informais e nas actividades promovidas por associações de todo o tipo, como colectividades culturais, entidades cooperativas, organizações de jovens trabalhadores e associações estudantis, o movimento "Não Apaguem a Memória!" convida todos quantos frequentaram os lugares simbólicos dessas acções.
Tendo-se iniciado este ciclo de tertúlias no café "Piolho", apelamos agora à sua participação activa, no próximo sábado, 27 de Outubro, às 15.30h no café CEUTA , local onde se realiza o segundo encontro.
Se resido no Porto ou redondezas, apareça. Acha que a memória está viva? Então veja e oiça este vídeo.
quinta-feira, outubro 25, 2007
Para ler e meditar
"Por que ri a hiena?
A GLÓRIA E A EUFORIA são de rigor. O sorriso aberto e satisfeito. A sensação de vitória vê-se na linguagem do corpo. Sócrates venceu. Portugal venceu. A Europa venceu. Todos e cada país venceram. Como previsto, Barroso, Merkel e Sarkozy venceram. Prodi também. E os gémeos polacos igualmente. Percebo por que tanta gente ri de alegria e prazer. Percebo, mas não compreendo. O monstro acabado de criar não dá motivos para rir. Nem sequer sorrir. Mas o Dr. Frankenstein também sorria.
Depois de ter prometido a ultrapassagem da América nos domínios do crescimento, da ciência, da inovação e do emprego, a “Estratégia de Lisboa” foi um monumental fiasco. Segue-se-lhe o “Tratado de Lisboa”, adornado de ainda mais euforia e de ainda mais ilusões vencedoras. Este desastre de Lisboa não ficará conhecido por aqui se ter decretado uma Europa federal, comandada por franceses e alemães, distante dos povos, alheada dos problemas sociais e políticos do continente e contrária à diversidade secular dos seus povos. Não será isso, pela simples razão de que essa Europa federal nunca terá existência. O desastre de Lisboa ficará na história porque aqui se assinou um tratado que consagrou a não democracia como regime europeu e consolidou a burocracia e a Nomenclatura europeias. Ao fazê-lo, confirmou a caminhada futura para uma ilusão senil, irrealizável e não democrática. Ao tentar construir uma impossibilidade, prepararam a destruição do possível. Ao querer uma União federal, eliminam a hipótese de uma verdadeira Comunidade.
Os povos estão distantes da União e afastados da política. As instituições são fechadas e inacessíveis. A Constituição é ilegível e absurda. Os políticos são execrados pelos cidadãos. Os eleitores perderam a confiança nos seus representantes. Os europeus não conhecem, nem querem conhecer o Parlamento Europeu, uma das maiores inutilidades de que o engenho humano foi capaz. As instituições democráticas nacionais estão a definhar e alguns direitos fundamentais são postos em causa na Inglaterra, em França, na Polónia ou em Portugal. Ao mesmo tempo, as instituições europeias ganham poderes e competências, mas sem povo nem reconhecimento, sem tropas nem magistrados, sem aceitação pública nem experiência. A democracia europeia é uma ficção oca, sem substância, sem sociedade e sem vida. Este hiato, agora reforçado, entre a estratosfera europeia e as realidades nacionais e sociais é perigoso a todos os títulos. A Nomenclatura europeia criou um paraíso artificial e chamou-lhe União.
Sei que há muita gente que persiste em afirmar que tantos dirigentes, tanta inteligência, tanta capacidade diplomática não se podem enganar. Nem nos podem enganar a todos. Mas também sei que a melhor inteligência da Europa, as mais fantásticas capacidades científicas e tecnológicas e a mais ilimitada esperança na paz e no progresso fizeram, em 1914, uma das mais absurdas guerras que a humanidade conheceu. E sei que os alemães, vanguarda cultural, científica e industrial do mundo inteiro, tinham a certeza de que fundavam um império para mil anos e uma raça para a eternidade, e vejam o que fizeram. E também sei que os russos, com recursos ilimitados, com formidáveis elites políticas e intelectuais, quiseram, em tempos, criar uma sociedade sem classes, uma democracia total e um desenvolvimento económico e científico incomparável, e vejam o que fizeram.
Como sei que os americanos, que concentram nas suas mãos mais poder, mais capacidades e mais inteligência do que qualquer outra nação na história, quiseram fundar a democracia no Vietname, há quarenta anos, agora no Iraque, e vejam o que fizeram. No Iraque, muitos erraram. Muitos se enganaram. Muitos enganaram. E muitos mentiram. E eram os mais inteligentes, os mais poderosos, os mais sabedores e os que de mais informação dispunham. Os dispositivos militares e políticos americano e britânico concentram inteligência e capacidades sem rival nem precedentes. Mesmo assim, erraram.
A questão não é, obviamente, de inteligência ou de informação. É de política e de interesses. Não é muito diferente do que se passa com os dirigentes europeus. Eles não estão enganados. Enganam e mentem porque acreditam no que dizem. A Alemanha quer comprar. A França quer mandar. Juntas, pagam o que for preciso. Pagam para liquidar a agricultura e as pescas de outros. Pagam para investir nos outros países, para lhes comprar empresas e lhes fechar outras. Pagam para poder exportar. Pagam para submeter o continente às suas opções, sobretudo energéticas. Pagam para construir uma fortaleza diante das veleidades russas. Pagam para resistir ou domesticar as multinacionais. Pagam finalmente para evitar os referendos, para evitar que os povos se exprimam sobre a Europa que eles querem fazer. Pagam para construir, nas nuvens, uma ficção, a que já chamam a mais importante realização política do século XX. Tal como o Império britânico. Tal como o Terceiro Reich. Tal como o comunismo soviético.
Os europeus de hoje, isto é, os seus dirigentes políticos, com medo dos seus povos e dos seus eleitores, com receio dos americanos, ameaçados pelas multinacionais, apavorados com o terrorismo, aterrorizados pela imigração, impotentes perante o comércio asiático, têm também ao seu serviço uma capacidade intelectual, política e diplomática sem precedentes. Querem uma Europa unida ou os Estados Unidos da Europa. Vejam o que fizeram, uma Nomenclatura. Uma União que é a mais poderosa entidade na Europa actual e é também a menos democrática.
Tal como a euforia foi grande, também a crise agora vencida era enorme. Não havia crise na Europa, nem na maior parte dos seus países. Não havia crises sociais e económicas graves. Não havia democracia ou estabilidade em risco evidente. Não havia diferendos militares. A paz não estava ameaçada. Havia crise, isso sim, entre eles, entre os dirigentes políticos, entre os Estados, entre as Nomenclaturas. Fizeram a crise. Resolveram-na. Entre eles. Sem os europeus. Talvez mesmo contra os europeus."
Artigo de António Barreto, publicado no diário Público em 21 de Outubro de 2007.
Surripiado daqui.