How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
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quinta-feira, outubro 25, 2007
Para ler e meditar
"Por que ri a hiena?
A GLÓRIA E A EUFORIA são de rigor. O sorriso aberto e satisfeito. A sensação de vitória vê-se na linguagem do corpo. Sócrates venceu. Portugal venceu. A Europa venceu. Todos e cada país venceram. Como previsto, Barroso, Merkel e Sarkozy venceram. Prodi também. E os gémeos polacos igualmente. Percebo por que tanta gente ri de alegria e prazer. Percebo, mas não compreendo. O monstro acabado de criar não dá motivos para rir. Nem sequer sorrir. Mas o Dr. Frankenstein também sorria.
Depois de ter prometido a ultrapassagem da América nos domínios do crescimento, da ciência, da inovação e do emprego, a “Estratégia de Lisboa” foi um monumental fiasco. Segue-se-lhe o “Tratado de Lisboa”, adornado de ainda mais euforia e de ainda mais ilusões vencedoras. Este desastre de Lisboa não ficará conhecido por aqui se ter decretado uma Europa federal, comandada por franceses e alemães, distante dos povos, alheada dos problemas sociais e políticos do continente e contrária à diversidade secular dos seus povos. Não será isso, pela simples razão de que essa Europa federal nunca terá existência. O desastre de Lisboa ficará na história porque aqui se assinou um tratado que consagrou a não democracia como regime europeu e consolidou a burocracia e a Nomenclatura europeias. Ao fazê-lo, confirmou a caminhada futura para uma ilusão senil, irrealizável e não democrática. Ao tentar construir uma impossibilidade, prepararam a destruição do possível. Ao querer uma União federal, eliminam a hipótese de uma verdadeira Comunidade.
Os povos estão distantes da União e afastados da política. As instituições são fechadas e inacessíveis. A Constituição é ilegível e absurda. Os políticos são execrados pelos cidadãos. Os eleitores perderam a confiança nos seus representantes. Os europeus não conhecem, nem querem conhecer o Parlamento Europeu, uma das maiores inutilidades de que o engenho humano foi capaz. As instituições democráticas nacionais estão a definhar e alguns direitos fundamentais são postos em causa na Inglaterra, em França, na Polónia ou em Portugal. Ao mesmo tempo, as instituições europeias ganham poderes e competências, mas sem povo nem reconhecimento, sem tropas nem magistrados, sem aceitação pública nem experiência. A democracia europeia é uma ficção oca, sem substância, sem sociedade e sem vida. Este hiato, agora reforçado, entre a estratosfera europeia e as realidades nacionais e sociais é perigoso a todos os títulos. A Nomenclatura europeia criou um paraíso artificial e chamou-lhe União.
Sei que há muita gente que persiste em afirmar que tantos dirigentes, tanta inteligência, tanta capacidade diplomática não se podem enganar. Nem nos podem enganar a todos. Mas também sei que a melhor inteligência da Europa, as mais fantásticas capacidades científicas e tecnológicas e a mais ilimitada esperança na paz e no progresso fizeram, em 1914, uma das mais absurdas guerras que a humanidade conheceu. E sei que os alemães, vanguarda cultural, científica e industrial do mundo inteiro, tinham a certeza de que fundavam um império para mil anos e uma raça para a eternidade, e vejam o que fizeram. E também sei que os russos, com recursos ilimitados, com formidáveis elites políticas e intelectuais, quiseram, em tempos, criar uma sociedade sem classes, uma democracia total e um desenvolvimento económico e científico incomparável, e vejam o que fizeram.
Como sei que os americanos, que concentram nas suas mãos mais poder, mais capacidades e mais inteligência do que qualquer outra nação na história, quiseram fundar a democracia no Vietname, há quarenta anos, agora no Iraque, e vejam o que fizeram. No Iraque, muitos erraram. Muitos se enganaram. Muitos enganaram. E muitos mentiram. E eram os mais inteligentes, os mais poderosos, os mais sabedores e os que de mais informação dispunham. Os dispositivos militares e políticos americano e britânico concentram inteligência e capacidades sem rival nem precedentes. Mesmo assim, erraram.
A questão não é, obviamente, de inteligência ou de informação. É de política e de interesses. Não é muito diferente do que se passa com os dirigentes europeus. Eles não estão enganados. Enganam e mentem porque acreditam no que dizem. A Alemanha quer comprar. A França quer mandar. Juntas, pagam o que for preciso. Pagam para liquidar a agricultura e as pescas de outros. Pagam para investir nos outros países, para lhes comprar empresas e lhes fechar outras. Pagam para poder exportar. Pagam para submeter o continente às suas opções, sobretudo energéticas. Pagam para construir uma fortaleza diante das veleidades russas. Pagam para resistir ou domesticar as multinacionais. Pagam finalmente para evitar os referendos, para evitar que os povos se exprimam sobre a Europa que eles querem fazer. Pagam para construir, nas nuvens, uma ficção, a que já chamam a mais importante realização política do século XX. Tal como o Império britânico. Tal como o Terceiro Reich. Tal como o comunismo soviético.
Os europeus de hoje, isto é, os seus dirigentes políticos, com medo dos seus povos e dos seus eleitores, com receio dos americanos, ameaçados pelas multinacionais, apavorados com o terrorismo, aterrorizados pela imigração, impotentes perante o comércio asiático, têm também ao seu serviço uma capacidade intelectual, política e diplomática sem precedentes. Querem uma Europa unida ou os Estados Unidos da Europa. Vejam o que fizeram, uma Nomenclatura. Uma União que é a mais poderosa entidade na Europa actual e é também a menos democrática.
Tal como a euforia foi grande, também a crise agora vencida era enorme. Não havia crise na Europa, nem na maior parte dos seus países. Não havia crises sociais e económicas graves. Não havia democracia ou estabilidade em risco evidente. Não havia diferendos militares. A paz não estava ameaçada. Havia crise, isso sim, entre eles, entre os dirigentes políticos, entre os Estados, entre as Nomenclaturas. Fizeram a crise. Resolveram-na. Entre eles. Sem os europeus. Talvez mesmo contra os europeus."
Artigo de António Barreto, publicado no diário Público em 21 de Outubro de 2007.
Surripiado daqui.
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