How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
sábado, abril 30, 2016
Para lá da
praia
Baía morena
da nossa terra
vem beijar
os pézinhos agrestes
das nossas
praias sedentas,
e canta,
baía minha
os ventres
inchados
da minha
infância,
sonhos meus,
ardentes
da minha
gente pequena
lançada na
areia
da Praia
Gamboa morena
gemendo na
areia
da Praia Gamboa.
Canta,
criança minha
teu sonho
gritante
na areia
distante
da praia
morena.
Teu teto de
andala
à berma da
praia.
Teu ninho
deserto
em dias de
feira.
Mamã tua,
menino
na luta da vida
gamã pixi à
cabeça
na faina do
dia
maninho
pequeno, no dorso ambulante
e tu, sonho
meu, na areia morena
camisa
rasgada,
no lote da
vida,
na longa
espera, duma perna inchada
Mamã
caminhando p'ra venda do peixe
e tu, na
canoa das águas marinhas ...
— Ai peixe à tardinha
na minha
baía...
Mamã minha
serena
na venda do
peixe.
(poetisa
são-tomense nascida faz hoje 90 anos)
sexta-feira, abril 29, 2016
Carta
(Esboço)
Lembro-me
agora que tenho de marcar um
encontro
contigo, num sítio em que ambos
nos possamos
falar, de facto, sem que nenhuma
das
ocorrências da vida venha
interferir
no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me
lembrei de que esse sítio podia
ser, até, um
lugar sem nada de especial,
como um
canto de café, em frente de um espelho
que poderia
servir de pretexto
para
reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último
estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é
preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o
que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor
nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que
permite a passagem à comunicação
mais exacta
de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o
sentido da despedida, e que cada um de nós
leve,
consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se
uma troca de almas fosse possível
neste mundo.
Então, é natural que voltes atrás e
me peças:
«Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei
em fazer isso mesmo, mas era tarde,
isto é, a
porta tinha-se fechado até outro
dia, que é
aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras
caem no vazio, como se nunca tivessem
sido
pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro
contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer
um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a
mais absurda, de um sentimento; e, por
trás disso,
a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte,
como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do
mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
encontrar,
que há-de ser um dia azul, de verão, em que
o vento
poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem,
nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as
nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas,
o vermelho do sol e o branco dos muros.
(Nuno Júdice
faz hoje 67 anos)
quinta-feira, abril 28, 2016
Ode ao Amor
do Mar
Gosto do mar
pelo absurdo
sensual
de suas
sereias
pelo
encrespar
do vento
no ventre
de peixes
abomináveis
pelo lésbico
despudor
das ondas
violentando
as águas
gosto do mar
absorvendo
sol
na máscara
de bronze
dos
pescadores
gosto do mar
mistério
azul
das
mulheres-marinhas
visivelmente
estranguladas
gosto do mar
concupiscente
e paradoxal
em seus
horrores.
(poeta
cearense falecido faz hoje 4 anos)
quarta-feira, abril 27, 2016
terça-feira, abril 26, 2016
As Velhas
Elas nos
olham, mas não vêem nada.
Sua vida é a
que foi, muito lá atrás.
São quase
máscaras, mascando o nada,
E em seus
olhos há um charco, não a paz.
Como em
molduras, nas janelas, duras,
São
pré-retratos, mas dirão: de quem?
Fitam o amor
e a fúria, aves obscuras
No
batente-poleiro que as sustém.
Sabem, no
quarto escuro que é o seu dia,
Que não são
deste mundo. A sua voz,
Se
existisse, a nós, sãos, perguntaria
Se
porventura sê-lo-emos nós.
(poeta
carioca que hoje faz 53 anos)
segunda-feira, abril 25, 2016
domingo, abril 24, 2016
sábado, abril 23, 2016
AUTO-RETRATO
Entre a
espuma e a navalha sou legenda
O espelho
neutraliza o ângulo da morte,
a barba
estrangulou a metafísica
e o problema
do mal é bem remoto.
Aqui sim!
Aqui
resistirei à mímica,
ao
dicionário e ao laboratório !
- a herança
do punhal brilha de novo
- o fantasma
de Abel não me intimida.
Vejo a testa
crescer
entre
espirais de fumo,
o olhar que
não vacila,
da ruga a
pré-história
e o peito
rasgado
pela fúria
do poema.
Aqui sim,
aqui
iniciarei a espécie nova,
aqui
derrotarei o homem-harpa
e pronto
estou para a descoberta do sexo.
O pincel
dá-me o poder do patriarca,
a navalha
redua a timidez e o medo,
o palavrão
rola na boca e salva o mundo.
(poeta
paraense falecido faz hoje 26 anos)
sexta-feira, abril 22, 2016
Coqueiro
Ali, na rua
do Carmo
um coqueiro
ficou abandonado
quando
destruíram a casa velha
a que deu
sombra.
E onde um
par enamorado
teve sonhos
de Amor,
nesse pedaço
de Luanda antiga
agora
modernizada.
E o coqueiro
ligado à terra,
tombado na
direcção
da Rua da
Pedreira,
como filho
nos maternos braços
ali ficou.
Talvez para
saudar alguém
que muito
sofreu e amou...
Mas tudo
acaba e o tempo
tudo anda a
destruir,
- porque
tudo é passageiro,
quando se
vive a mentir.
Ó pincelada
verde na cidade,
ruina e gótica
coluna
de mármore
verde...
Morre,
coqueiro morre,
Antes que os
homens, tão maus,
cometam a
crueldade
de te
expulsar e matar.
Morre de
pura saudade...
E perdoa,
mas sofre como um homem,
coqueiro das
verdes palmas,
porque tudo,
afinal, na vida, é triste
quando se
matam almas...
(poeta
constanciense nascido a 22 de Abril de 1900)
quinta-feira, abril 21, 2016
Ao teu
encontro
Ao teu
encontro, Homem do meu tempo,
E à espera
de que tu prevaleças
À rosácea de
fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei
infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o
poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas,
a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas
serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha
própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências,
o amor dilacerado dos homens
Meu próprio
amor que é o teu
O mistério
dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei
Aquele que me fez poeta e que me prometeu
Compaixão e
ternura e paz na Terra
Se ainda
encontrasse em ti, o que te deu.
(poetisa
paulista nascida faz hoje 86 anos)
quarta-feira, abril 20, 2016
Para um Vil
Criminoso
Fizeste-me
mil maldades
e uma
maldade muito grande
que não se
faz
acho que
devo ter sido a pessoa
a quem
fizeste mais maldades
nem deves
ter feito a ninguém
uma maldade
tão grande
como a que
me fizeste a mim
não sei se
tens remorsos
tu dizes que
não tens remorsos nenhuns
porque dizes
que és um vil criminoso
para mim
eu também
sou uma vil criminosa
mas não para
ti
desconfio
que tens o remorso
de ter
alguns remorsos
por me teres
feito mil maldades
e uma
maldade muito grande
a maldade
muito grande está feita
e não se faz
acho que
essa maldade muito grande
nos
aproximou um do outro
em vez de
nos afastar
mas para mim
é um drôle de chemin
e para ti
também deve ser
mas com um
vil criminoso nunca se sabe
(Adília
Lopes faz hoje 56 anos)
terça-feira, abril 19, 2016
A morte
absoluta
Morrer.
Morrer de
corpo e de alma.
Completamente.
Morrer sem
deixar o triste despojo da carne,
A exangue
máscara de cera,
Cercada de
flores,
Que
apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de
lágrimas
Nascidas
menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem
deixar porventura uma alma errante...
A caminho do
céu?
Mas que céu
pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem
deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança
de uma sombra
Em nenhum
coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma
epiderme.
Morrer tão
completamente
Que um dia
ao lerem o teu nome num papel
Perguntem:
"Quem foi?..."
Morrer mais
completamente ainda,
- Sem deixar
sequer esse nome.
(poeta
pernambucano nascido a 19 de Abril de 1886)
segunda-feira, abril 18, 2016
A partida
Quero morrer
de noite -
As janelas abertas,
Os olhos a
fitar a noite infinda.
Quero morrer
de noite -
Irei me separando aos poucos,
Me
desligando devagar.
A luz das
velas moldará meu rosto lívido.
Quero morrer
de noite -
As janelas abertas,
Tuas mãos
chegarão água aos meus lábios
E meus olhos
beberão a luz triste dos teus olhos,
Os que
virão, os que ainda não conheço,
Estarão em silêncio,
Os olhos postos em mim.
Quero morrer
de noite -
As janelas abertas,
Os olhos a
fitar noite infinda.
Aos poucos me verei pequenino de novo,
muito pequenino.
O berço se
embalará na sombra de uma sala
E na noite,
medrosa, uma velha coserá um enorme boneco.
Uma luz
vermelha iluminará o dormitório
E passos
ressoarão quebrando o silêncio.
Depois na
tarde fria um chapéu rolará numa estrada...
Quero morrer
esta noite -
As janelas abertas.
Minha alma
sairá para longe de tudo, para bem longe de tudo.
E quando
todos souberem que já não estou mais
E que nunca
mais voltarei,
Haverá um
segundo, nos que estão
E nos que
virão, de compreensão absoluta.
(poeta
carioca nascido faz hoje 110 anos)
domingo, abril 17, 2016
sábado, abril 16, 2016
sexta-feira, abril 15, 2016
Poema
Cansado de Certos Momentos
Foi-se tudo
como areia
fina escoada pelos dedos.
Mãe! aqui me
tens,
metade de
mim,
sem saber
que metade me pertence.
Aqui me
tens,
de gestos
saqueados,
onde resta a
saudade de ti
e do teu
mundo de medos.
Meus braços,
vê-os, estão gastos
de pedir luz
e de roubar
distâncias.
Meus braços
cruzados
em cruz de
calvário dos meus degredos.
Ai que isto
de correr pela vida,
dissipando a
riqueza que me deste,
de levar em
cada beijo
a pureza que
pariste e embalaste,
ai, mãe, só
um louco ou um Messias
estendendo a
face de justo
para os
homens cuspirem o fel das veias,
só um louco,
ou um poeta ou um Cristo
poderá
beijar as rosas que os espinhos sangram
e, embora
rasgado, beber o perfume
e continuar
cantando.
Mãe! tu
nunca previste
as geadas e
os bichos
roendo os
campos adubados
e o vizinho
largando a fúria dos rebanhos
pela flor
menina dos meus prados.
E assim,
geraste-me despido
como as
ervas,
e não
olhaste os pegos nem as cobras,
verdes,
viscosas, espreitando dos nichos.
De mão nua,
entregaste-me ao destino.
Os anjos
ficaram lá em cima, cobardes, ansiosos.
E sem elmos
ou gibões,
nem lutei
nem vivi:
fiquei
quieto, absorto, em lágrimas
- e lá ao
fundo esperavam-me valados
e chacais
rancorosos.
Mãe! aqui me
tens,
restos de
mim.
Guarda-me
contigo agora,
que és tu a
minha justiça e o exílio
do perdido e
do achado.
Guarda-me
contigo agora
e
adormece-me as feridas
com as
guitarras do fado.
Mas caberá
no teu regaço
o fantasma
do perdido?
(Fernando
Namora nasceu faz hoje 97 anos)
quinta-feira, abril 14, 2016
A Alegria
A alegria é
uma asa
Sem o
pássaro,
Uma chama
que abrasa
Sem sopro.
A água
corrente livre
Sem destino
Um chamado
que se ouve
Sem o sino.
De repente
ela chega
E é um manto
estendido
Todo azul.
De repente
ela some,
E é um canto
disperso
Rumo ao sul.
(escritor paulista falecido faz hoje 10 anos)
quarta-feira, abril 13, 2016
sou areia
que se esvai
sou esta
areia que se esvai
entre o
cascalho e a duna
a chuva de
Verão chove-me na vida
sobre mim a
vida que me foge persegue-me
e vai acabar
no dia do começo
caro
instante vejo-te
nesta névoa
que se levanta
quando não
tiver de pisar estas longas soleiras movediças
e viver o
espaço de uma porta
que se abre
e que se fecha
Samuel
Becket nasceu faz hoje 110 anos
tradução de
Manuel Portela
terça-feira, abril 12, 2016
segunda-feira, abril 11, 2016
Porque nasci
ao pé de quatro montes
Porque nasci
ao pé de quatro montes,
Por onde as
águas passam a cantar
As canções
dos moinhos e das pontes
Ensinarem-me
as águas a falar…
Eu sei a
vossa língua, água das fontes…
Podeis falar
comigo, águas do mar…
E ouço à
tarde, os longínquos horizontes,
Chorar uma
saudade singular…
E porque
entendo bem aquelas mágoas,
E compreendo
os íntimos segredos
Da voz do
mar ou do rochedo mudo,
Sinto-me
irmão da luz, do ar, das águas,
Sinto-me
irmão dos íngremes penedos,
Sinto que
sou Deus, pois Deus é tudo…
(poeta
altense falecido faz hoje 63 anos)
domingo, abril 10, 2016
sábado, abril 09, 2016
Obsessão
Os bosques
para mim são como catedrais,
Com órgãos a
ulular, incutindo pavor...
E os nossos
corações, - jazidas sepulcrais,
De profundis também soluçam, n'um
clamor.
Odeio do
oceano as iras e os tumultos,
Que retratam
minh'alma! O riso singular
E o amargo
do infeliz, misto de pranto e insultos,
É um riso
semelhante ao do soturno mar.
Ai! como eu
te amaria, ó Noite, caso tu
Pudesses
alijar a luz que te constéia,
Porque eu
procuro o Nada, o Tenebroso, o Nu!
Que a
própria escuridão é também uma teia,
Onde vejo
fulgir, na luz dos meus olhares.
Os entes que
perdi, - espectros familiares!
(Charles
Baudelaire nasceu a 9 de Abril 1821)
Tradução de
Delfim Guimarães
sexta-feira, abril 08, 2016
quinta-feira, abril 07, 2016
momento de
poesia
Se escrevo
ou leio ou desenho ou pinto
logo me
sinto tão atrasado
no que devo
à eternidade,
que começo a
empurrar p’ra diante o tempo
e empurro-o,
empurro-o à bruta
como empurra
um atrasado
até que
cansado me julgo satisfeito.
(Tão gémeos
são
a
fadiga e a satisfação!)
Em troca, se
vou por aí
sou tão
inteligente a ver tudo o que não é comigo,
compreendo
tão bem o que não me diz respeito,
sinto-me tão
chefe do que está fora de mim,
dou
conselhos tão bíblicos aos aflitos de uma aflição
que não a minha,
que,
sinceramente, não sei qual é melhor:
se estar
sozinho em casa a dar à manivela da vida,
se ir por ai
e ser Rei de tudo o que não é meu.
(Almada
Negreiros nasceu faz hoje 123 anos)
quarta-feira, abril 06, 2016
Músicas
Desculpo-me
dos outros com o sono da minha filha.
E deito-me a
seu lado,
a cabeça em
partilha de almofada.
Os sons dos
outros lá fora em sinfonia
são violinos
agudos bem tocados.
Eu é que me
desfaço dos sons deles
e me
trabalho noutros sons.
Bartók em
relação ao resto.
A minha
filha adormecida.
Subitamente
sonho-a não em desencontro como eu
das coisas e
dos sons, orgulhoso
e dorido
Bartók.
Mas nunca
como eles
bem tocada
por violinos
certos.
(poetisa
portuguesa)
terça-feira, abril 05, 2016
Desaparecido
Sempre que
leio nos jornais:
«De casa de
seus pais desapareceu...»
Embora sejam
outros os sinais,
Suponho
sempre que sou eu.
Eu,
verdadeiramente jovem,
Que por
caminhos meus e naturais,
Do meu
veleiro, que ora os outros movem,
Pudesse ser
o próprio arrais.
Eu, que
tentasse errado norte;
Vencido,
embora, por contrário vento,
Mas
desprezasse, consciente e forte,
O porto do
arrependimento.
Eu, que
pudesse, enfim, ser eu!
- Livre o
instinto, em vez de coagido.
«De casa de
seus pais desapareceu...»
Eu, o feliz
desaparecido!
(Carlos
Queirós nasceu a 5 de Abril de 1907)
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