sexta-feira, maio 18, 2012

Punhal da aurora

Ainda escuto a fala do meu pai,
iluminando o silêncio de tapeçaria
da nossa casa de telhado verde.
O rio que lavava a ruazinha estreita
não vegetava mágoas.
Ainda escuto a canção da aurora
que tocava o homem do realejo
com seus olhares retos
e o sorriso de orvalho.
Saudade de Maria
com seu olhar umedecido de alvorada.
Muitas vezes, muitas, percorri a rua
carregando sonhos nas mãos inocentes,
brincando com meus irmãos que nesse tempo
eram apenas anjos de porcelana,
num país sem memória.
Hoje que Rominha tem outro nome
e outras as crianças que ali residem,
a perspectiva das casas tornou-se paralela.
Deuses tiranos caminham sobre a lama viva
e os jardins que sorriam,
como as janelas, agora são de nuvens.

Como a infância corre depressa
na terra grávida do tempo.

Os meus castelos,
já não são fantasiados de papoulas,
mas castelos de vento.

Os meus sonhos agora já não têm a cor do gerânio
e o sol que havia no meu olhar
tornou-se uma saudade ancestral.

Carlos Cunha

(poeta maranhense nascido faz hoje 79 anos)

2 comentários:

jrd disse...

Linda viagem à aurora, à infância.
Abraço

Anónimo disse...

Esse poema arrepiou-me.
E o coment. deixado na "Rainha das Abelhas" do poeta Calado.
Abraço