domingo, novembro 09, 2008

O caminhoneiro boémio Um caminhoneiro alegre era o Tonhão. Levava sempre na cabina do seu Fenemê um violão, que dedilhava todas as noites acompanhando a cantoria dos companheiros nos postos de gasolina das estradas onde pernoitavam. Na Rio-Bahia, na Fernão Dias, nas estradas goianas ou do sul, todo mundo conhecia o Tonhão, gostava dele e achava bom quando coincidia de passar a noite no mesmo posto de gasolina. Iam para o bar, a cerveja corria solta (“só à noite”, aconselhava ele, “nada de beber antes de dirigir”) e a música também. Boleros e sambas-canções enchiam o ar com músicas que quase sempre falavam de amor ou de saudade. Mas, quando chegava em casa, numa cidade pequena do interior de São Paulo, logo depois de matar a saudade da família, Tonhão ficava doido para viajar de novo, seu romantismo parece que terminava. O problema era a falta de vida noturna que era obrigado a ter, quando estava em casa. Na sua cidade, nove horas da noite já não tinha ninguém na rua. Só alguns “boêmios”. E ele gostava da vida de boemia de verdade, de ficar até tarde bebendo cerveja, tocando seu violão e cantando. Os seus amigos gostavam quando ele chegava, mas logo a mulher começava a lhe falar para não chegar tarde em casa. Aquelas coisas de sempre. Ele ia para um bar, se embalava na música e na cerveja, e nunca chegava antes da meia-noite em casa. Aí, era aquela briga! Um fim de tarde, fazia uma semana que tinha chegado de viagem e esperava carga para viajar de novo, antes do jantar a mulher já foi lhe avisando: - Se for para chegar de madrugada em casa hoje, não precisa nem voltar. Pode ir embora. E o Tonhão saiu só para dar uma voltinha à noite, com intenção de tomar um arzinho e voltar. Mas, no bar da praça, encontrou o Zico, que ele considerava “o melhor cantor das músicas do Nelson Gonçalves”. Topou acompanhar o Zico “só numa música”. E tomou um copinho de cerveja. Aí veio mais uma música, mais uma cerveja... Quando viu era quase uma hora da manhã. Foi embora preocupado e, à uma hora em ponto, entrou em casa devagarzinho, silencioso para não acordar a mulher. Tirou a roupa e entrou com cuidado debaixo das cobertas, ao lado da esposa e dormiu. Cedinho, sentiu um chacoalhão. Abriu os olhos, era a mulher furiosa: - Que hora você chegou essa noite, hem? - Dez horas – disse, sabendo que normalmente a essa hora a mulher já devia estar dormindo. - Mentiroso! Pensa que eu não vi? Quando você entrou, o relógio da igreja estava batendo uma hora! Uma hora, viu? - Uai, o que é que você queria? Que ele batesse no zero também? Mouzar Benedito Publicado no jornal digital VIAPOLÍTICA

2 comentários:

éme. disse...

devagarzinho é uma palavra linda! Linda, deliciosa!
:)
Devagarzinho... o relógio bem podia ter batido no zero também! ;)

jrd disse...

Esta vale vinte, mas como o zero não conta, dou-lhe dois, que é a nota máxima.