How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
quinta-feira, junho 30, 2016
Flor de
lapela
Pequeno ser
Que deu
prazer,
E ao cabo,
num ocaso descorado,
Jaz no
passeio, abandonado,
Sem mágoa e
sem memória.
Não é
diversa a trajectória
Das flores
maiores que somos nós
Exibe-nos a
Vida na lapela; a glória
Dura o que
dura uma manhã de sol. Após,
Esgotada a
cor, extinto o perfume,
A mão que
nos colheu lança-nos fora,
Pra que nos
leve a carroça do estrume
Que vem na
madrugada,
Ou, se
chover, nos leve a enxurrada
Flor ou
bicho
Ou criatura,
Tudo é lixo
Na sepultura.
(poeta
português falecido em Lourenço Marques faz hoje 57 anos)
quarta-feira, junho 29, 2016
Canção da
Verdade Jovem
A verdade cantava no escuro
No cimo da
tília sobre o coração
O sol há-de
amadurecer dizia
No cimo da
tília sobre o coração
Se os olhos
o iluminarem
Troçamos da
canção
Agarrámos
prendemos a verdade
Cortámos-lhe
a cabeça de baixo da tília
Os olhos
estavam noutro sítio
Ocupados com
outra obscuridade
E nada viram
(poeta
sérvio nascido faz hoje 94 anos)
Trad.
Eugénio de Andrade
terça-feira, junho 28, 2016
Tarde demais
Era frio, muito frio.
Frio na tarde, frio em mim.
Olhos em pranto,
Alma em desencanto,
Parti a caminhar.
E no melancólico crepúsculo,
Ouvi uma voz que dizia:
Esqueça!
Continuei a caminhada.
Era noite, muito noite então.
Estrelas perfilavam o firmamento,
Num brilho nostálgico o solitário.
E dentro da noite vazia,
Rosto banhado em luar,
Ouvi outra voz que dizia:
Perdoa!
Prossegui a cavalgada.
E já não havia mágoa
E nem mais ressentimento.
Foi quando então o coração falou:
Volta!
Voltei.
Mas era tarde,
Muito tarde então.
Nunca mais o encontrei!
(poetisa paulista que hoje faz 84 anos)
segunda-feira, junho 27, 2016
O Sono das Águas
Há uma hora
certa,
no meio da
noite, uma hora morta,
em que a água
dorme.
Todas as águas
dormem:
no rio, na
lagoa,
no açude, no
brejão, nos olhos d’água,
nos grotões
fundos
E quem ficar
acordado,
na barranca, a
noite inteira,
há de ouvir a
cachoeira
parar a queda e
o choro,
que a água foi
dormir…
Águas claras,
barrentas, sonolentas,
todas vão
cochilar.
Dormem gotas,
caudais, seivas das plantas,
fios brancos,
torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da
folhagem
e adormece.
Até a água
fervida,
nos copos de
cabeceira dos agonizantes…
Mas nem todas
dormem, nessa hora
de torpor
líquido e inocente.
Muitos hão de
estar vigiando,
e chorando, a
noite toda,
porque a água
dos olhos
nunca tem sono…
(escritor
brasileiro nascido faz hoje 108 anos)
domingo, junho 26, 2016
Epitáfio
Se eu
abandonar
a morada
do meu
coração
e morto
permanecer
aquém das
montanhas...
Nas sombras
do eclipse
que descer
cerrado
sobre mim
enterrem-me
oh! por
favor enterrem-me
bem fundo.
E como
epitáfio
à luz de
dias conquistadores
sobre a
minha memória
rasguem a
ferida da piedade
para que
sangre.
(escritor
angolano que hoje faz 58 anos)
sábado, junho 25, 2016
sexta-feira, junho 24, 2016
Actuação
Escrita
Pode-se
escrever
Pode-se
escrever sem ortografia
Pode-se
escrever sem sintaxe
Pode-se
escrever sem português
Pode-se
escrever numa língua sem saber essa língua
Pode-se
escrever sem saber escrever
Pode-se
pegar na caneta sem haver escrita
Pode-se
pegar na escrita sem haver caneta
Pode-se
pegar na caneta sem haver caneta
Pode-se
escrever sem caneta
Pode-se sem
caneta escrever caneta
Pode-se sem
escrever escrever plume
Pode-se
escrever sem escrever
Pode-se
escrever sem sabermos nada
Pode-se
escrever nada sem sabermos
Pode-se
escrever sabermos sem nada
Pode-se
escrever nada
Pode-se
escrever com nada
Pode-se
escrever sem nada
Pode-se não
escrever
(poeta
escalabitano nascido faz hoje 90 anos)
quinta-feira, junho 23, 2016
Melancolia
Quem
(diante do
sol e dos luares,
do olho no
olho do mar e do infinito,
dos
equinócios, das guerras
dos
decretos,
da floração
noturna das estrelas,
das epopéias
do progresso, das quimeras
que ardem na
lareira do desejo,
da súbita
epifania da encantaria
submersa na
linguagem-rio)
quem há de
perceber em mim
(grão de
poeira
na
infinitamente azul ampulheta de Deus)
este botão
de amor tombando no poema
depois que o
abandonaste no meu peito.
(poeta
paraense que hoje faz 77 anos)
quarta-feira, junho 22, 2016
Vigília
E nunca
nunca mais poder
falar a
taça, o casco, a coisa
que partiu o
vidro, inútil
peso das
imagens de ontem.
Nenhuma
destruição de linho
poderá dizer
a cor da rosa
que esmaga
na pupila fechada
o triunfo da
luz de um clarim.
Nunca mais
isto poder dizer,
não poder
dizer pelo avesso
a ternura da
pele clara,
os lábios,
os sulcos, o beijo, o ventre,
os corpos ao
assalto; e depois
não poder
nunca repetir!
(poeta
catalão que hoje faz 71 anos
Tradução de Egito Gonçalves
terça-feira, junho 21, 2016
segunda-feira, junho 20, 2016
domingo, junho 19, 2016
sábado, junho 18, 2016
Pequeno
cosmos
Ah, rosas,
não, nem frutos, nem rebentos.
Horta e
jardim sobejam nestes versos
De
consonâncias velhas e bordões.
Navegante
dum espaço que rodeio
(Noutra hora
diria que infinito),
É por fome
de frutos e de rosas
Que a
frouxidão da pele ao osso chega.
Assim árido,
e leve, me transformo:
Matéria
combustível na caldeira
Que as
estrelas ateiam onde passo.
Talvez,
enfim, o aço apure e faça
Do espelho
em que me veja e redefina.
(José
Saramago faleceu faz hoje 6 anos)
sexta-feira, junho 17, 2016
Já Estou a
Ficar Velho
Já estou a
ficar velho, ainda que tenha
esta figura
fixa sem idade,
e me
mantenha em forma o aparelho
a que todos
aqui somos sujeitos:
a correria
cega, a suspensão elástica,
o salto em
trave e trampolim de folhas,
e outras
altas artes de ginástica.
Mas eu bem
sei sentir além da aparência,
e já me
aconteceu, ao visitar o canto
onde o mundo
se acaba em chão de areia,
ali ver o
meu fim anunciado.
Quando em
tranquilo pouso assim medito,
peso, e
calculo tudo aquilo
que não fiz,
e não tive, e não alcanço
com o rosto
extravagante que me deram,
já tudo bem
pensado considero
se não devo
encontrar algum consolo
na ciência
que conduz o feiticeiro,
e acreditar
também, como me diz,
que é, esta
vida, emaranhada teia
de mal
fiado, mal dobado fio,
e a morte
tão somente um singular casulo
de onde
sairei transfigurado.
Mas não sei
de que valha imaginar
um outro ser
incólume e perfeito
que da minha
substância seja feito
e tome,
noutro mundo, o meu lugar;
se me não
lembra, como serei eu?
Se for quem
sou, ainda que mude a capa,
há-de voltar
aqui, onde hoje estou,
viver o mesmo
instante, e ver
escapar-lhe
das mãos o que me escapa;
veloz
embora, e exímio no salto,
o que hoje
perco, há-de então perdê-lo,
e faltar-lhe
outra vez o que me falta.
(poeta
viseense que hoje faz 72 anos)
quinta-feira, junho 16, 2016
E por Vezes
E por vezes
as noites duram meses
E por vezes
os meses oceanos
E por vezes
os braços que apertamos
nunca mais
são os mesmos E por vezes
encontramos
de nós em poucos meses
o que a
noite nos fez em muitos anos
E por vezes
fingimos que lembramos
E por vezes
lembramos que por vezes
ao tomarmos
o gosto aos oceanos
só o sarro
das noites não dos meses
lá no fundo
dos copos encontramos
E por vezes
sorrimos ou choramos
E por vezes
por vezes ah por vezes
num segundo
se evolam tantos anos
(David
Mourão-Ferreira faleceu faz hoje 20 anos)
Paisagem
“Toda
paisagem tem um ar de sonho”.
Dante Milano
Mal os
braços se abrem
a paisagem
me come
o coração -
corcel dos nervos.
Bebida em
haustos
a vida bate,
enverdece o
sol,
amarela os
frutos - esperança.
E a saudade
em chuva e orvalho
não cai
roxa.
O tempo não
avança.
Minhas
lanternas corporais
são meninas
vadias,
e os ouvidos
ouvem pássaros,
mistérios,
eflúvios,
arrepiando
os tentáculos.
A alma que
voava
me pousou
na beira de
outro sonho.
(poeta
piauiense que hoje faz 83 anos)
quarta-feira, junho 15, 2016
Mãe!
Vem ouvir a
minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei!
Traze tinta
encarnada para escrever estas coisas!
Tinta cor de
sangue, sangue verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a
tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não
fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu vou
viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
Quando
voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou
aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado.
Tu a coseres
e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei,
tão
parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as
tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado!
Eu quero ser
qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa.
Eu também
quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe! passa a
tua mão pela minha cabeça!
Quando
passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
(Almada
Negreiros faleceu faz hoje 46 anos)
terça-feira, junho 14, 2016
segunda-feira, junho 13, 2016
As Palavras
São como
cristal, as palavras.
Algumas, um
punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas
vêm, cheias de memória.
Inseguras
navegam:
barcos ou
beijos,
as águas
estremecem.
Desamparadas,
inocentes, leves.
Tecidas são
de luz e são a noite.
E mesmo
pálidas
verdes
paraísos lembram ainda.
Quem as
escuta?
Quem as
recolhe, assim,
cruéis,
desfeitas,
nas suas
conchas puras?
(Eugénio de
Andrade faleceu faz hoje 11 anos)
Pernoitas em
Mim
pernoitas em
mim
e se por
acaso te toco a memória... amas
ou finges
morrer
pressinto o
aroma luminoso dos fogos
escuto o
rumor da terra molhada
a fala
queimada das estrelas
é noite
ainda
o corpo
ausente instala-se vagarosamente
envelheço
com a nómada solidão das aves
já não
possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum
lume irrompe para beberes
(Al Berto
faleceu faz hoje 19 anos)
domingo, junho 12, 2016
sábado, junho 11, 2016
conspirações
alguma coisa
se desprende do meu corpo
e voa
não cabe na
moldura do meu céu.
sou náufrago
no firmamento.
o vento da
poesia me conduz além de mim o sol me acende
estrelas me
suportam
Odisseu nos
subúrbios da galáxia.
amor é o que
me sabe e o que me sobra
outro
castelo que naufraga
como tantos
que a força do meu sonho
quis
transformar em catedrais.
ilusões?
ainda me restam duas dúzias.
conspirações
de amor, talvez não mais.
(poeta
mineiro que hoje faz 64 anos)
sexta-feira, junho 10, 2016
A Ilha
E olhamos a
ilha assinalada
pelo gosto
de abril que o mar trazia
e galgamos
nosso sono sobre a areia
num barco só
de vento e maresia.
Depois, foi
a terra. E na terra construída
erguemos
nosso tempo de água e de partida.
Sonoras
gaivotas a domar luzes bravias
em nós
recriam a matéria de seu canto,
e nessas
asas se esparrama nossa glória,
de um amor
anterior a todo estio,
de um amor
anterior a toda história.
E seguimos
no caminho de ser vento
onde as aves
vinham ver se havia maio,
e as marcas
espalmadas contra o frio
recobriam de
brancura nosso rumo.
E abrimos
velas alvas que se escondem
dos mapas de
um sonho pequenino,
do início de
uma selva que se espraia
na distância
entre mim e o meu destino.
(poeta
carioca que hoje faz 64 anos)
quinta-feira, junho 09, 2016
Viver sempre
também cansa!
O sol é
sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul,
nitidamente azul,
ora é cinza,
negro, quase verde...
Mas nunca
tem a cor inesperada.
O Mundo não
se modifica.
As árvores
dão flores,
folhas,
frutos e pássaros
como
máquinas verdes.
As paisagens
não se transformam
Não cai neve
vermelha
Não há
flores que voem,
A lua não
tem olhos
Ninguém vai
pintar olhos à lua
Tudo é
igual, mecânico e exacto
Ainda por
cima os homens são os homens
Soluçam,
bebem riem e digerem
sem
imaginação.
E há bairros
miseráveis sempre os mesmos
discursos de
Mussolini,
guerras,
orgulhos em transe
automóveis
de corrida...
E obrigam-me
a viver até à morte!
Pois não era
mais humano
Morrer por
um bocadinho
De vez em
quando
E recomeçar
depois
Achando tudo
mais novo?
Ah! Se eu pudesse
suicidar-me por seis meses
Morrer em
cima dum divã
Com a cabeça
sobre uma almofada
Confiante e
sereno por saber
Que tu
velavas, meu amor do norte.
Quando
viessem perguntar por mim
Havias de
dizer com teu sorriso
Onde arde um
coração em melodia
Matou-se
esta manhã
Agora não o
vou ressuscitar
Por uma
bagatela
E virias
depois, suavemente,
velar por
mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé,
não fosses acordar
a Morte
ainda menina no meu colo..
(José Gomes
Ferreira nasceu faz hoje 116 anos)
quarta-feira, junho 08, 2016
Não Precisas
de me Procurar
Aqui não
precisas de me procurar
para me
encontrares, que eu estou,
omnipresente,
em todo o chão que pisas,
duplicando a
tua sombra,
deixando um
rasto de brisa,
um aroma de
urze na marca dos teus passos.
Com esta
roupa visitaremos os pátios,
os átrios de
dança e do encantamento.
As nuvens
aninhadas atrás da lua,
na olorosa
paz da madrugada,
são o mapa
das errâncias da fala
enquanto o
coração, indefeso, capitula.
(José Jorge
Letria faz hoje 65 anos)
terça-feira, junho 07, 2016
Lição de
Escrita
Não meça
a
temperatura: pouco
importa se o
corpo
dá-se,
agora,
em forma
de colapso.
Esqueça
a máscara
tesa
que
sequestra o sorriso
por sob
a pele.
Releve
a agulha
inclusa
que te
paralisa
beijo e
protesto.
Reserve
uma hora
diária
para afagar
tua miséria.
Ou resista:
não vale a
escrita.
(poeta
gaúcho que hoje faz 43 anos)
segunda-feira, junho 06, 2016
Pensar alto
Sim
às
marrabentas
às danças
rituais
que nas
madrugadas
criam o
frenesi
quando os
tambores e as flautas entram a fanfarrar
fanfarrando
até o vermelho da madrugada fazer o solo sangrar
em contraste
com o verdurar das canções dos pássaros
sobre o já
verduzido manto das mangueiras
dos
cajueiros prenhes
para em
Dezembro seus rebentos
dançarem
como mulheres sensualíssimas
em cada ramo
do cajual da minha terra
mas, sim ao
orgasmo
das mafurreiras
repletas de
chiricos
das rolas
ciosas pela simbiose que só a natureza sabe oferecer
mas sim
ao som
estridente do kulunguana
das donzelas
no zig-zague dos ritos
quando as
gazelas tão belas
não suportam
mais quarenta graus à sombra dos canhueiros em flor
enquanto as
oleiras da aldeia, desta grande aldeia Moçambique
amassam o
barro dos rios
para o pote
feito ser o depositário
de todo o
íntimo desse Povo que se não cala disputando
ecoosamente
com os tambores do meu ontem antigo.
(Malangatana
nasceu faz hoje 80 anos)
domingo, junho 05, 2016
Confusão
Meu coração
é teu
coração?
Quem me
reflexa pensamentos?
Quem me
presta
esta paixão
sem raízes?
Por que muda
meu traje
de cores?
Tudo é
encruzilhada!
Por que vês
no céu
tanta
estrela?
Irmão, és tu
ou sou eu?
E estas mãos
tão frias
são daquele?
Vejo-me
pelos ocasos,
e um
formigueiro de gente
anda por meu
coração.
(poeta
andaluz nascido faz hoje 118 anos)
Tradução de Oscar Mendes
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