terça-feira, abril 07, 2015

A taça de chá


O Luar desmaiava mais ainda uma máscara caída nas esteiras
bordadas. E os bambus ao vento e os crisântemos nos jardins
e as garças no tanque, gemiam com ele a adivinharam-lhe o fim.
Em roda tombavam-se adormecidos os ídolos coloridos e os
dragões alados. E a gueixa, porcelana transparente como a
casca de um ovo da Íbis, enrodilhou-se num labirinto que nem
os dragões dos deuses em dias de lágrimas. E os seu olhos ras-
gados, pérolas de Nanquim a desmaiar-se em água, confundiam-se
cintilantes no luzidio das porcelanas.

Ele, num gesto último, fechou-lhe os lábios co´as pontas dos dedos,
e disse a finar-se: - chorar não é remédio; só te peço que não me
atraiçoes enquanto o meu corpo for quente. Deixou a cabeça
nas esteiras e ficou. E ela, num grito de graça, ergueu alto os braços
a pedir o Céu para Ele, e a saltitar foi pelos jardins a sacudir as mãos,
que todos os que passavam olhavam para Ela.

Pela manhã vinham os vizinhos em bicos dos pés espreitar por entre os
bambus, e todos viram acocorada a gueixa abanando o morto com um
leque de marfim.

A estampa do pires é igual.


(Almada Negreiros nasceu faz hoje 122 anos)

1 comentário:

jrd disse...

Alma até Almada!

Abraço