How many times must a man look up, Before he can see the sky? How many ears must one man have, Before he can hear people cry? The answer, my friend, is blowin' in the wind. The answer is blowin' in the wind.
domingo, janeiro 31, 2016
Um Segredo
Meu pai
tinha sandálias de vento
só agora o
sei.
Tinha
sandálias de vento
e isto nem
sequer é uma maneira de dizer
andava por
longe os olhos fugidos a expressão em nenhures
com as
miraculosas instantaneidades que nos fazem
[estar em todos os sítios.
Andava por
longe meu pai sonhando errando vadiando
mas toda a
sua ausência era
o malogro de
o ser
só agora o
sei.
Andava por
longe ou sentíamo-lo longe
vem dar no
mesmo
e no entanto
víamo-lo sempre
ali plantado
de imobilidade absorta
no cepo de
carvalho raiado de negro
a que o
caruncho comera o miolo
como as
lagartas esvaziam as maçãs
estranhamente
quieto murcho resignado
no seu
estranho vadiar
os olhos
aguados numa tristeza que hoje me dói
como um
apelo perdido uma coragem abortada.
Ausência era
tão de mágoa urdida tão de fracasso tingida
ausência era
altiva e
desolada altiva e triste sobretudo triste
tristeza sim
tristeza solene e irremediada
só agora o
sei.
Às vezes
parecia-me uma águia que atravessa os ares
sulco azul
que nada
distingue do azul onde foi sulcado
e por isso
nem é águia nem ao menos
o que do seu
voo resta para que
o sonho se
faça real.
Meu pai era
um homem com as nostalgias
do que nunca
acontecera e isso minava-o víscera a víscera
como as tais
lagartas esfarelam as maçãs
e então sei-o
agora calçava as ágeis sandálias
miraculosamente
leves soltas imaginosas
indo de
acaso em acaso de astro em astro
eram de
vento as suas sandálias fabulosas
levando-o
aonde mais ninguém poderia chegar.
Os outros
não o sabiam nem eu o sabia
só o víamos
sentado no cepo velho
raiado de
negro como uma estrela fossilizada
por isso
tudo era para ele mais irremediável e triste
sei-o agora
tarde de mais
tarde de
mais é uma dor de remorso
que me
consome víscera a víscera
como as tais
lagartas esfarelam as maçãs.
Mas de
qualquer maneira existe um segredo
de que ambos
partilhamos
ciosamente
avaramente indecifradamente
como os
astutos conspiradores
que fazem do
seu segredo
um mágico
tesouro inviolado.
Um segredo
simples:
o que
sentiste pai
sinto-o eu
agora por ambos
sinto-o por
ti
sinto-o por
mim.
Ainda que
por ele devorados.
(Fernando
Namora faleceu faz hoje 27 anos)
sábado, janeiro 30, 2016
Pátria
Irmão Negro!
Tu tens
braços longos como a noite,
e vens na
voz das casuarinas
batidas pelo
vento,
beijar as
bandeiras erguidas
sobre o teu
sofrimento...
Tu que sais
agora das cavernas
do medo e da
escuridão,
para entoar
ao sol escaldante
o canto da
tua libertação
Que sulcas
com rios de esperança
a vida morta
do meu país,...
que fecundas
com sangue e suor de esperança
a vida morna
do meu país,...
Tu- Irmão
Negro- Homem da Terra!
junta a tua
voz à minha voz,
e sob a
agonia quente deste céu,
vem dizer
também,
que a Pátria
não morreu.
Vem dizer
que para
além
de tudo o
que é passado e porvir,
a Pátria das
palmeiras e dos dongos ficará...
p’ra sempre
ficará brilhando,
sobre a
campa dos Homens que se foram
e sobre o
berço dos Homens que hão-de vir…
(poetisa
angolana falecida faz hoje 54 anos)
sexta-feira, janeiro 29, 2016
Um passeio
tardio
Quando
atravesso o campo pronto para ceifa,
Um efeito
sem rumos,
Suave o
colmo com o denso orvalho,
bloqueia o
atalho do jardim.
E quando
venho ao solo do jardim,
O piar de
pássaros sóbrios
Acima das
tranças de ervas murchas
É mais
triste do que palavras.
Uma árvore
junto da parede estéril,
Mas uma
folha agora castanha,
Perturbada,
não duvido, pelo meu pensamento,
Vem cair
suavemente.
Termino não
muito longe do meu destino
Colhendo o
azul desbotado
Da última flor
de áster
Para levá-la
novamente até ti.
(poeta
estado-unidense falecido faz hoje 53 anos)
quinta-feira, janeiro 28, 2016
A palavra
Se eu
soubesse a palavra,
a que subjaz
aos milhões das que já disse,
a que às
vezes se me anuncia num súbito silêncio interior,
a que se
inscreve entre as estrelas contempladas pela noite,
a que
estremece no fundo de uma angústia sem razão,
a que sinto
na presença oblíqua de alguém que não está,
a que assoma
ao olhar de uma criança que pela primeira vez interrogou,
a que
inaudível se entreouve numa praia deserta no começo do Outono,
a que está
antes de uma grande Lua nascer,
a que está
atrás de uma porta entreaberta onde não há ninguém,
a que está
no olhar de um cão que nos fita a compreender,
a que está
numa erva de um caminho onde ninguém passa,
a que está
num astro morto onde ninguém foi,
a que está
numa pedra quando a olho a sós,
a que está
numa cisterna quando me debruço à sua borda,
a que está
numa manhã quando ainda nem as aves acordaram,
a que está
entre as palavras e não foi nunca uma palavra,
a que está
no último olhar de um moribundo, e a vida e o que nela foi fica a uma distância
infinita,
a que está
no olhar de um cego quando nos fita e resvala por nós,
- se eu
soubesse a palavra,
a única, a
última,
e pudesse
depois ficar em silêncio para sempre…
(Vergílio
Ferreira nasceu faz hoje 100 anos)
A uma
criança que dança no vento
Dança aí
junto ao mar;
Que te
importa
O rugido da
água, o rugido do vento?
Sacode a tua
cabeleira
Molhada de
gotas de sal;
Tu que és
tão jovem ignoras
O triunfo do
néscio, não sabes
Que o amor
mal se ganha e logo se perde,
Nem viste
morrer o melhor operário
E todos os
feixes por atar.
Por que
hás-de temer
O terrível
clamor dos ventos?
(poeta
irlandês falecido faz hoje 77 anos)
tradução de
José Agostinho Baptista
quarta-feira, janeiro 27, 2016
a construção
da manhã
Vai
diluindo-se o negro
sangue da noite assassinada
no asfalto, e já não é
possível conter a invasão.
A última
estrela crava
o fulgor de sua lâmina
impalpável na escura
superfície da imensa miséria do subúrbio
e o dourado
espanador da aurora tenta vasculhar
a tristeza
das casas acordadas.
A cidade
mama o leite
das primeiras notícias
no peito
coletivo de uma
emissora qualquer, e
rumores de
passos de
homens e de máquinas
vão compondo
uma nova
canção de aço e de amargura
no berço
sobressaltado da manhã.
(poeta
sergipiano nascido faz hoje faz 97 anos)
terça-feira, janeiro 26, 2016
Las Viejas
Campanas
Oigo viejas
campanas que llegan del pasado,
campanas de
la tarde en los pueblos tranquilos...
Campanas que
no he visto, y ahora están cantándome
desde los
dulces valles del pasado difunto.
Venid
conmigo, entrad a la sombra que llega.
Cantad, pues
sois tan leves que no puede decirse
si sois un
sueño muerto o si es que estáis distantes,
porque la
lejanía confunde espacio y tiempo.
Éste es el
tiempo triste de nacer con recuerdos.
Cuando yo
vine al mundo, habían muerto cosas
que he
crecido esperando. Y yo no lo sabía,
las suponía
cerca, tal vez tras de mi casa,
tal vez tras
de esos montes a donde van los pájaros.
Y el rumor
del poniente era su voz remota.
No sé, yo no
sé qué eran las cosas que esperaba.
Sé que era
algo sencillo. Eran dulzuras mínimas.
Quizá
mañanas claras, quizá rumor de fuentes,
quizá campos
amigos donde Dios paseaba,
o era el
amor, a salvo del viento de la historia,
o el
conversar despacio de las cosas sabidas...
(escritor
estremenho nascido faz hoje 90 anos)
segunda-feira, janeiro 25, 2016
Desmagia
É preciso
desembaraçar o novelo,
desritualizar
o ritual;
e
reinventar,
até o que já
foi reinventado
e azedou.
É preciso
descartar o adoçante
para
conhecer
o gosto real
das coisas –
saborear a
fruta
sem medo nem
avidez.
É preciso
reconhecer
e assumir
a óbvia
obviedade do óbvio.
(escritor
baiano nascido faz hoje 76 anos)
domingo, janeiro 24, 2016
Poesia
Com a mão
alada procuro
O emocional
desenho puro:
A linha é
frágil; o verso é duro.
A claridade
dos cimos!
Por alcançar
nos desmedimos:
Turvam a
fonte os humanos limos.
Fique meu
gesto suspenso
Como o
branco sinal dum lenço
Por sobre o
mundo nocturno e imenso.
(escritor
vianense nascido faz hoje 93 anos)
sábado, janeiro 23, 2016
sexta-feira, janeiro 22, 2016
quinta-feira, janeiro 21, 2016
Caminho,
pela vida
Caminho,
pela vida, exuberante
Tudo
sentindo de maneira extrema
Para que me
descreva num poema
Na
perfeição, na forma redundante.
Que um verso
me retrate de tal jeito
Que saiba,
quem o ler, que me descreve
À flor dos
vossos lábios, ao de leve,
O turbilhão
que habita no meu peito.
Caminho,
pela vida, neste empenho
Da narrativa
de aflição sagrada;
Cartão de
identidade? Um simples nada
Da imensidão
que na minha alma tenho.
(poeta
algarvio que hoje faz 57 anos)
quarta-feira, janeiro 20, 2016
Epigrama 3
A Guarda
Nacional anda caçando um homem.
Um homem
espera esta noite chegar à fronteira.
O nome desse
homem não se sabe.
Há muitos
outros homens enterrados numa cova.
A quantidade
e o nome desses homens não se sabe.
Nem se sabe
o lugar nem a quantidade de covas.
A Guarda
Nacional anda caçando um homem.
Um homem
espera esta noite sair de Nicarágua.
(Ernesto
Cardenal faz hoje 91 anos)
terça-feira, janeiro 19, 2016
Da figura
das coisas
Hoje, os
vendavais
que dão
novos ângulos
à figueira
nua de folhas,
cujos
troncos se desencontram
como riscos
feitos no azul
pelo Deus
ignoto,
começaram,
ou recomeçaram,
o que é o
mesmo,
porque ano
após ano,
o deus risca
nos céus
traços
diversos únicos.
(escritora
lisboeta falecida faz hoje 9 anos)
Desde a
aurora
Como um sol
de polpa escura
para levar à
boca,
eis as mãos:
procuram-te
desde o chão,
entre os
veios do sono
e da memória
procuram-te:
à vertigem
do ar
abrem as
portas:
vai entrar o
vento ou o violento
aroma de uma
candeia,
e
subitamente a ferida
recomeça a
sangrar:
é tempo de
colher: a noite
iluminou-se
bago a bago: vais surgir
para beber
de um trago
como um
grito contra o muro.
Sou eu,
desde a aurora,
eu - a terra
- que te procuro.
(Eugénio de
Andrade nasceu faz hoje 93 anos)
segunda-feira, janeiro 18, 2016
Desespero
Não eram
meus os olhos que te olharam
Nem este
corpo exausto que despi
Nem os
lábios sedentos que poisaram
No mais
secreto do que existe em ti.
Não eram
meus os dedos que tocaram
Tua falsa
beleza, em que não vi
Mais que os
vícios que um dia me geraram
E me
perseguem desde que nasci.
Não fui eu
que te quis. E não sou eu
Que hoje te
aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso
desta raiva que me deu
A grande
solidão que de ti espero.
A voz com
que te chamo é o desencanto
E o esperma
que te dou, o desespero.
(Ary dos
Santos faleceu faz hoje 32 anos)
domingo, janeiro 17, 2016
Agora que o
silêncio é um mar sem ondas,
E que nele
posso navegar sem rumo,
Não
respondas
Às urgentes
perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser
feliz
Assim,
Já tão longe
de ti como de mim.
Perde-se a
vida a desejá-la tanto.
Só soubemos
sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo
passou,
Há
calmaria...
Não
perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de
novo a tua voz seria
Matar a sede
com água salgada.
(Miguel
Torga faleceu faz hoje 21 anos)
sábado, janeiro 16, 2016
O LIMITE
Limita-se um
país pelas fronteiras;
limita-se a
falhar quem não acerta;
limita-se o
meu céu a ter três letras;
limita-se o
farelo nas peneiras.
Limita-se
uma vida ao seu destino;
limita-se o
trabalho ao seu efeito;
limita-se o
Meu Deus a ser perfeito;
limita-se a
ser Deus quem é divino.
Limita-se
esta noite se me deito;
limita-se a
palavra ao som do ritmo;
limita-se o
instinto ao preconceito.
Limita-se
esta dor se não a grito;
limita-se o
amor depois de eleito;
limita-se uma
recta ao Infinito!
(poeta
matosinhense falecido faz hoje 8 anos)
sexta-feira, janeiro 15, 2016
quinta-feira, janeiro 14, 2016
A canção
mais recente
O poeta
com a sua
lanterna
mágica está
sempre
no começo
das coisas.
É como a
água, eterna-
mente
matutina.
Pouco
importa a noite
lhe ponha a
pena
do silêncio
na asa.
Ele tem a
manhã
em tudo
quanto faça.
Além disso o
amanhã
nunca
deixará de ter pássa-
ros.
(poeta
brasileiro falecido faz hoje 42 anos)
quarta-feira, janeiro 13, 2016
todos os
nomes do coração
Reclamo a
nudez os pés da infância
um tempo
suspenso com o odor a ervas húmidas
a terra
molhada, o lugar que baloiça e alteia
chapinho nos
charcos onde as rãs desafiam a água
para que os
meus dedos possam caligrafar
todos os
nomes do coração
(poetisa
portuguesa nascida no Maputo a 13/01/1964)
terça-feira, janeiro 12, 2016
Natureza
morta
Os trilhos
velhos estão sendo trocados
por trilhos
novos.
E os bondes
enfileirados
andam
devagar.
Os
passageiros estão inquietos.
Alguns não
se conformam
e descem
apressados, praguejando.
Outros
procuram distração
nas
entrelinhas dos jornais.
Meus olhos
grudaram nos gestos fortes
dos homens
feios,
e eu,
intimamente, justifico,
achei
natural o atraso dos bondes
e a troca
dos trilhos velhos...
(poeta
brasileiro nascido faz hoje 101 anos)
segunda-feira, janeiro 11, 2016
Acordar
tarde
tocas as
flores murchas que alguém te ofereceu
quando o rio
parou de correr e a noite
foi tão
luminosa quanto a mota que falhou
a curva - e
o serviço postal não funcionou
no dia
seguinte
procuras
ávido aquilo que o mar não devorou
e passas a
língua na cola dos selos lambidos
por
assassinos - e a tua mão segurando a faca
cujo gume
possui a fatalidade do sangue contaminado
dos amantes
ocasionais - nada a fazer
irás sozinho
vida dentro
os braços
estendidos como se entrasses na água
o corpo num
arco de pedra tenso simulando
a casa
onde me
abrigo do mortal brilho do meio-dia
(poeta
coimbrão que hoje faria 68 anos)
domingo, janeiro 10, 2016
ENCONTRO
FORA DO TEMPO
In memoriam
de José Carlos Godinho
Ferreira de Almeida, 1968
Desces
da vida de
além-morte
que me
alumia
sereno vens
sereno e
forte
servir de
guia
apareces da
noite
marcas o
norte
rasgas o dia
na amargura
da minha
escura crucial poesia
entreteces
com brandura
e valentia
a ligadura
duma ferida
que sangra
tortura e arde
e só não
cura quem nesta vida
fugindo à
lida se acovarde
cresces na
funda raiz
de português
meu irmão
filhos do
mesmo país
nascidos do
mesmo chão
floresces na
cicatriz
aberta no
coração
(e aqui por
quanto fiz quanto não quis
alheio à tua
exemplar lição
ó meu irmão
ó minha terra ó meu país
perdão
milhões de vezes perdão perdão)
a sede que
na terra me levanta
da fome que
me afunda sob a lama
agora mais
que nunca chora e canta
no rasto do
teu vulto que exclama:
quando se
vive e se morre
para cumprir
o dever
sem medo
e sem alarde
- para morrer
não é cedo
para viver
não é tarde.
Fernando Pinto Ribeiro
(poeta
egitaniense nascido a 10 de Janeiro de 1928)
sábado, janeiro 09, 2016
O Relógio
Ao redor da
vida do homem
há certas
caixas de vidro,
dentro das
quais, como em jaula,
se ouve
palpitar um bicho.
Se são
jaulas não é certo;
mais perto
estão das gaiolas
ao menos,
pelo tamanho
e quadradiço
de forma.
Umas vezes,
tais gaiolas
vão
penduradas nos muros;
outras
vezes, mais privadas,
vão num
bolso, num dos pulsos.
Mas onde
esteja: a gaiola
será de
pássaro ou pássara:
é alada a
palpitação,
a saltação
que ela guarda;
e de pássaro
cantor,
não pássaro
de plumagem:
pois delas
se emite um canto
de uma tal
continuidade.
(João Cabral
de Melo Neto nasceu a 09/01/1920)
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