quarta-feira, janeiro 07, 2015

Cedendo ao sono químico

Cedendo ao sono químico o domínio da noite e o começo do dia,
doenças das agências noticiosas da pequena cultura, as mesmas
que nos disseram que os grandes livros ainda não foram escritos,
são a nossa grande conversa de restaurante, com vários poetas
à beira da homenagem, porque velhos, porque mortos, porque
com altas qualidades em que, outrora, ninguém reparara.

Mas o excelente arroz de pato desossado e o vinho muito bom
para o preço mudaram o teor das tuas críticas. Fizeste mal isto,
e isto, e mais isto, além disso é mentira que nietzsche tenha dito
uma coisa daquelas. Baixo a cabeça como quando me obrigavam
a baixar para apanhar um caldo, o boné voava e os calmeirões
riam-se muito. Não fiques triste por eu te descobrir a careca.

Até ideologia me punhas a estudar, as vertentes exactas das encostas
pobres, o limite do desgosto amoroso. Sempre com um chicote,
sempre com uma raiva que parecia renascer todos os dias.
Era como se ao ousar escrever o meu pé tivesse tocado terra
sagrada e a marca do choque, a flor em fogo, fizessem de mim
para sempre um escravo, atado ao veneno que em doses bebia.


(poeta setubalense que hoje faz 66 anos)

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