ÚLTIMAS
DISPOSIÇÕES DO H.M.E.
Para começar
tirem-me este trapo da cara, que faz cócegas
e amortalhem
nele o meu gato e enterrem-no
ali onde era
o meu jardim cromático.
Levem a
coroa de latão de cima do meu peito
e atirem-na
às estátuas erguidas no entulho,
e ofereçam
os laços às putas, para que com eles se enfeitem.
Rezem as
orações a um telefone antiquado e sem fio
ou
embrulhem-nas num lenço de assoar cheio de farelos
para os
estúpidos peixes do charco.
O Bispo que
fique em casa e se emborrache,
dêem-lhe uma
garrafa de rum
(o sermão
vai fazer-lhe sede).
E deixem-me
em paz com lápides e chapéus altos!
Com o belo
basalto pavimentem uma viela
onde ninguém
more,
uma Ruazinha
para pássaros.
Na minha
mala há muito papel amarelo para o meu primo miúdo
fazer com
ele avionettes que hão-de voar, bonitas, da ponte
e ir
mergulhar no rio.
O mais que
fica (umas cuecas, um isqueiro, uma linda opala
e um
despertador) isso é para oferecer a Calístenes, o trapeiro,
com a devida
gorjeta.
Quanto à
ressurreição da carne, entretanto, e à vida eterna,
dessas
coisas trato eu, se estão de acordo:
É cá comigo,
não acham? Então, adeus!
Na banca de
cabeceira há ainda alguns cigarros.
(poeta
lisboeta que hoje faria 83 anos)
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