Armário
Eu queria,
senhora, ser o seu armário
e guardar os
seus tesouros como um corsário
Que coisa
louca:
ser seu
guarda-roupa!
Alguma coisa
sólida, circunspecta e pesada
nessa sua
vida tão estabanada.
Um amigo de
lei
(de que madeira
eu não sei)
Um sentinela
do seu leito
com todo o
respeito.
Ah, ter
gavetinhas
para suas
argolinhas
Ter um vão
para seu
camisolão
e sentir o
seu cheiro,
senhora, o
dia inteiro
Meus nichos
como bichos
engoliriam
suas meias-calças,
seus
soutiens sem alças,
e tirariam
nacos
dos seus
casacos,
E no meu
chão, como trufas,
as suas
pantufas…
Seus
echarpes, seus jeans,
seus longos
e afins
Seus trastes
e
contrastes.
Aquele
vestido com asa
e aquele de
andar em casa.
Um turbante
antigo.
Um pulôver
amigo.
Bonecas de
pano.
Um brinco
cigano.
Um chapéu de
aba larga.
Um isqueiro
sem carga.
Suéteres de
lã
e um
estranho astracã.
Ah, vê-la se
vendo
no meu
espelho, correndo.
Puxando, sem
dores,
os meus
puxadores.
Mexendo com
o meu interior
à procura de
um pregador.
Desarrumando
meu ser
por um
prêt-à-porter…
Ser o seu
segredo,
senhora, e o
seu medo.
E sufocar
com agravantes
todos os
seus amantes.
(Luís
Fernando Veríssimo faz hoje 80 anos)
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