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segunda-feira, setembro 26, 2016

Armário

Eu queria, senhora, ser o seu armário
e guardar os seus tesouros como um corsário
Que coisa louca:
ser seu guarda-roupa!
Alguma coisa sólida, circunspecta e pesada
nessa sua vida tão estabanada.
Um amigo de lei
(de que madeira eu não sei)
Um sentinela do seu leito
com todo o respeito.
Ah, ter gavetinhas
para suas argolinhas
Ter um vão
para seu camisolão
e sentir o seu cheiro,
senhora, o dia inteiro
Meus nichos
como bichos
engoliriam suas meias-calças,
seus soutiens sem alças,
e tirariam nacos
dos seus casacos,
E no meu chão, como trufas,
as suas pantufas…
Seus echarpes, seus jeans,
seus longos e afins
Seus trastes
e contrastes.
Aquele vestido com asa
e aquele de andar em casa.
Um turbante antigo.
Um pulôver amigo.
Bonecas de pano.
Um brinco cigano.
Um chapéu de aba larga.
Um isqueiro sem carga.
Suéteres de lã
e um estranho astracã.
Ah, vê-la se vendo
no meu espelho, correndo.
Puxando, sem dores,
os meus puxadores.
Mexendo com o meu interior
à procura de um pregador.
Desarrumando meu ser
por um prêt-à-porter…
Ser o seu segredo,
senhora, e o seu medo.
E sufocar com agravantes
todos os seus amantes.


(Luís Fernando Veríssimo faz hoje 80 anos)

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