Mania da
Solidão
Como um
jantar frugal junto à clara janela, 
Na sala já
está escuro mas ainda se vê o céu. 
Se saísse,
as ruas tranquilas deixar-me-iam 
ao fim de
pouco tempo em pleno campo. 
Como e
observo o céu — quem sabe quantas mulheres 
estão a
comer a esta hora — o meu corpo está tranquilo; 
o trabalho
atordoa o meu corpo e também as mulheres. 
Lá fora,
depois do jantar, as estrelas virão tocar 
a terra na
ancha planura. As estrelas são vivas, 
mas não
valem estas cerejas que como sozinho. 
Vejo o céu,
mas sei que entre os tectos de ferrugem 
brilha já
alguma luz e que, por baixo, há ruídos. 
Um grande
golo e o meu corpo saboreia a vida 
das árvores
e dos rios e sente-se desprendido de tudo. 
Basta um
pouco de silêncio e as coisas imobilizam-se 
no seu
verdadeiro sítio, como o meu corpo imóvel. 
Cada coisa
está isolada ante os meus sentidos, 
que a aceita
impassível: um cicio de silêncio. 
Cada coisa
na escuridão posso sabê-la, 
como sei que
o meu sangue circula nas veias. 
A planura é
água que escorre entre a erva, 
um jantar de
todas as coisas. Cada planta e cada pedra 
vivem
imóveis. Escuto os alimentos e eles alimentam-me as veias 
com todas as
coisas que vivem nesta planura. 
A noite
importa pouco. O rectângulo de céu 
sussurra-me
todos os fragores e uma estrela miúda 
debate-se no
vazio, longe dos alimentos, 
das casas,
distinta. Não se basta a si mesma 
e precisa de
muitas companheiras. Aqui no escuro, sozinho, 
o meu corpo
está tranquilo e sente-se soberano. 
(poeta
italiano falecido faz hoje 64 anos) 
Tradução de Carlos Leite
 
 
1 comentário:
De lua de fogueiras e de estrelas Pavese falou, mas foi na escuridão que se sentiu bem.
Abraço
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