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segunda-feira, novembro 28, 2016


Michel Berger faria hoje 69 anos. Faleceu aos 44.
Poema

Eu sei que um dia irás, calada e pálida
Pôr flores no meu coval.
Ah, mas por Deus, não chores uma lágrima!
Chama por mim, baixinho...

Então verás as pétalas das rosas,
Dos lírios, das violetas, dos crisântemos,
acesas como estrelas!

Sou eu que me ilumino
Lá no fundo da noite,
Para te ver no meu caminho!


(escritor cernachense falecido faz hoje 51 anos)

sábado, novembro 26, 2016

Radiograma

Alegre triste meigo feroz bêbedo
lúcido
no meio do mar

Claro obscuro novo velhíssimo obsceno
puro
no meio do mar

Nado-morto às quatro morto a nada às cinco
encontrado perdido
no meio do mar
no meio do mar


(Mário Cesariny faleceu faz hoje10 anos)

sexta-feira, novembro 25, 2016

O corpo movendo a lua

Canto bravio hino
Tambores furores um ritmo
De dança ancestral e rude.

Magia de cura homenagem
A guerreiro sem voz
Estampido o canto
A incitar cadências

O corpo movendo a lua.


(escritor bracarense que hoje faz 51 anos)

quinta-feira, novembro 24, 2016

Arma secreta

Tenho uma arma secreta
ao serviço das nações.
Não tem carga nem espoleta
mas dispara em linha recta
mais longe que os foguetões.

Não é Júpiter, nem Thor,
nem Snark ou outros que tais.
É coisa muito melhor
que todo o vasto teor
dos Cabos Canaverais.

A potência destinada
às rotações da turbina
não vem da nafta queimada,
nem é de água oxigenada
nem de ergóis de furalina.

Erecta, na noite erguida,
em alerta permanente,
espera o sinal da partida.
Podia chamar-se VIDA.
Chama-se AMOR, simplesmente.


(António Gedeão nasceu faz hoje 110 anos) 

quarta-feira, novembro 23, 2016

O Poema

Um poema
cresce inseguramente
na confusão da carne.
Sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora, a esplendida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
rios, a grande paz exterior das coisas,
folhas dormindo o silencio
a hora teatral da posse.

E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
insustentável, único,
invade as casas deitadas nas noites
e as luzes e as trevas em volta da mesa
e a força sustida das cisas
e a redonda e livre harmonia do mundo.
Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério

- E o poema faz-se contra a carne e o tempo.


(Herberto Hélder faria hoje 86 anos)

terça-feira, novembro 22, 2016

A escrita das águas

Olho em meu redor.
A chuva afaga as raízes das árvores
e agita seus ramos como se fossem
mantilhas de seda agasalhando
os pássaros no rodeio do vento.
Sei que o tempo não se detém.
Os muros mais severos assinalam,
sem dissonância, a escrita
repisada das águas que a idade
guardou na borda das pedras.


(poetisa figueirense que faz hoje 70 anos)

segunda-feira, novembro 21, 2016

Signo

Todo dia, espero
um pouco mais.
Se caminho pela rua,
nenhuma pedra,
calçada irregular,
solavanco de memória
e estrelas reconduzidas
ao céu posto.


(poeta paulista nascido em França que hoje faz 52 anos)
Noutra praia

Mas tu pensas
que o mar te não esqueceu:
por isso voltas cada ano a esta praia
onde tudo o que permanece te ignora;
e encaras o mar como se fosses tu,
ainda tu,
quem recebe na face a mudança dos ventos


(poeta egitanense que hoje faz 66 anos)

domingo, novembro 20, 2016

Tristeza

Como as ervas de humilde condição
Que ninguém colhe e ninguém procura
Ficará o meu tesouro de ternura
Condenado à mais triste condição…

O mal que me tens feito, sem razão,
Porque excede os limites da tortura
Rejeitar-nos alguém por desventura
Aquilo que se dá do coração!…

Oh! difícil é dar sem ter o quê…
Mas receber da mão de quem nos dê
É tão fácil, meu Deus, e não m’aceitas!…

Se nada peço que razões alegas?
Eu não choro o carinho que me negas…
Eu choro sobre o meu que tu rejeitas!…


(poetisa portuense falecida faz hoje 36 anos)

sábado, novembro 19, 2016

A tinta e o verso

Bebe o sangue
do sol nascente,
rouba o negro da noite
e o ouro do girassol,
arranca o azul do céu,
faz o mural.

Traz o verde da Mata,
as cores dos espinhos sertanejos.
Arranca o colorido das casas,
o castanho dos rios,
a brancura da lua,
a festa das cores das ruas,
faz o mural.

Se faltar a tela,
coloca tudo em palavras no papel,
em vez das cores,
escreve o nome das coisas,
em vez de amarelo
fala em girassol,
no lugar de azul
escreve céu.

Faltando até mesmo
lápis e papel,
recita os meus versos,
diz poemas do meu canto
que surgirão as cores do chão.


(escritor pernambucano que hoje faria 75 anos)

sexta-feira, novembro 18, 2016

Os livros

É então isto um livro,
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
falando com a nossa voz?
É isto um livro,
esta espécie de coração (o nosso coração)
dizendo "eu" entre nós e nós?


(Manuel António Pina nasceu faz hoje 73 anos)

quinta-feira, novembro 17, 2016

Ode

Oh tempo de hoje
a tua face
é odiada
por milhões

Quem não te amaldiçoou
ao menos uma vez?
e não crispou
as mãos e o rosto ao menos uma vez
ao remoinho impiedoso
das tuas contradições?

Meu tempo meu tempo
feito de braços decepados
com gritos reprimidos
tua poesia de dentes cariados
teus sonhos desmentidos
e ainda sempre amados

Vêem-te o esgar
Vivem-te o bafo pestilento
todos te odeiam Sim

Mas eu amo-te tempo
dos meus dias
e dou-te com fervor
a toda a hora
o mais profundo e mais inolvidável
que há em mim


(Mário Dionísio faleceu faz hoje 23 anos)

quarta-feira, novembro 16, 2016

Balança

Com pesos duvidosos me sujeito
À balança até hoje recusada.
É tempo de saber o que mais vale:
Se julgar, assistir, ou ser julgado.
Ponho no prato raso quanto sou,
Matérias, outras não, que me fizeram,
O sonho fugidiço, o desespero
De prender violento ou descuidar
A sombra que me vai medindo os dias;
Ponho a vida tão pouca, o ruim corpo,
Traições naturais e relutâncias,
Ponho o que há de amor, a sua urgência,
O gosto de passar entre as estrelas,
A certeza de ser que só teria
Se viesses pesar-me, poesia.


(José Saramago nasceu faz hoje 94 anos)

terça-feira, novembro 15, 2016

Poema do amante da viúva do tuberculoso

Para mim és um mito,
és o fantasma de teu marido
que morreu tossindo de madrugada,
engasgando em sangue,
és o símbolo do tísico,
és o tuberculoso vestido em carnes novas.
A presença real de teu marido
agarra-se inexorável á floração de tuas carnes
na minha obsessão,
terror diabólico que me inibe o prazer,
receio angustioso que me veda a satisfação!
Preciso possuir-te brutalmente
para não sentir tocar-me o peito batido,
as pernas magras, a pélvis saltada do tísico....
teu amor seria tão bom
se o defunto tivesse morrido mesmo,
meu mal foi conhecer teu marido tossindo a noite inteira,
a luz acesa coando por baixo da porta.

(escritor goiano nascido faz hoje 101 anos)

quinta-feira, novembro 10, 2016

Sonhos de Sol

Nesta manhã tão clara é sacrilégio
o se pensar na morte. No entanto
é no que penso úmidos de pranto
os meus olhos cansados.

Sortilégio
de luz pela cidade... As casas todas,
humildes e branquinhas
lembram gráceis e tímidas mocinhas
no dia de suas bodas.

Morrer assim numa manhã tão linda,
risonha, rosicler,
não é morrer... é adormecer ainda
na doce tepidez de um seio de mulher!
Não é morrer... é só fechar os olhos
Para melhor sentir o cheiro do jasmim
Escondido da renda nos refolhos!...
Ah! Quem me dera que eu morresse assim.


(poeta paraense nascido faz hoje 108 anos)

quarta-feira, novembro 09, 2016

Cogito

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.


(poeta piauiense nascido a 9 de Novembro de 1944)

terça-feira, novembro 08, 2016

As Almas

Vejo passar, na infinda solidão,
Vultos de almas, figuras de emoção;
Os poetas do silêncio que não cantam,
Os doidos que, de súbito, se espantam,
Os que gelam, ao ver o luar nascente,
Os que fitam a mesma estrela eternamente;
Os perdidos da sorte,
Os que chamam, gritando, pela morte!
Os que andam, sem saber, pelos caminhos,
Os que de noite vão, sempre a falar sozinhos,
Os que vivem casados com a dor
E a escondem, ciumentos;
Os trágicos do Amor,
Os que sentem astrais deslumbramentos,
Os que matam e cantam por destino:
O salteador nocturno, o poeta que é divino.
Os tristes vagabundos
Em perpétua e fantástica viagem...
Os que amam a paisagem
E têm nos olhos a amplidão dos mundos...

Vultos de almas, figuras de emoção.
Errantes, na infinita solidão.


(Teixeira de Pascoaes nasceu a 8 de Novembro de 1877)

segunda-feira, novembro 07, 2016

Discurso

E aqui estou, cantando.

Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.

Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.

Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.

Pois aqui estou, cantando.

Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?

Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?


(poetisa carioca nascida a 7 de Novembro de 1901)

domingo, novembro 06, 2016

Quando

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.


(Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu faz hoje 97 anos)

sábado, novembro 05, 2016

 Duas festas no mar

Uma sereia encontrou
um livro de Freud no mar.
Ficou sabendo de coisas
que o rei do mar nem sonhava.

Quando a sereia leu Freud
sobre uma estrela do mar,
tirou o pano de prata
que usava para esconder
a sua cauda de peixe.
E o mar então deu uma festa.

E no outro dia a sereia
achou um livro de Marx
dentro de um búzio do mar.

Quando a sereia leu Marx
ficou sabendo de coisas
que o rei do mar nem sonhava
nem a rainha do mar.

Tirou então a coroa
que usava para dizer
que não era igual aos peixinhos.
Quebrou na pedra a coroa.

E houve outra festa no mar.


(poeta baiano falecido faz hoje 48 anos)

sexta-feira, novembro 04, 2016

Bandeira

é um braço de fevereiro e outro de novembro
que te içam.

os nossos olhos sobem lentamente
a ver teu desfraldar a noite as cores antigas
o vermelho e o preto.

bandeira catana de campesina luta
aliança na roda
dentada proletária força
sem fim até ao brilho sem limite
da estrela.

eles vinham pelo norte e pelo sul
para estar hoje mas não chegaram.
e de ti o luar começa a ser inveja!

olhamos-te bandeira agora
e vamos percorrer contigo este país
até semearmos novembro em toda a parte.


(poeta angolano que hoje faz 75 anos)

quinta-feira, novembro 03, 2016

Tristeza

Esta noite eu durmo de tristeza.
(O sono que eu tinha morreu ontem
queimado pelo fogo de meu bem.)

O que há em mim é só tristeza,
uma tristeza úmida, que se infiltra
pelas paredes de meu corpo
e depois fica pingando devagar
como lágrima de olho escondido.

 (Ali, no canto apagado da sala,
meu sorriso é apenas um brinquedo
que a mãozinha da criança quebrou.)

E o resto é mesmo tristeza.


(poeta carioca nascido faz hoje 82 anos)

quarta-feira, novembro 02, 2016

Como Queiras, Amor...

Como queiras, Amor, como tu queiras.
Entregue a ti, a tudo me abandono,
seguro e certo, num terror tranquilo.
A tudo quanto espero e quanto temo,
entregue a ti, Amor, eu me dedico.

Nada há que eu não conheça, que eu não saiba,
e nada, não, ainda há por que eu não espere
como de quem ser vida é ter destino.

As pequeninas coisas da maldade, a fria
tão tenebrosa divisão do medo
em que os homens se mordem com rosnidos
de malcontente crueldade imunda,
eu sei quanto me aguarda, me deseja,
e sei até quanto ela a mim me atrai.

Como queiras, Amor, como tu queiras.
De frágil que és, não poderás salvar-me.
Tua nobreza, essa ternura tépida
quais olhos marejados, carne entreaberta,
será só escárneo, ou, pior, um vão sorriso
em lábios que se fecham como olhares de raiva.
Não poderás salvar-me, nem salvar-te.
Apenas como queiras ficaremos vivos.

Será mais duro que morrer, talvez.
Entregue a ti, porém, eu me dedico
àquele amor por qual fui homem, posse
e uma tão extrema sujeição de tudo.

Como tu queiras, meu Amor, como tu queiras.


(Jorge de Sena nasceu em 2 de Novembro de 1919

terça-feira, novembro 01, 2016

Para Todo o Sempre

O Poeta morre,
mas não cessa de escrever.

Enquanto escreve,
vive
ressuscitando fugidias horas
mudadas em auroras...

Uma pequenina flor,
pisada por quem passa,
é agora
um milagre de cor,
uma negaça
de mil desejos...

E os beijos
que nunca foram dados,
tornados tão reais...

Aquela borboleta
arrasta
infindas primaveras
no seu voo fremente...

- Uma palavra mais,
Poeta!
Uma palavra quente!
Uma palavra para todo o sempre!

(poeta vila-condense nascido faz hoje 114 anos)