Sentimento
do tempo
Os sapatos
envelheceram depois de usados
Mas fui por
mim mesmo aos mesmos descampados
E as
borboletas pousavam nos dedos dos meus pés.
As coisas
estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida
tem outras portas, muitas portas.
Na terra,
três ossos repousavam
Mas há
imagens que não podia explicar; me ultrapassavam.
As lágrimas
correndo podiam incomodar
Mas ninguém
sabe dizer por que deve passar
Como um
afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe
dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos
crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram
muitas vezes minha fotografia
Mas meus
pais não souberam impedir
Que o
sorriso se mudasse em zombaria
E um coração
ardente em coisa fria.
Sempre foi
assim: vejo um quarto escuro
Onde só
existe a cal de um muro.
Costumo ver
nos guindastes do porto
O esqueleto
funesto de outro mundo morto
Mas não sei
ver coisas mais simples como a água.
Fugi e
encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei,
como se não houvesse voltado,
Comecei a
ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus
pássaros caiam sem sentidos.
No olhar do
gato passavam muitas horas
Mas não
entendia o tempo àquele tempo como agora.
Não sabia
que o tempo cava na face
Um caminho
escuro, onde a formiga passe
Lutando com
a folha.
O tempo é
meu disfarce.
(Paulo
Mendes Campos nasceu faz hoje 92 anos)
1 comentário:
O tempo sente-se mais quando magoa.
Abraço
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