Já Estou a
Ficar Velho
Já estou a
ficar velho, ainda que tenha
esta figura
fixa sem idade,
e me
mantenha em forma o aparelho
a que todos
aqui somos sujeitos:
a correria
cega, a suspensão elástica,
o salto em
trave e trampolim de folhas,
e outras
altas artes de ginástica.
Mas eu bem
sei sentir além da aparência,
e já me
aconteceu, ao visitar o canto
onde o mundo
se acaba em chão de areia,
ali ver o
meu fim anunciado.
Quando em
tranquilo pouso assim medito,
peso, e
calculo tudo aquilo
que não fiz,
e não tive, e não alcanço
com o rosto
extravagante que me deram,
já tudo bem
pensado considero
se não devo
encontrar algum consolo
na ciência
que conduz o feiticeiro,
e acreditar
também, como me diz,
que é, esta
vida, emaranhada teia
de mal
fiado, mal dobado fio,
e a morte
tão somente um singular casulo
de onde
sairei transfigurado.
Mas não sei
de que valha imaginar
um outro ser
incólume e perfeito
que da minha
substância seja feito
e tome,
noutro mundo, o meu lugar;
se me não
lembra, como serei eu?
Se for quem
sou, ainda que mude a capa,
há-de voltar
aqui, onde hoje estou,
viver o mesmo
instante, e ver
escapar-lhe
das mãos o que me escapa;
veloz
embora, e exímio no salto,
o que hoje
perco, há-de então perdê-lo,
e faltar-lhe
outra vez o que me falta.
(poeta
viseense que hoje faz 72 anos)
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